O que correu mal em Lisboa?

Presidente da Câmara de Lisboa criticou autoridades e recebeu resposta da oposição: “Medina pede demissão de Medina”, ironizou PSD/Lisboa.

As medidas apertam hoje em 19 freguesias da região de Lisboa e Vale do Tejo e a assunção de responsabilidades sobre o que se está a passar promete continuar a fazer correr tinta. Na semana passada, no final do Conselho de Ministros, o primeiro-ministro admitiu que uma das explicações para o maior contágio na região de Lisboa poderá ter sido uma deficiente ação da saúde pública, tendo sublinhado também que essa foi uma pergunta que o Governo fez aos peritos. Esta segunda-feira, no comentário habitual na TVI24, Fernando Medina foi duro nas críticas. “Com maus chefes e pouco exército, nós não conseguimos ganhar esta guerra”, disse o presidente da Câmara Municipal de Lisboa. “Não é nenhum problema de alta tecnologia, é um problema da qualidade das chefias no terreno e de quantidade de exército disponível (…) Ou as chefias em matéria de saúde em Lisboa conseguem, em muito poucos dias, pôr ordem na casa e dar sinais claros de que têm a situação sob controlo, ou essas chefias todas têm de ser reavaliadas”, defendeu.

No fim de semana, Rui Rio, questionado sobre a situação epidemiológica em Lisboa, já tinha criticado abertamente a Direção-Geral da Saúde. “Na parte técnica, a Direção-Geral da Saúde não tem estado à altura do problema, parece-me evidente. Não vou fazer aqui uma retrospetiva, mas foram ditas determinadas coisas e, passado algum tempo, foi dito o seu contrário e, depois, baralhado.”

Ontem, após as declarações de Fernando Medina, a resposta do PSD/Lisboa foi, no entanto, outra: “O presidente da Câmara de Lisboa, em declarações proferidas na segunda-feira no seu espaço de comentário na TVI24, considerou que o aumento de casos de covid-19 na região de Lisboa é da responsabilidade das autoridades de saúde (…) Parece que Medina acabou de pedir a demissão de… Medina (e nós concordamos). Fernando Medina culpa as chefias da região de Lisboa pela situação atual da gestão da pandemia, e com razão”, disse em comunicado Luís Newton, presidente da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa, invocando sete pontos, entre os quais não ter sido preparada a Carris para o período de distanciamento social e não ter sido feita uma distribuição de máscaras à população. “Medina não faz isto num súbito acesso de consciência para proteger as suas populações… faz isto na sequência da desavença do Primeiro-Ministro com os técnicos de saúde na última reunião do Infarmed”, considera Newton. Recorde-se que a última reunião foi tensa, com o primeiro-ministro a exaltar-se com a falta de respostas de peritos e com a ministra da Saúde, como o SOL noticiou. Se, na altura, Marta Temido transmitiu uma mensagem de tranquilidade apesar do “puxão de orelhas” do primeiro-ministro, ontem, respondendo às críticas a Fernando Medina, reconheceu, numa curta declaração à SIC, que “as próprias equipas começam a ficar cansadas” perante uma situação persistente em Lisboa. Já Rui Rio atribuiu as declarações de Medina a recados dentro do PS. “O dr. Fernando Medina veio dizer, por palavras um pouco mais violentas do que as minhas, aquilo que eu já disse. Objetivamente, o combate à pandemia está a correr mal em Lisboa e Vale do Tejo (…). São guerras da Câmara de Lisboa com o Governo ou guerras com o PS, e recados uns para os outros, e isso não comento”.

 

O que correu mal?

Até à última semana, as críticas à atuação das autoridades de saúde em Lisboa tinham partido sobretudo dos médicos, que alertaram para a falta de capacidade das equipas de saúde pública para dar vazão ao rastreio de contactos e inquéritos epidemiológicos, e para a desvalorização do aumento de casos. “A necessidade de manutenção do estado de calamidade em 19 freguesias de Lisboa é consequência da situação para a qual o SIM tem vindo a alertar há semanas, com destaque para a displicência e incompetência da Autoridade de Saúde Regional de LVT”, insistiu na semana passada o Sindicato Independente dos Médicos, que antes já tinha criticado a atuação do delegado regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Mário Durval. Também houve, no entanto, críticas a contradições nas mensagens e decisões do Governo, como a autorização de manifestações ou a reabertura de centros comerciais na região de Lisboa quando os dados epidemiológicos não mostravam sinais de melhoria.

Recorde-se que no início do mês, dado o agravamento do aumento dos casos na Área Metropolitana de Lisboa, o Governo reuniu-se pela primeira vez com os autarcas dos concelhos com mais novos casos – Sintra, Amadora, Odivelas, Loures e Lisboa. Seria depois criado um gabinete regional de supressão da covid-19. Os autarcas têm dado nota do trabalho que está a ser feito e das dificuldades. Bernardino Soares alertou para a necessidade de criar condições para que as pessoas possam cumprir o confinamento. Já a Câmara Municipal de Sintra assumiu os rastreios perante alguns novos casos, nomeadamente em escolas. E ontem anunciou um financiamento extra de 225 mil euros para os bombeiros. “Não vamos esperar por ninguém para fazer testes ou apoiar financeiramente as mulheres e os homens que todos os dias estão no terreno nesta luta”, escreveu Basílio Horta nas redes sociais.

Os gráficos do Instituto Ricardo Jorge sobre a evolução do índice de contágio mostram que o RT na região de Lisboa aumentou em meados de abril e manteve-se acima de 1 entre 29 de abril e 6 de junho, em contraciclo com as restantes regiões do país. O RT em Lisboa chegou a ser de 1,14, revelam os relatórios que o INSA passou a disponibilizar há três semanas. Ontem, questionado sobre a posição de Medina, o Presidente da República não quis pronunciar-se. “Entendo que a função do Presidente da República é a de contribuir para que os esforços sejam agregados”. Sem respostas fechadas, certo é que a preocupação com a situação na Grande Lisboa se generalizou nas últimas semanas. No final da penúltima reunião técnica no Infarmed, a 8 de junho, Marcelo transmitira uma mensagem menos preocupada do que a que na semana passada levou o Governo a apertar medidas em 19 freguesias. “Há uma perceção, quer dizer, uma compreensão pela opinião pública de um agravamento na região de Lisboa e Vale do Tejo que é superior ao agravamento efetivo”, disse, na altura, o Presidente.