CTT vira página com novo CEO

João Bento entrou nos Correios em 2017 e foi indicado pelo maior acionista da empresa, Manuel Champalimaud. Renegociar com Governo prazo de concessão, recuperar lucros e relação com a Anacom são os maiores desafios.

João Bento, o novo CEO dos CTT, vai assumir a pasta no próximo dia 22 de maio. Um nome que foi confirmado oficialmente no início da semana, mas que já tinha sido avançado pelo SOL na sexta-feira, escolha do maior acionista da empresa, Manuel Champalimaud, que detém 12,58% das ações. O novo líder dos Correios, administrador não executivo desde abril de 2017, vai substituir Francisco de Lacerda que renunciou ao cargo. A partir de quarta-feira, João Bento «deixará de exercer qualquer função no grupo Manuel Champalimaud», antiga Gestmin e a principal acionista da empresa. Os restantes quatro membros da comissão executiva dos CTT mantêm-se em funções, revelou a empresa em comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Tal como o i avançou esta segunda-feira, caberá ao novo presidente da empresa manter o plano estratégico aprovado para este mandato, assim como lidar com o regulador – a relação entre ambos tem sido atribulada -, e negociar com o Governo o prazo de concessão, que cessa em 2020. 

Recorde-se que os partidos de esquerda entregaram projetos de resolução no Parlamento para que fosse levada a cabo uma reversão da privatização (feita em 2014) e nacionalização da empresa que assegura a distribuição de correio pelo país. O cenário foi afastado pelo PS, que quer esperar até 2020 para avaliar a possibilidade, mas o ministro das Infraestruturas disse recentemente no Parlamento que não afasta a hipótese de reversão da privatização da empresa. «O Governo não exclui, neste momento, nenhum cenário», referiu Pedro Nuno Santos. 

A questão tem sido criticada pelo maior acionista dos Correios. Manuel Champalimaud, presidente da Gestmin, que chegou a admitir que o «barulho» sobre nacionalização tem «intuitos eleitoralistas» e alertou para custos para os contribuintes que daí resultariam. «Uma decisão desse tipo só poderia ser tomada num contexto revolucionário, impensável na Europa de que somos parte», disse, acrescentando que «ainda nesse cenário impensável, os contribuintes seriam chamados a pagar, não só pela reversão como pela operação que lhes cairia nas mãos».

Braço-de-ferro com a Anacom

Francisco de Lacerda justificou a sua saída «por entender ser do interesse da sociedade proceder a uma transição da liderança da equipa executiva dos CTT nesta fase, em que se encontram consolidados os três pilares críticos da estratégia aprovada para o mandato 2017/19».

Mas as maiores dores de cabeça do novo líder poderão ser provocadas pela relação da empresa com a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom). Sob a liderança de Francisco de Lacerda assistiu-se a um verdadeiro braço-de-ferro com o regulador. Ainda na semana passada, a Anacom revelou que os CTT voltaram a falhar indicadores de qualidade no ano passado, o que levou a que 6,5 milhões de cartas chegassem ao destino com atraso. Em comunicado, a entidade liderada por Cadete de Matos afirmou que vai aplicar o «mecanismo de compensação», reduzindo o valor máximo pelo qual os CTT podem aumentar os preços este ano.

Os CTT tinham de garantir a entrega no dia seguinte de um mínimo de 93,5% das cartas de correio azul no Continente, mas só conseguiu fazê-lo em 92,3% dos casos, ou seja, «dois milhões de cartas do correio azul demoraram mais de um dia útil a ser entregues». A empresa tem até ao próximo dia 1 de julho para implementar mudanças na medição dos indicadores de qualidade do serviço, que «apresentava múltiplas fragilidades».

Para trás ficou ainda uma guerra em torno chumbo da proposta dos Correios em relação ao reforço da rede postal, com o regulador a afirmar que a proposta da empresa para resolver o problema do encerramento das estações em vários concelhos não era suficiente, assim como em relação ao número de reclamações. Um conflito que levou o ex-presidente da empresa a garantir que «não mentia», nem prestava «informação enganosa às populações, nem às autoridades».

Desafios

Um dos desafios da nova liderança é também voltar a recuperar os lucros dos CTT. Desde o ano da privatização até final de 2018, os Correios perderam 57,8 milhões de euros em resultados – no ano em que foi alienada, a empresa fechou com lucros de 77,2 milhões de euros, bem longe dos 19,6 milhões de euros alcançados no ano passado.

O cenário de queda também se verificou no número de trabalhadores, com a empresa a empregar menos 426. Em contrapartida, o atendimento foi reforçado e passou de 2317 (entre redes de lojas e postos de correios) para 2383 pontos CTT, uma diferença de 66.

E, ao contrário do que aconteceu em anos anteriores, em 2018 a empresa cortou na distribuição de dividendos: 10 cêntimos por ação, ou seja, nunca os CTT pagaram tão pouco aos seus acionistas, cortando com a política de distribuir mais do que os lucros registados e ficando apenas por 75% dos lucros.

Já no primeiro trimestre do ano, os lucros dos CTT recuaram 38% para 3,7 milhões de euros. Esta tendência de queda de lucros já vinha dos anos anteriores.

Outro desafio é o desenvolvimento do Banco CTT. O projeto arrancou em 2016 depois de sucessivos adiamentos – chegou a ser apresentando como Banco Postal na liderança de Luís Nazaré – com a abertura de 200 balcões. De acordo com a empresa, terminou esse ano com mais de 100 mil clientes, 74 mil contas abertas e mais de 250 milhões de euros em depósitos. Fechou 2018 com mais de 400 mil clientes, um crescimento dos depósitos de 42,8% para 884 milhões de euros e uma quota de 2,8% na concessão de crédito à habitação (238 milhões de euros).

Agora João Bento depara-se com a conclusão do negócio da 321 Crédito, entidade especializada no crédito automóvel, que exigiu um investimento de 100 milhões de euros. De acordo com a empresa, esta aquisição «enquadra-se na estratégia de desenvolvimento do Banco CTT», com uma nova linha de negócio, gerando sinergias e «otimizando o balanço consolidado do Banco CTT, através do aumento significativo da carteira de crédito e do rácio de transformação de cerca de 30% para mais de 70%».