Parlamento vai aprovar eutanásia

Estão reunidas condições para aprovar a despenalização da morte medicamente assistida. Conservadores não têm margem para tentar travar os projetos de lei apresentados.

Parlamento vai aprovar eutanásia

A despenalização da eutanásia vai mesmo avançar. O tema regressa ao Parlamento no dia 20 de fevereiro e estão reunidas as condições para avançar com um projeto de lei que permita a morte medicamente assistida. Mas a direita mais conservadora faz saber que vai fazer uma forte oposição à implementação desta medida.

O SOL sabe que já estão a decorrer conversações entre grupos parlamentares para alinhavar a estratégia de voto nas quatro propostas que existem sobre o assunto – uma do PS, outra do Bloco de Esquerda, outra dos Verdes e uma do PAN, os mesmos partidos que apresentaram projetos de lei em 2018. E uma quinta proposta, da Iniciativa Liberal, também será apresentada, mas só depois do debate orçamental.

Independentemente das estratégias, basta usar a matemática para perceber que, a não ser que haja uma revolução no PS, a eutanásia vai ser aprovada no Parlamento. Mesmo com os comunistas do outro lado da barricada – o PCP votou contra na última votação –, os socialistas só precisam do apoio do BE para fazer passar o projeto de lei. E o mais provável é que a proposta não seja aprovada ‘à tangente’ – o PAN também é a favor da eutanásia, bem como Os Verdes e alguns sociais-democratas. O próprio Rui Rio afirmou, em 2018, antes de se tornar líder da bancada parlamentar, que se fosse deputado votaria a favor da despenalização da eutanásia. «As pessoas que me conhecem sabem que foi sempre assim ao longo da minha vida. Nunca pus em causa as minhas convicções por aspetos de conjuntura ou de oportunidade. Foi assim até esta idade e será sempre assim até morrer», afirmou na altura. Rio já fez saber que, tal como na anterior votação, será dada liberdade de voto: «A posição histórica do PSD é de dar completa liberdade de voto e de opção às pessoas, não me interessa rigorosamente nada o que outro possa pensar sobre isso, tal como ao outro não interessa o que eu penso».

Agora, mesmo que a maior parte da bancada social-democrata não siga a posição de Rui Rio e se oponha a todas as propostas apresentadas, os socialistas e bloquistas têm força suficiente para fazer passar a eutanásia no Parlamento – para que a proposta não passasse, era preciso que houvesse uma reviravolta dentro do PS e vários deputados contrariassem o sentido de voto assumido pela bancada parlamentar.

A questão surge depois na especialidade: existem algumas nuances nas quatro propostas apresentadas, mas os partidos vão ter de chegar a um consenso. Daí que os partidos já estejam a conversar no sentido de começar a encontrar uma unidade sobre o tema e avançar com a morte assistida o mais rápido possível. Por fim existe a incógnita sobre qual será a posição de Marcelo Rebelo de Sousa caso a lei venha a ser aprovada: se veta ou promulga. Em novembro, disse não recear esse momento.

 

O que defendem os partidos

Nas propostas já apresentadas, todos os partidos defendem que a eutanásia pode ser pedida por «pessoa maior, capaz de entender o sentido e o alcance do seu pedido e consciente no momento da sua formulação», como escreve o Bloco de Esquerda. Em causa tem de estar uma «doença ou lesão incurável, causadora de sofrimento físico ou psicológico intenso, persistente e não debelado ou atenuado para níveis suportáveis e aceites pelo doente ou nos casos de situação clínica de incapacidade ou dependência absoluta e definitiva», refere o PAN. Tanto o Bloco de Esquerda como o PS frisam nas sua spropostas que devem ser excluídos doentes sobre os quais estejam pendentes processos judiciais relacionados com a sua incapacidade.

Na base, PS, BE, PEV e PAN defendem os mesmos princípios para o desenvolvimento do processo: o doente tem de fazer o pedido a um médico, pedido esse que depois tem de ser colocado por escrito. Este médico verifica se o doente cumpre os requisitos legais e dá-lhe toda a informação sobre a sua situação clínica, todos os tratamentos disponíveis e os prognósticos clínicos. Depois disso, BE e PS defendem que o médico escolhido pelo doente para desencadear o processo deve consultar médicos especialistas na patologia que afeta o doente. Caso não seja encontrado impedimento, o pedido é avaliado por uma comissão externa, que dará um parecer sobre o caso específico.

Mas existem diferenças nas propostas: o BE, por exemplo, defende que esta comissão deve ter apenas 24 horas para tomar uma decisão sobre o caso, enquanto o PS e o PAN defendem um prazo de cinco dias. Os Verdes dizem que o pedido tem de ser reiterado quatro vezes por escrito ao longo do processo e que, em caso de parecer negativo por parte da comissão, o doente pode pedir a reanálise do pedido 15 dias depois de ser notificado da decisão. São estas as questões em que os partidos terão de limar arestas e acertar agulhas para chegarem a um consenso quanto à melhor forma de implementar a morte assistida.

 

Aprovação é ‘lamentável’

Quem não está nada satisfeita com este cenário é a direita mais conservadora. O CDS-PP foi sempre contra a despenalização da eutanásia e irá manter essa posição. Questionada pelo SOL sobre esta questão, Cecília Meireles explicou que o grupo parlamentar é «contra» a eutanásia e remeteu mais esclarecimentos para a direção do CDS-PP, que não teve disponibilidade para responder em tempo útil. Na altura de Assunção Cristas, o CDS-PP ponderou propor um referendo sobre esta questão, mas a posição de Francisco Rodrigues dos Santos, novo líder do CDS-PP, não parece ir nesse sentido. «Se nos perguntam se defendemos a vida, responderemos sim. Defendemos a vida do embrião ao idoso, dos mais saudáveis aos menos saudáveis, porque acreditamos que a solução para os que sofrem é cuidar, não é matar. Opomo-nos à eutanásia!», disse no penúltimo congresso do CDS.

Quem também já criticou a aprovação da eutanásia foi André Ventura. O líder do Chega considera «lamentável» que o país aprove a morte assistida antes de se debruçar sobre outra questão: os cuidados paliativos.

«O Chega foi o primeiro partido a colocar um projeto de resolução a propor a criação de uma rede alargada de cuidados paliativos para poder responder ao problema do sofrimento. Estamos a fazer tudo ao contrário: primeiro a morte e depois tratar do sofrimento. É começar a casa pelo telhado. Vamos continuar a lutar veementemente contra isto. Não aceito viver num país que tenha eutanásia sem ter cuidados paliativos. A eutanásia é uma discussão que devia surgir depois dos cuidados paliativos e nunca antes», disse ao SOL.

André Ventura vai mais longe e sugere que a morte medicamente assistida pode ser aproveitada para outros fins: «Corremos o risco de, em breve, estarmos a falar da eutanásia quase como a solução para os problemas económicos do país em termos de sustentabilidade da Segurança Social. Isso não pode acontecer. A vida e o sofrimento não podem ter mensuração económica», acrescenta.

O PCP também deverá votar contra as propostas, tal como fez na votação anterior, em 2018. «A ideia de que a dignidade da vida se assegura com a consagração legal do direito à morte antecipada merece rejeição da parte do PCP», lê-se na posição política publicada pelos comunistas naquela altura. O SOL tentou obter uma reação do PCP sobre este assunto, mas o partido preferiu não tecer comentários.

O Livre ainda não assumiu uma posição sobre este assunto, mas, na nota publicada no seu site aquando da última votação, o partido da papoila considera que «a capacidade de decidir em consciência e liberdade sobre a própria vida é um direito fundamental e intransmissível, que o Estado tem o dever de respeitar particularmente, tratando-se de uma escolha individual pelo fim do sofrimento pessoal (…) O Livre considera assim que a eutanásia deverá ser legislada, para que determine a livre opção do indivíduo, respeitando os direitos e a liberdade de consciência de terceiros, nomeadamente dos seus familiares e dos profissionais de saúde», refere a mesma nota.

O bastonário dos Médicos questionou numa entrevista recente ao SOL que a eutanásia tenha de ser encarada como ato médico, rejeitando essa definição. Miguel Guimarães adiantou que a Ordem vai promover audições dos médicos sobre o tema. O antigo bastonário António Gentil Martins (ver aqui) é taxativo: «Em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto é legítimo a sociedade procurar induzir os Médicos a violar o seu Código Deontológico», defende.