Até quando?

O programa de Governo volta a não considerar os princípios básicos da gestão moderna para a ciência, a tecnologia  e a inovação.

Fruto da produção de benefícios traduzidos em reforços culturais, alargamento e otimização da intervenção social e, ainda, pelas aplicações tecnológicas que proporciona, incluindo as de natureza militar, hoje designadas por aplicações para a defesa, a ciência é depositária de uma especial credibilidade para os seus julgamentos.

É muito raro haver quem não reconheça que a revolução científica e tecnológica, iniciada no dealbar do século passado, é a responsável pela mais significativa transformação da sociedade, incluindo a relativa a equilíbrios militares fundamentadores da paz. 

Contudo, a integração da ciência com o desenvolvimento da tecnologia, conheceu e conhece, desde há longo tempo, uma certa hostilidade (por vezes surda e silenciosa) fundada no pressuposto de que tal relação produz o descrédito e o empobrecimento da sua mais nobre função: o alargamento da fronteira do conhecimento. Atitude que induz consequências nos modelos de desenvolvimento científico e tecnológico, privilegiando aquele aspeto, face às alternativas de acompanhamento da evolução do estado da arte e de reforço do potencial de inovação, ignorando, assim, o imperativo de se estabelecerem prioridades equilibradas. Trata-se de uma falha muito comum que se reflete mais asperamente nos países pequenos e menos desenvolvidos, transformando-os em subsidiários do conhecimento acumulado (via produto e produtores) pelos países mais avançados.

O que a presente revolução científica e tecnológica trouxe de verdadeiramente novo foi a apropriação de conceitos que antes se julgavam exclusivos do mundo dos negócios – fixação de objetivos mensuráveis, contratos, planos estratégicos, orçamentos, gestão do tempo, produtividade, fluxos de produção, propriedade, intensidade de investimento, prioridades, entre outros. Conceitos que passaram a integrar a gestão destas atividades, segundo as perspetivas de criação, absorção e difusão do conhecimento, trazendo para a primeira linha de preocupações dos respetivos gestores a relevância dos investimentos realizados face aos objetivos fixados.

Foi esta a ineludível mudança que esteve na base da universalização da disponibilização de apoios públicos para a investigação, para a organização do trabalho dos investigadores e para a adequação dos seus ambientes e condições de trabalho, dando relevo à avaliação e validação dos métodos, à avaliação dos projetos e à instituição de estruturas de recompensa, etc.. Dinâmica que reconfigurou o estatuto da classe de cientistas e tecnólogos, passando de exploradores independentes a trabalhadores por conta de outrem e, simultaneamente, membros anónimos na sociedade.

O esforço de desenvolvimento científico e tecnológico realizado nos países mais avançados deixou, desde há muito, de estar maioritariamente focado no financiamento quer de tecnologias para uso militar, quer da elite de investigadores que a coberto de diferentes esquemas de direcionamento dos financiamentos públicos visavam preferencialmente preservar os seus interesses particulares, incluindo os materializados em esquemas de perpetuação de autoridade no interior das instituições 

A consagração de um modelo de gestão balizado pela produção de conhecimento, sua absorção e consequente difusão, articulado com os objetivos estratégicos, tem demonstrado potenciar dramaticamente a produtividade, robustecendo significativamente a produção de riqueza e, no limite, criando condições para a sua redistribuição mais justa e harmoniosa. 

Atentas as especificidades do nosso país, o programa de Governo volta a não considerar os princípios básicos da gestão moderna para a ciência, a tecnologia e a inovação, adiando o imprescindível salto qualitativo de que de há muito aí necessitamos. Até quando?