Nova guerra entre Governo e EDP

Depois das polémicas em torno das rendas de energia, agora é a vez da barragem de Fridão que afinal não vai avançar. Governo afasta indemnização, mas a EDP não abre mão.

O braço de ferro entre Governo e a EDP está a intensificar-se. Depois das rendas de energia que levou a horas intermináveis de audições é a vez do fim da barragem de Fridão. Mas se em relação ao fim da barragem há um ponto em que as duas partes estão de acordo: o projeto é desnecessário. Pelo menos, é esse o entendimento de António Costa. «A conclusão a que o Governo chegou sobre a desnecessidade dessa barragem foi exatamente a mesma que a EDP nos tinha comunicado. Sobre esse ponto fundamental, estamos entendidos e esclarecidos», disse o primeiro-ministro. Menos pacífica está a questão em torno da indemnização de 218 milhões de euros. 

Para João Pedro Matos Fernandes não há dúvidas: a barragem de Fridão, no rio Tâmega, não será construída e «não há razões para a restituição de qualquer montante» à EDP. O ministro disse ainda que esta decisão «está tomada», esclarecendo que houve um desinteresse por parte da elétrica e que o Estado não vai contrariá-lo. E, face a esse desinteresse, defende que não existem razões para a restituição da verba. 

Outro entendimento tem a empresa liderada por António Mexia, ao garantir que «a eventual decisão de não construir o Aproveitamento Hidroelétrico do Fridão (AH Fridão) é da total e exclusiva responsabilidade do Governo». A EDP foi mais longe e afirmou que «em nenhum momento admitiu a possibilidade de não avançar com a construção do AH Fridão sem que lhe fosse devolvido o montante pago ao Estado, em janeiro de 2009, como contrapartida financeira pela sua exploração por 75 anos». Já esta quarta-feira, o presidente da elétrica admitiu que «o Estado tem direito de decidir», mas essa decisão terá de ser feita à luz do contrato e, por isso, a empresa terá de receber os 218 milhões que pagou. «Não há outra alternativa e é o que está previsto no contrato. Nunca em momento algum pusemos a hipótese de não construir a barragem sem a devolução do sinal», afirmou em entrevista à RTP. Mexia lembrou que o contrato contempla arbitragem, que «é simples e rápida» e que «dentro de um ano ou dois resolve-se». E deu como exemplo a compra de uma casa: «É como pagar um sinal para uma casa e não receber nem casa nem sinal».

Em causa está um prémio de 218 milhões de euros pagos pela empresa liderada por António Mexia há dez anos. Ainda assim, o governante garantiu que esta questão ainda não está fechada com a EDP. «Mentiria se dissesse que existe um acordo já hoje», referiu. Em resposta, a elétrica garante estar disponível para se encontrar uma solução. «Como sempre, a EDP está disponível para, de forma construtiva e com base num diálogo de boa-fé entre as partes, encontrar uma solução, deixando claro que não abdicará dos seus direitos, nem dos mecanismos de que dispõe para a defesa dos mesmos», garantiu. E ainda antes de ser conhecido este desfecho, Luís Amado já  tinha alertado para o facto da elétrica ser «uma espécie de arma de arremesso». 

O presidente do Conselho Geral e de Supervisão da energética lembrou ainda que a empresa é a   «principal multinacional de um setor extremamente importante» e considera que todos estes acontecimentos «têm consequências do ponto de vista reputacional» e «tudo o que são mensagens que desgastam a empresa, refletem-se também na apreciação que é feita pelos investidores», revelou em entrevista à Antena 1/Jornal de Negócios.  

A barragem de Fridão, no rio Tâmega, consta há vários anos do Plano Nacional de Barragens, mas uma decisão definitiva sobre a construção daquele empreendimento hidroelétrico, que afeta vários concelhos (Amarante, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto e Mondim de Basto), tem sido sucessivamente adiada, num processo com avanços e recuos ao longo dos anos e de vários governos. No entanto, no início da atual legislatura, o Governo decidiu suspender a construção do empreendimento para proceder à sua reavaliação, processo que terminou na passada quinta-feira, justificando que «a razão principal de fazer ou não fazer a barragem de Fridão tem a ver com o compromisso de atingir determinadas metas de energia renovável até 2030». 

Este anúncio surgiu no dia em que a associação de defesa do ambiente GEOTA anunciou que entregou no Tribunal Administrativo de Lisboa uma ação popular subscrita por 403 pessoas contra a construção da barragem de Fridão que seriam diretamente afetadas caso o empreendimento avançasse.

A ideia não era nova. No início de abril, o Parlamento recomendou ao Governo que realizasse um novo estudo de impacto ambiental do projeto da barragem de Fridão, fazendo uma “avaliação rigorosa dos riscos para os territórios e populações afetadas” – um projeto de resolução apresentado pelo CDS-PP.

Sem consenso nas rendas

Ainda na semana passada foi conhecida a conclusão do relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas é clara: a «opção política» do desenho dos contratos de aquisição de energia (CAE), em 1996, atribuiu à EDP uma «renda por 20 anos» para a robustecer financeiramente e com a liberalização do mercado de eletricidade foi necessário substituir os CAE pelos CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual), tendo o Estado português assumido a «dupla condição» de legislador e de acionista de controlo da elétrica. 

Uma conclusão que está longe de chegar a um consenso. Se por um lado, o Governo admite estar disponível para «considerar» todas as recomendações que surjam no relatório da comissão parlamentar de inquérito às rendas na energia, «desde que não rasguem contratos», a EDP diz que o documento contém «diversas incorreções e vícios», desprezando centenas de horas de audições, defendendo que as conclusões «poderiam ter sido produzidas antes dos trabalhos se terem iniciado». A empresa liderada por António Mexia vai mais longe e diz que «repudia as várias recomendações e conclusões que o relatório preliminar apresenta, e que a esta empresa dizem respeito, e reafirma a inexistência das chamadas rendas excessivas».

Já na entrevista à RTP, o presidente da elétrica estranhou que durante uma década o regulador não tenha colocado problemas, mas em 2017 «resolve reciclar problemas de 2003 e dizer que a lei de 2004 devia ser outra». Mexia lembrou ainda que a comissão de inquérito está a «discutir duas décadas, sete primeiros-ministros e três presidentes» e avançou com números: «com a privatização da EDP, no total, o Estado foi buscar 20 mil milhões de euros».

O que é certo é que a suspensão dos trabalhos está adiado até dia 15 de maio face às várias propostas de alteração que os partidos propuseram ao relatório preliminar da comissão de inquérito às rendas excessivas. 

Para a próxima semana, a EDP prepara-se para clarificar o desfecho em relação à OPA da China Three Gorges, que será discutida no dia 24 de abril em Assembleia-geral. «Para a semana os acionistas terão oportunidade de dizer o que pensam sobre a OPA». E recordou que poderá ditar a extinção da OPA ou obrigar a CMVM a dar apenas 45 dias à CTG para completar todo o processo. «Estamos no fim do período da incerteza», afirmou.