Viver para Contar: Trump e Bolsonaro

Os correspondentes das televisões portuguesas no Brasil ou nos EUA perderam toda a isenção jornalística: parecem deputados da oposição a falar no parlamento

Tenho uma característica que, como todas, tem duas faces: não há nada que seja 100% bom ou 100% mau. Só Deus e o Diabo…

Quando vejo uma pessoa no chão, o meu impulso é ajudá-la a levantar-se, não é dar-lhe mais um pontapé; quando vejo toda a gente a dizer mal de alguém, o meu impulso não é juntar-me ao coro – é parar e julgar pela minha cabeça.
Vem isto a propósito de Trump e Bolsonaro. Não há dia nenhum em que os jornais e as televisões não dediquem largo espaço às notícias sobre o Brasil e os EUA. Não para informar simplesmente mas para arrasar. Os correspondentes nesses países – como Luís Costa Ribas, da SIC – deixaram de ser jornalistas para ser propagandistas. As suas intervenções são parciais e orientadas: parecem deputados da oposição a falar no parlamento. 

Se estivessem a falar da Coreia do Norte ou da Venezuela, onde os líderes são impostos, ainda se perceberia. Mas estão a falar de presidentes que foram eleitos e que podem ser apeados em próximas eleições. 

É claro que Trump e Bolsonaro não são simpáticos. É claro que são cabotinos, dizem imensos disparates. Mas têm uma virtude: não são politicamente corretos. Não vão atrás de uma certa ideologia totalitária, de um pensamento único que tomou conta do Ocidente. Falam uma linguagem diferente – e por isso são tão odiados pelos media.

Também neste caso do coronavírus um e outro quiseram assumir posições próprias e foram – e são – fustigados pelos jornalistas. Mas quererão eles o mal dos seus povos? Diz-se que não querem saber da saúde e só se importam com a economia. Mas se morrer percentualmente muito mais gente do que noutros países que seguiram caminhos diferentes eles não serão responsabilizados por isso? O mal da economia atingi-los-á mas os mortos não?
Não sejamos básicos.

Trump e Bolsonaro fizeram um raciocínio que é óbvio: se 98% da população saudável com menos de 70 anos não tem grandes problemas, faz algum sentido fechar o país e meter todos em casa? Se os grupos de risco são as pessoas em lares de idosos e os reformados, além de os portadores de doenças crónicas, por que razão mandar os saudáveis para casa e fechar negócios e indústria, provocando uma gigantesca crise?

Acresce que no Brasil fechar toda a gente em casa é impossível, pois há milhões a viver em favelas onde a promiscuidade é enorme. E há muita economia informal, de gente que vive do que ganha dia-a-dia. Fechar essa gente é cortar-lhe os meios de sobrevivência – o que acarretará, a curto prazo, fome e uma subida vertiginosa da criminalidade. Se a criminalidade no Brasil já é o que é, imagine-se o que será se a economia informal parar.

No Brasil, ficar em casa só é possível para a burguesia, para a classe média. «Ficar em casa no Brasil é chique», como dizia alguém recentemente.

E nos EUA, não havendo tanta pobreza – embora haja muitos pobres –, há também muita gente sem ordenado garantido. Sendo uma sociedade ultraliberal, onde o trabalho é muito volátil, sem a cultura dos empregos certos, fechar o país é condenar milhões à miséria. Não é possível.

Portanto, as posições de Trump e Bolsonaro têm lógica.

Eles perdem-se é por serem desbocados e nada políticos. É evidente que, quando Trump pergunta a uma médica sentada perto de si, a sério ou a brincar, se uma injeção de um desinfetante não pode matar o vírus, está a dar-se à chicana. A entregar-se ao ridículo. Mas a pergunta, na sua inocência, faz algum sentido: se um desinfetante para as mãos mata instantaneamente o vírus, não será possível encontrar um produto que tenha o mesmo efeito dentro do organismo?

Repito: Trump e Bolsonaro são cabotinos, desbocados, têm uma comunicação errática, parecem estúpidos com frequência. Mas eu desconfio sempre da estupidez dos que chegam a altos cargos. Não é um burro qualquer que chega a Papa. Há tanta gente na Igreja a desejar sê-lo, que são precisas muitas qualidades para lá chegar. E o mesmo se pode dizer da presidência dos EUA ou do Brasil: há tanta gente que gostaria de estar no lugar de Trump e Bolsonaro, que para lá terem chegado não podem ser tontos.

Às vezes parecem. Mas lá terão outras qualidades que os guindaram aos cargos. Parvos são os que olham para eles achando-se mais inteligentes ou mais importantes.