“Gosto de saber que as pessoas de esquerda já reconhecem o valor de António Ferro”

A  descoberta do manuscrito inacabado do terceiro volume de Portugal, Razão e Mistério levou à republicação deste clássico da História de Portugal. Mafalda Ferro, filha do autor, fala-nos do seu pai, António Quadros, e do seu avô, António Ferro, ministro da Cultura de Salazar.

“Gosto de saber que as pessoas de esquerda já reconhecem o valor de António Ferro”

Numa entrevista concedida dez dias antes da sua morte, o historiador e filósofo António Quadros revelava à jornalista Maria Antónia de Sousa, do DN, que a redação do terceiro volume de Portugal, Razão e Mistério se encontrava ainda muito atrasada. Esta obra fundamental sobre os mitos fundadores, a História do país e o destino da nação, debruçando-se sobre aspetos como a cultura megalítica, o papel dos Templários, o Sebastianismo e o Quinto Império, ficaria pois para sempre incompleta.

Ainda assim, Mafalda Ferro, filha do autor, acabaria por encontrar no espólio do seu pai as páginas do manuscrito original, que agora veem a luz do dia num volume que lhes junta os dois anteriormente publicados (e esgotados) e textos complementares de estudiosos desta obra, como Pedro Martins, Joaquim Domingues e Pinharanda Gomes. A publicação de Portugal, Razão e Mistério: a Trilogia (ed. Alma dos Livros) levou-nos à Biblioteca Municipal Laureano Santos, em Rio Maior, onde se encontra instalada a Fundação António Quadros, para uma conversa com a filha do autor.

Isto que vemos aqui à nossa volta era a biblioteca do seu pai?

É parte da biblioteca do meu pai e parte da dos meus avós. E depois há pessoas que vão doando os seus espólios à fundação. Doam não só documentos como também livros. Se tivéssemos um espaço grande, eu aceitaria tudo, mas como é limitado tenho de fazer opções. O período que abrangemos começa com o nascimento do António Ferro em 1895 e vai até à morte da Fernanda de Castro [escritora e mulher de António Ferro] em 1994.

Pode falar-me um pouco da história da fundação?

Quando a Fernanda de Castro morre, em 1994, ainda é detentora do espólio do marido. Nessa altura existe uma biblioteca, existe um arquivo histórico muito importante, e há dois grupos de herdeiros: os filhos do António Quadros, nos quais eu estou englobada, e o segundo filho do casal, Fernando de Castro Ferro, meu tio. A minha avó esteve 12 anos numa cama e estava tudo fechado. Eram os armários da avó e não se mexia. Em relação à biblioteca dos meus avós, os herdeiros decidiram que se ia dividir. Foi uma pena mas ninguém tinha condições para ficar com tudo, portanto o que está aqui de António Ferro e de Fernanda de Castro foi a parte que me tocou e que depois eu doei à fundação.

A sua parte corresponderia a que parcela?

A um sexto. Depois houve muitas obras que o meu tio vendeu e como eu tinha muito contacto com livreiros e alfarrabistas, quando aparecia alguma coisa eles ligavam-me e eu ia a correr. Foi uma pena, era mais fácil eu ter comprado diretamente a ele, mas ele não queria que se soubesse [que estava a vender]. Em relação ao acervo documental, pedi para me deixarem levar tudo para minha casa para entender o que lá estava. E durante três anos praticamente desmontei a minha casa, para mal dos pecados dos meus filhos. Era documentos por toda a parte. Fiz uma espécie de inventário à mão, porque não sabia mexer no computador, e apresentei aos meus irmãos uma proposta de doação do arquivo à fundação. A coleção de arte foi dividida também – o que está aqui é a minha parte. O arquivo histórico veio inteirinho.

E o que lá estava?

Havia correspondência de todas as pessoas que tinham privado e que tinham relações de amizade com o António Ferro e com a Fernanda de Castro. Tinha um acervo fotográfico fantástico, recortes de imprensa, manuscritos, alguns deles inéditos, não só da Fernanda de Castro e do António Ferro mas também de outros escritores. As obras da biblioteca deles quase todas tinham dedicatórias dos autores, estamos a falar do Almada Negreiros, do António Botto, do Mário de Andrade…

E as coisas do seu pai, António Quadros?

O meu pai morreu em 93 e ficou tudo com a minha mãe. Eu dizia: ‘Ó mãe, porque é que não me deixa fazer o mesmo que eu fiz com os avós? Cada vez que vão as empregadas vem tudo para fora dos armários, as coisas vão-se estragando’. Mas fazia-lhe confusão. ‘Isto é um bocadinho do teu pai que está aqui, não se mexe’.

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