Sucessão de Costa já abre feridas nos socialistas

Pedro Nuno Santos, apontado como o sucessor de Costa na direção do partido, tece duras críticas à excessiva interferência de Ana Catarina Mendes na definição da lista de candidatos.

Sucessão de Costa já abre feridas nos socialistas

As listas do PS às eleições legislativas de 6 de outubro provocaram inesperados atritos entre a atual direção do partido – e particularmente a secretária-geral adjunta, Ana Catarina Mendes – e aquele que é apontado como mais provável sucessor de António Costa aos comandos do PS, Pedro Nuno Santos. 

A escolha do elenco de candidatos socialistas foi aprovada na passada terça-feira, mas em duas distritais – Braga e Guarda – o processo foi alvo de forte crispação. Foi, aliás, nestas duas distritais que Ana Catarina Mendes, responsável pelo processo de escolha dos candidatos, teve maior intervenção. 

Uma gestão de Ana Catarina Mendes que levou o ministro da Habitação e Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, a assumir o seu desagrado, tecendo duras críticas e apontando o dedo à excessiva interferência da direção do partido. Críticas que foram feitas durante a reunião do secretariado nacional, que decorreu horas antes da comissão política que, em 2h30 minutos, aprovou as listas dos candidatos a deputados às próximas eleições gerais. 

Mas Pedro Nuno Santos não foi o único a mostrar o seu desagrado com o trabalho de coordenação de Ana Catarina Mendes. Também o presidente da Federação Distrital do PS de Braga, o deputado Joaquim Barreto, aproveitou a comissão política para fazer uma intervenção de censura ao partido. Discurso que foi aplaudido por Pedro Nuno Santos.

Várias fontes socialistas contaram ao SOL que o ministro estava fora da sala antes do discurso de Joaquim Barreto e fez questão de regressar para o ouvir.

Na declaração, à porta fechada, mas a que o SOL teve acesso, Barreto  defendeu que foi  «violado o princípio democrático», assim como «o princípio do respeito pelas decisões tomadas democraticamente», previstos nos Estatutos do partido. O presidente da Federação da Distrital de Braga disse ainda que «com os procedimentos adotados pela direção nacional, ignora-se o valor fundamental dos Estatutos, depositados no Tribunal Constitucional, e que são o princípio basilar na Constituição». 

   Neste conflito, o secretário-geral socialista, António Costa, saiu em defesa da sua número dois, sublinhando que as alterações foram necessárias para acautelar a qualidade da lista ao círculo eleitoral de Braga. 

Já o secretariado da Federação da Distrital da Guarda decidiu demitir-se em bloco depois da aprovação das listas. 

Lista de Braga

A lista de candidatos por Braga é encabeçada pela deputada Sónia Fertuzinhos. Esta escolha da direção nacional do PS só foi anunciada minutos antes da reunião da comissão política para aprovar os candidatos, sem que tenha sido alvo de qualquer votação do aparelho do partido naquele distrito. 

Além disso, a direção nacional decidiu retirar dois nomes propostos pela Federação de Braga: Pedro Sousa e Daniel Bastos. E, em alternativa, fontes socialistas dizem ao SOL que a direção nacional impôs Hugo Pires e Pompeu Martins, em 5.º e 10.º lugares.

Esta interferência não caiu bem na estrutura socialista de Braga, sobretudo com a escolha do deputado Hugo Pires, de quem Ana Catarina Mendes é próxima. Isto porque o coordenador do grupo de trabalho da Habitação, Reabilitação Urbana e Políticas de Cidades é sócio de uma empresa de investimentos imobiliários e está envolvido numa polémica que passa pelo despejo ilegal de um café, em Braga. 

A Federação ainda esteve em negociações com a direção durante a passada terça-feira, mas não conseguiu contrariar o processo.  

A lista final de Braga colocou Barreto em quarto lugar, quando a versão inicial da distrital o apontava para terceiro. Em segundo lugar surgiu o secretário de Estado Adjunto e da Mobilidade, José Mendes, e em terceiro, Maria Begonha, líder da JS, e próxima da ala mais à esquerda do PS. 

Demissões na Guarda

Na distrital Guarda, o caso foi ainda mais complicado. O secretariado da Federação Distrital do PS demitiu-se em bloco e em rota de colisão com a direção nacional. 

Em causa estava o facto de a direção da estrutura, composta por 15 elementos, não ter sido ouvida na versão final da lista. A equipa é encabeçada pela secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, mas não foi o seu nome que esteve na base do problema.

A decisão da direção da federação foi tomada depois de a lista de candidatos ter sido aprovada sem que o secretariado tenha sido auscultado e depois de a direção nacional ter imposto «seis nomes», disse o vice-presidente demissionário da Federação, José Luís Cabral. Situação que a estrutura socialista considerou «intolerável», apontando, também, o dedo a Ana Catarina Mendes, que acusam e «excessiva intervenção».  

Além disso, José Luís Cabral salientou que a distrital esteve sempre disponível para o diálogo,  tendo enviado várias mensagens à direção nacional antes da aprovação da lista. No entanto, de acordo com o o vice-presidente demissionário, a federação não recebeu qualquer resposta da direção do partido. 

Duas estreias em Setúbal

Em Setúbal, a cabeça-de-lista volta a ser Ana Catarina Mendes, seguida pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e no terceiro lugar surge a deputada e ex-governadora civil Eurídice Pereira. 

Mas entre os candidatos socialistas por Setúbal há duas novidades. Uma é o secretário de Estado da Energia, João Galamba, que surge como candidato em quarto lugar (elegível) da lista. Nas últimas legislativas, João Galamba ocupou o terceiro lugar da lista pelo círculo de Coimbra. Este ano, o governante surge na lista pelo círculo de Setúbal, substituindo o lugar ocupado nas últimas legislativas por Paulo Trigo Pereira, que durante a legislatura cortou ligações ao PS. A outra surpresa é a porta-voz socialista Maria António Almeida Santos, filha do fundador do PS Almeida Santos: está na sétima posição. Nos anos anteriores, foi candidata pelos círculos de Coimbra e de Lisboa.

No final da reunião da comissão política, Carlos César, presidente do PS, destacou que as listas têm mais de 56% de mulheres em lugares efetivos.