‘Garantidamente, não serei ministro nem secretário de Estado’

Não ficou surpreendido com o resultado do PAN e garante que é bem recebido no mundo rural. André Silva tem ‘amigos aficionados’.

‘Garantidamente, não serei ministro nem secretário  de Estado’

O resultado do Pessoas-Animais-Natureza (PAN) tem sido muito comentado, porque o partido, em cinco anos, passou de 56 mil votos para mais de 168 mil votos e conseguiu eleger um eurodeputado. Ficou surpreendido?

Para nós, o resultado do PAN não foi surpreendente. Quem analisa a evolução dos resultados desde as legislativas de 2011 percebe que existem sempre subidas expressivas. Nas últimas autárquicas tivemos um salto muito significativo e, portanto, para nós, não é surpreendente. Isto deve-se ao trabalho e à atitude do PAN ao longo destes últimos anos e também à campanha diferenciadora que fizemos. 

Também se deve à visibilidade que o PAN foi ganhando…

Temos alguma visibilidade. Não muita. Até agora houve uma divisão do espaço mediático bastante diferente. Os cinco principais partidos que estão no Parlamento têm o mesmo espaço no palco mediático e pouco ou nada sobra para o PAN. Basta ver quantas vezes aparecemos nos três telejornais da noite e nos resumos dos debates quinzenais. Contam-se pelos dedos das mãos em quatro anos. A nossa principal fonte de difusão são as redes sociais, porque não temos tanta exposição televisiva. 

O eleitorado mais jovem é a aposta do PAN? 

Depende. No Facebook temos muito seguidores com 50 ou 60 anos. O eleitorado mais jovem já esteve mais no Facebook. Há um eleitorado jovem que vota no PAN, mas há uma transversalidade. Tanto temos bons resultados em concelhos mais envelhecidos, como temos bons resultados em distritos e concelhos mais rurais. 

O PAN é acusado de atacar o mundo rural por causa das propostas que apresenta para a caça ou para a tauromaquia. Essa ideia não se reflete nos resultados eleitorais?

Temos também bons resultados em concelhos e distritos do mundo rural. E quando faço um debate ou uma palestra em zonas do interior tenho bom acolhimento e as mensagens passam. Mas é verdade que estamos menos implantados no mundo rural. A cassete, a lengalenga, de que o PAN quer destruir o mundo rural não cola. Os partidos que nos acusam de destruir o mundo rural são os mesmos que encerram estações de caminhos-de-ferro ou fecham balcões dos CTT no interior. E são os mesmos que estão a destruir o Alentejo com o olival superintensivo, estão a plastificar a Costa Vicentina com estufas e estão a destruir os nossos últimos rios livres selvagens com a construção de grandes barragens. E mais: esses partidos são os responsáveis pelo despovoamento e pela emigração. 

Estamos a falar da direita e do PS?

Estamos a falar destes partidos mais conservadores, PS, PSD, CDS e PCP, que são responsáveis por estas políticas. Uns mais por umas, outros mais por outras.

Foram os partidos que chumbaram as touradas e, mesmo esta semana, chumbaram o diploma do PAN para proibir matilhas na caça.

Exactamente. Não está em causa continuarmos ou não continuarmos a caçar. Mas, como em todos os outros setores, há ou não há evolução? Os senhores da indústria da caça querem ou não querem evoluir? Não querem fazer evolução nenhuma e os porta-vozes desses partidos, no Parlamento, continuam com uma narrativa que está completamente desadequada dos valores da nossa sociedade. Não está em causa a caça. Está em causa meios de caça totalmente anacrónicos, de outros tempos e de outros séculos, que é caçar com um pau, à paulada, ou com matilhas que são autênticas lutas  dilacerantes entre 40 ou 50 cães e uma raposa ou um veado. 

O PS também esteve do lado dos caçadores.

O PS nestas matérias tem uma posição absolutamente condenável. 

Espera um resultado nas legislativas idêntico ao das europeias? Acredita que pode eleger cinco ou seis deputados?

É precipitado fazer extrapolações porque são contextos diferentes. O que queremos e vamos fazer é trabalhar para eleger um grupo parlamentar. Foi isso que sempre dissemos nos últimos quatro anos. E não temos medo de assumir mais responsabilidades. Queremos ter mais força para influenciar a governação do país e é isso que vamos pedir aos portugueses.

Até que ponto este resultado do PAN se pode atribuir às vossas propostas em defesa dos animais?

O PAN defende várias causas. Defende, por exemplo, o avanço de algumas matérias de âmbito social, mas defende também os direitos dos animais. É uma causa pioneira e uma defesa séria e assertiva. E isso distinguiu-nos. Somos o único partido com essas preocupações.

O BE e alguns setores do PS também estão cada vez mais  ligados às  causas relacionadas com os animais…

Isso é bom. Eram assuntos que nunca estavam na agenda e que conseguimos trazer para o centro do debate político. Não só os direitos dos animais, mas também a defesa ambiental. Há cada mais partidos com essas preocupações e a terem que evoluir nessas matérias.

Aceita a crítica de que o PAN tem algumas propostas radicais?

Não consideramos que sejamos radicais. É natural que alguém que apresenta algo de novo possa criar tensões. As pessoas são confrontadas com novas ideias, novas perspetivas sobre a realidade, e quando se sai um bocadinho fora da narrativa convencional há uma tendência para ser classificado como radical. 

Gostava que toda a gente deixasse de comer carne?

Vou responder-lhe com um exemplo: existe alguma medida em Portugal para impor que as pessoas deixem de fumar? Não. Há informação que é dada às pessoas relativamente às consequências do tabaco e as pessoas deixam de fumar se quiserem. Todos os cientistas que falam em alterações climáticas e em impactos ambientais dizem que temos de mudar os nossos hábitos, nomeadamente os alimentares. A forma como estamos a produzir e a consumir comida é insustentável. Logo o que defendemos, e é só isto, é que deve existir informação disponível para as pessoas e a verdade é que o Estado, relativamente ao setor da produção de alimentos de origem animal, o que faz é apoiar publicamente e institucionalmente o consumo destes alimentos. 

Não deve apoiar?

A comunidade científica diz que deve ser o contrário por motivos de saúde e de proteção ambiental. É ser radical defender que se deve explicar às pessoas qual é a pegada ecológica do consumo de determinados alimentos? Se as pessoas forem mais informadas vão acabar por reduzir o seu consumo de carne. Proibir espetáculos com animais é um avanço civilizacional. Coisa diferente é o consumo de proteína animal que está enraizado e tem uma função alimentar. A solução não passa por proibir. As pessoas têm de ser informadas. 

A proposta do PAN passa só por dar mais informação às pessoas?

O que defendemos é a produção e consumo de alimentos essencialmente de origem local, sazonal, biológica e de base vegetal. Não estou a dizer com isto que quero proibir a importação de produtos fora de Portugal, nem estou a dizer que quero proibir produtos de origem animal. O que digo é que idealmente devemos, em termos da nossa saúde e bem-estar, caminhar para a produção e consumo de alimentos baseados nestes quatro pilares. Isto vai encaixar no debate sobre a sustentabilidade do SNS. Basta ouvir a bastonária da Ordem dos Nutricionistas. Mas, o debate que existe é apenas sobre quem investiu mais ou investiu menos no SNS. 

Faria sentido começar a discutir o impacto de uma mudança nos hábitos alimentares para aliviar os encargos do SNS?

Temos de discutir de que forma  se consegue reduzir o número de doentes no Serviço Nacional de Saúde (SNS). É por aqui a sustentabilidade. Todos os anos aumentam os níveis da obesidade e das doenças crónicas não transmissíveis que estão relacionadas com hábitos alimentares errados. Não estão só relacionadas com o consumo de carne. Entra aqui também o consumo de açúcar e de sal… A sustentabilidade do SNS consegue-se com estratégias de prevenção. A sustentabilidade do SNS passa por encontra estratégias de prevenção desde pequenino. Cerca de 25% das pessoas que morrem hoje nos hospitais têm diabetes. Só que este discurso e esta visão choca com algumas mentalidades, porque pode mexer com hábitos que estão enraizados e algumas pessoas não estão para isso. 

O primeiro-ministro diz que tem uma excelente relação com o PAN. Utilizaria as mesmas palavras para definir a relação com o PS?

Nunca nos zangámos. Tenho uma relação cordial com os principais dirigentes do PS, mas do ponto de vista político somos bastante diferentes e vou repetir aquilo que andamos a dizer desde o início: o PAN está disponível para se sentar com os vários partidos para alcançar avanços em determinadas matérias. Foi isso que fizemos nos últimos quatro anos. Não só com o PS nos orçamentos do Estado como com outros partidos para fazer aprovar algumas iniciativas. É precoce estar a traçar cenários. O que é importante é as pessoas perceberem que o PS ou outro qualquer só concretizará as nossas propostas se o PAN tiver força. Isso é que é importante. Nós só teremos mais capacidade de influenciar e de concretizar se nos derem força.

O PAN votou a favor dos orçamentos. Não se sentiu como uma peça da ‘geringonça’?

Não. O PAN não sustenta este governo e, ao contrário dos partidos de esquerda, não fez um acordo com o PS. Nós fizemos algumas propostas e houve, de facto, abertura para o diálogo da parte deles para acolher algumas, pouquinhas, propostas nossas. 

Aprovaria um orçamento de um Governo liderado pelo PSD se tivesse oportunidade de negociar as mesmas propostas?

Depende. Seria difícil se fosse um Governo com as políticas que o PSD aplicou nos últimos anos. Não é uma questão de esquerda ou de direita. Depende de que projecto estamos a falar ou de que liderança estamos a falar. Houve um exagero enorme na retirada de rendimentos aos portugueses e na redução de muitos direitos sociais. Os grandes partidos dependem do contexto político e das lideranças. Por isso é que o PS de António Costa é diferente do PS de Sócrates.

O PAN é um partido de direita ou de esquerda?

Isso, para nós, não é importante. Nós somos um partidos do século  XXI pós-esquerda-direita. Estamos para além dessa dicotomia. Ser de esquerda ou de direita não resolve. Preferimos mais uma categorização de progressista em detrimento de conservador. O PAN é a favor da criminalização do abandono de idosos da mesma forma que é a favor do aumento das penas para incendiários. São bandeiras da direita e isso não faz de nós um partido de direita.

Mas o PAN estaria disponível ou não para integrar um Governo?

O PAN, em função dos resultados, poderá estar disponível para ter mais responsabilidade e apoiar uma solução governativa. Mas, nesta altura, antes das eleições, não lhe consigo dizer se estamos disponíveis para apoiar um Governo do PS. Não sei. Nem sei se o PS vai ganhar as eleições legislativas. 

Não se está a imaginar como ministro?

Não, não, não… Não me estou a imaginar como ministro. Não serei garantidamente ministro nem secretário de Estado. Não faz parte.

Tem a certeza?

Tenho, tenho (risos). Numa situação normal não é esse o papel do PAN. O papel do PAN, neste momento, é crescer, consolidar-se, aprender, densificar as suas políticas em determinas matérias e fazer avançar as suas causas junto de uma solução governativa. Nunca fazendo parte do Governo. 

A proibição das touradas foi, desde o início, uma das bandeiras do PAN. Sente-se frustrado por não ter conseguido aprovar as várias propostas que apresentou contra a tauromaquia?

Portugal não pode dizer que é um país civilizado enquanto tiver touradas. Isso, para nós, é claro. Há avanços que temos de fazer. O fim das corridas de toiros virá afirmar Portugal como o país que larga a sua última tradição anacrónica. As touradas fazem parte da herança cultural do povo português. Isso não há dúvida nenhuma. Como faz a escravatura, como faz o colonialismo, a caça à baleia, a inquisição… Tudo isto faz parte da herança cultural do povo português. A tauromaquia é um profundo desrespeito pelas outras formas de vida. 

Era capaz de ser amigo de uma pessoa que gosta de corrida de toiros?

Tenho amigos aficionados. Nós combatemos por ideias. Não combatemos as pessoas.

Há critérios para ser militante do PAN?

Não há nenhum critério nem menhum regulamento nesse sentido. 

Mas não gostaria de ter aficionados como militantes do PAN….

Não. De facto, perguntaria a esse militante o que está a fazer no PAN. 

Já assitiu a alguma tourada?

Não, Não… Já vi corridas de toiros há muitos anos na televisão. 

É o único deputado do PAN na Assembleia da República. É muito cansativo?

É cansativo e tenho sacrificado a minha vida pessoal no sentido de fazer crescer este movimento. Mas é cansativo, porque no plenário tenho de estar eu, nas comissões tenho de estar eu, na maior parte das entrevistas estou eu… Retira-me um bocadinho de peso se tivermos mais deputados, mas sobretudo dá-nos mais capacidade para concretizar as nossas propostas.