Sinais de conflitualidade

A mudança da economia industrial para a economia do conhecimento vai ser muito exigente e seletiva na distribuição, manutenção e alargamento do poder

O termo elite, hoje vulgarmente associado a questões de natureza política ou social, começou a ser utilizado no século XVI para designar bens de qualidade superior. No séc. XIX, Caetano Mosca usou-o, pela primeira vez, para construção de uma nova teoria da ciência política empregando-o em contraste com o conceito de massa, contexto em que sublinhou que a sociedade era constituída por duas classes de pessoas, uma classe que governava e outra que era governada. Vilfredo Pareto, seu contemporâneo, definiu elite como conjunto de pessoas que possuem índices mais elevados de capacidade no ramo de atividade onde atuam, abrindo assim a porta a um variado leque de elites, embora posteriormente se concentrasse no que designou por «elite governante».

Subjacente a estas posições está uma confrontação direta com o conceito marxista de ‘classe dominante’, conceito ligado ao exercício do poder político concentrado nos detentores da propriedade dos meios de produção, embora Mosca tenha introduzido posteriormente o reconhecimento da importância da posse da propriedade na constituição da ‘classe política’.

Por um lado, Max Weber definiu a democracia como «a competição pela liderança política», entre elites, afirmando ser mais provável que uma revolução socialista estabeleça não uma ditadura do proletariado mas uma ditadura do funcionalismo (dando ao alto funcionalismo a condição de elite). Por outro, Robert Michels afirmava que todos os partidos políticos desenvolviam inevitavelmente uma estrutura oligárquica que dominava toda a sua atuação. A questão da liderança passou a ocupar o centro do exercício do poder, emprestando força determinante às elites e às personagens carismáticas.

A partir deste ponto foram variadíssimas as aproximações ao tema introduzindo variantes de categorização tais como a ‘elite de poder’, a ‘elite empresarial’, a ‘elite militar’, a ‘elite política’, a ‘elite intelectual’, a ‘elite religiosa’, multiplicando-se também os escalões das classes sociais, curiosamente associados ao rendimento e à posse da propriedade. O económico ganhou expressão liderante.

É hoje evidente, em primeiro lugar, que o poder é detido por elites, em segundo lugar que existem elites de diferente tipo e com várias ramificações, em terceiro lugar que as elites que controlam o poder económico têm ascendente sobre todas as outras. Fundiram-se de forma natural as teorias outrora em oposição.

Traduzindo em poder a ação das elites, o poder económico aparece quase sempre como liderante dos restantes. Num mundo complexo a simplicidade de análise pode ser traiçoeira, e muitas vezes é-o. Embora vivamos num mundo essencialmente caracterizado por mutações sistémicas, parece bastante útil a simplificação que facilita compreensão de uma multiplicidade de fenómenos de conquista, preservação e alargamento do poder. 

Percebe-se talvez melhor a tentação de alguns detentores e candidatos a protagonistas de poderes, privilegiando, no limite, o reforço do seu poder económico e a partir deste controlarem os novos e velhos poderes coadjuvantes. Constatando que a reprodução das elites é cada vez mais controlada, é seguro que os mecanismos respetivos serão cada vez mais sofisticados e subtis, embora continuem a ser apresentados, também cada vez mais, não só como razoáveis, mas também como do interesse geral. 

A mudança da economia industrial para a economia do conhecimento está e vai ser muito exigente e seletiva na distribuição, manutenção e alargamento do poder. A mudança é matriz de conflitualidade. A tensão económica, política e cultural está a ganhar nova densidade. Não faltam sinais, nem estórias do ‘faz de conta’. Curiosamente, entre poderes e podres a diferença de escrita é mínima.