O assalto dos políticos à Justiça. Não há vergonha

Se houvesse vergonha na cara, os políticos estariam bem caladinhos no que diz respeito à Justiça e esperavam que alguma alma caridosa desse um curso de civismo no Parlamento, tentando ensinar aos deputados as boas regras de serviço público

No dia em que se faça a história dos últimos que vivemos, haverá dois nomes que saltarão à vista de qualquer historiador independente: José de Souto Moura e Joana Marques Vidal. Duas personagens que muito fizeram pela transparência da vida pública de uma forma desinteressada, sem quererem tachos políticos no futuro. Entrevistei há muitos anos Souto Moura e não foi difícil perceber que estava perante um homem íntegro, sem jeito nenhum para a comunicação, mas que começou a levar muitos poderosos ao banco dos réus. Foi achincalhado na praça pública pelos podres da política que sempre viram nele um homem indomável. Como cidadão e jornalista tenho o máximo respeito por José de Souto Moura.

 

Joana Marques Vidal é outra figura perante a qual me vergo e que faz parte de uma extirpe em vias de extinção: pessoas que dão o melhor pela causa pública e que são trucidadas pelos interesses obscuros do mundo político e empresarial. Fui assistente do processo Face Oculta e sei bem a coragem que teve o procurador responsável pelo processo, curiosamente de seu nome João Marques Vidal, que enfrentou Pinto Monteiro,  procurador Geral da República de então. O processo só avançou porque João Marques Vidal conseguiu manter o processo em Aveiro, negando a Lisboa informações que poderiam ter abortado a investigação. Basta pensar que José Sócrates não foi constituído arguido porque Pinto Monteiro não considerou relevantes as escutas em que o antigo primeiro-ministro foi intercetado. Já o procurador responsável pelo processo pensava o contrário e, apesar dessa contrariada, conseguiu levar a julgamento vários intervenientes, acabando os principais por serem condenados, entre os quais Armando Vara e o sucateiro Manuel Godinho.

 

Vem esta conversa toda a propósito da ideia peregrina do PSD, apoiada pelo PS, de alterarem a composição do Conselho Superior do Ministério Público, em que sete membros são eleitos entre os procuradores e os outros sete são indicados pela Assembleia da República e pela ministra da Justiça. Pretende Rui Rio – com os aplausos invisíveis de António Costa – que este equilíbrio, ‘desfeito’ pelo voto do procurador Geral da República seja alterado por forma a que os políticos consigam nomear os nomes que muito bem entenderem, permitindo uma alteração de forças no Conselho. Qual é o problema disto? É que dessa forma podem ser os políticos a nomearem procuradores, nomeadamente o que tem a pasta da corrupção, e gerirem como muito bem entendem a Justiça.

 

Se houvesse vergonha na cara, os políticos estariam bem caladinhos no que diz respeito à Justiça e esperavam que alguma alma caridosa desse um curso de civismo no Parlamento, tentando ensinar aos deputados as boas regras de serviço público. Que não passam, seguramente, por inventar falsas presenças, viagens fantasmas e seguros pornográficos. São estes políticos que nos levarão para o abismo de algum ditadorzeco de esquerda ou de direita, pois tudo começa a cheira mal demais.

Marcelo, que aceitou a não recondução de Joana Marques Vidal, vá lá saber-se porquê,  já veio dizer que para se alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público será preciso alterar a Constituição. Será mesmo? A propósito, fiquemos com o que disse Joana Marques Vidal sobre este assunto: «A defesa da maioria de membros não-magistrados no Conselho Superior vai ao arrepio das orientações dos organismos internacionais, como o Conselho da Europa». Citada pelo Público, disse ainda: Essas orientações «têm uma razão de ser: manter a independência dos tribunais, que pode ficar em causa quando os membros não magistrados ficam em maior número».