“Balsemão tem um problema pessoal com Camarate”

Alexandre Patrício Gouveia não tem dúvidas de que Camarate foi um atentado e faz duras críticas à atuação da Justiça. ‘Foi um escândalo’, diz o primo de Francisco Balsemão.

“Balsemão tem um problema pessoal com Camarate”

Alexandre Patrício Gouveia, irmão de António Patrício Gouveia (vítima mortal de Camarate, com o também ministro Amaro da Costa e o primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro), investigou durante quatro anos o caso e defende a tese de que aos autores do atentado foram  cinco elementos ligados à administração Reagan devido aos obstáculos criados pelo Governo português ao comércio ilegal de armas. Os Mandantes do Atentado de Camarate – O Envolvimento Americano, livro da autoria de Patrício Gouveia, relata com detalhes a estratégia do Partido Republicano na venda clandestina de armas ao Irão e a forma como o caso Camarate foi acompanhado em Portugal pelo poder político e pela Justiça. Nesta entrevista, realizada em casa de Alexandre Patrício Gouveia durante esta semana, o antigo adjunto para os Assuntos Económicos no gabinete do primeiro ministro Francisco Pinto Balsemão não poupa críticas ao militante número 1 do PSD, seu primo, e considera um «escândalo» não ter havido julgamento.

Não tem nenhuma dúvida que de houve um atentado em Camarate?

Esse problema ficou resolvido com as comissões parlamentares de inquérito. As três primeiras comissões de inquérito diziam que era preciso haver mais informação, mas a quarta assumiu isso e assumiu até à décima comissão. O facto de todos os partidos políticos terem votado nas comissões de inquérito, desde 1994 até hoje, que Camarate foi um atentado mostra que a ordem para fazer este atentado com toda a probabilidade não partiu de Portugal. Se tivesse partido de Portugal, haveria um destes partidos que ficaria numa situação em que não poderia dizer que estamos perante um atentado. O facto de todos terem concluído que foi um atentado é um sinal de que o crime não tem origem em Portugal. Isso é uma dedução minha.

Mas só mais tarde é que surgiu a tese de atentado…

O que aconteceu foi que, poucos dias depois, o Governo passou a dizer que tinha sido um acidente. Quanto a mim, de uma forma precipitada e errada. É uma coisa inexplicável, até hoje. Há um episódio que é relatado pelo Inácio Costa [chefe da segurança do primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro], que ainda está vivo, em que ele conta que viu o avião a levantar voo e reparou que lá mais à frente ele ficou envolto numa bola de fogo. Isso é um sinal claro de uma bomba a explodir. Ele ficou obviamente muito perturbado com isso e relatou esta situação ao engenheiro  [José] Viana Batista, que era ministro dos Transportes. O Viana Baptista disse-lhe que ele seria ouvido pela Polícia Judiciária para prestar essas declarações. E depois chegou também ao aeroporto o Francisco Pinto Balsemão, que vinha do Porto [num avião particular], e pediu ao Viana Baptista para lhe dar uma boleia para a sede do partido [PSD] para lhe contar o que se tinha passado. Foram os dois sozinhos no carro. 

E contou-lhe aquilo que tinha visto?

É impensável que o Viana Baptista não tenha relatado esta informação. Mais relevante do que isto é impossível, E, portanto, podemos dizer que no dia 4 de dezembro de 1980 já havia dois membros do Governo que tinham conhecimento deste relato que apontava para um atentado. E, no entanto, por razões que não consigo explicar, Francisco Pinto Balsemão defendeu que tudo apontava para um acidente. Fez publicar uma nota oficiosa, no dia 12 de dezembro, a dizer que tudo apontava para um acidente. É uma coisa precipitada. Como é que oito dias depois já se pode dizer se foi acidente ou atentado? Não é uma coisa séria. Para ser uma coisa séria precisava de quatro ou cinco meses para investigar. E há outra agravante. Freitas do Amaral, que era ministro dos Negócios Estrangeiros, recebeu um telegrama do embaixador português em Londres [Freitas Cruz] a dizer: ‘Fui contactado por três elementos da Scotland Yard para me comunicar que prenderam um senhor chamado Lee Rodrigues, no dia 5 de dezembro, no dia a seguir ao atentado, e esse senhor é especialista em explosivos e dedica-se ao tráfico de armas. E sabemos que foi visto a passear no aeroporto da Portela, no dia 4 de dezembro’.
 

Essa informação não foi tida como relevante…

Freitas do Amaral pediu para entregar o telegrama ao diretor da Polícia Judiciária e esse telegrama foi ignorado. Transmitiu essa informação ao primeiro-ministro e ele continuou a ignorar isso.  Defendeu sempre que Camarate era um acidente e transmitiu essa informação, não só dentro do Governo, como para a Polícia Judiciária e para o Ministério Público. Isso não deixou de influenciar a forma como as investigações foram feitas. 

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