Economistas dão cartão vermelho ao PNI

Para João César das Neves trata-se de um ‘um documento pró-forma, só para entregar em Bruxelas, sem qualquer interesse prático’. Também Mira Amaral considera que ‘os milhões que custam a mais não compensam o que ganhamos’ em relação à ligação Lisboa/Porto.

O Governo já apresentou o Programa Nacional de Investimentos (PNI) 2030, um programa arrasado pelos economistas ouvidos pelo SOL. João César das Neves admite que nem sequer estudou o plano porque considerou «tratar-se de um documento pró-forma, só para entregar em Bruxelas, sem qualquer interesse prático».

E vai mais longe: «Se fosse a sério não teriam pedido a uma pessoa, mas teriam usado os recursos dos Ministérios, que são quem realmente sabe dos assuntos. Por isso esse programa, que certamente é competente e não tem coisas erradas, será irrelevante para determinar aquilo que se fará com o dinheiro, quando chegar nos próximos anos. Nessa altura quem estiver no Governo decide o que quiser», diz ao SOL.

Também Mira Amaral dá cartão vermelho ao programa do Governo. «Pelo que percebi, a concretização desses projetos será a longo prazo. Será para o próximo século e esquece-se de ligações fundamentais», refere ao SOL. No entender do economista há linhas que são consideradas prioritárias e que foram esquecidas pelo Governo. E dá como exemplo a ligação Vilar Formoso/ Samanca e Sines/ Lisboa/Caia e Badajoz. «Essas ligações não pensam nelas. Isto não faz sentido porque para Lisboa/Porto não preciso de alta velocidade, preciso de uma linha decente que permita fazer em 2h o caminho. Os milhões que custam a mais não compensam o que ganhamos. Mais uma vez, o Governo esquece-se da competitividade portuguesa e isso é visível pelas ligações que apresentou», diz ao SOL.

No entender do economista, «deveria ter sido dado prioridade à bitola europeia de Aveiro/Vilaformoso/Salamanca e a sul Sines/Lisboa/Caia/Badajoz para aumentar a competitividade dos portos e das empresas portuguesas, mas isso é esquecido porque o Governo foi atrás das recomendações de Costa Silva».

Em relação à projeto de alta velocidade entre Lisboa/Porto, Mira Amaral não tem dúvidas: «Precisamos de uma linha decente que faça em 2 horas essa viagem, para mim já chegava. O curioso é que o Alfa faz 200 km por hora, mas há troços da linha que anda muito devagar e é por causa da linha e não por causa do material circulante».

Para Mira Amaral não há novidades nenhumas nesses projetos, uma vez que entende, que no Orçamento do Estado para o próximo ano «é esquecida a dimensão da competitividade empresarial e, por isso, é que não há preocupação em ter as linhas que são necessárias. Este Governo não se preocupa com a competitividade empresarial», conclui.

Apesar das críticas, o Executivo liderado por António Costa explica que este programa é um «instrumento fundamental no planeamento da aplicação dos próximos dois quadros de fundos europeus, definindo um conjunto de investimentos em equipamentos e Infraestruturas nas áreas de Transportes, Ambiente, Energia e Regadio para a década de 2021 a 2030», baseado em três desígnios estratégicos: coesão, competitividade e inovação e sustentabilidade.

Assim, o PNI inclui um conjunto de 85 programas e projetos diferentes num valor total de 43 mil milhões de euros. Para os transportes e mobilidade estão destinados 21600 milhões de euros de investimentos, sendo a ferrovia a área com maior volume. O ambiente conta com 7400 milhões de euros, a energia 13000 milhões de euros e o regadio 750 milhões de euros.

Setor ‘musculado’

Na apresentação deste plano, o primeiro-ministro disse que o país precisa de um setor nacional de construção «musculado». «Que ninguém tenha ilusões, nenhum país produz bens e serviços de alto valor acrescentado e transacionáveis no mercado global se não for dotado de boas infraestruturas. Que ninguém tenha as ilusões de que nós vamos desenvolver-nos só com mais e melhor produção agroalimentar, ou que vamos ter só mais e melhor indústria», avançou António Costa.

A ferrovia é uma das áreas com mais destaque neste PNI, uma vez que nos próximos dez anos, o Estado vai investir mais de dez mil milhões de euros (dos 21.660 milhões destinados aos transportes) em 16 projetos ferroviários de Norte a Sul do país.

O objetivo destes projetos, segundo o programa, é «melhorar as condições de segurança e de circulação, reduzir os custos operacionais, cumprir o quadro legal em vigor relativamente à exposição da população a níveis elevados de ruído e robustecer a rede ferroviária face às incertezas geradas pelas alterações climáticas».

A nova Linha Porto – Lisboa (4.500 milhões de euros), programa de aumento de capacidade na rede ferroviária das áreas metropolitanas (290 milhões de euros), programa de segurança ferroviária, renovação e reabilitação, redução de ruído e adaptação às alterações climáticas (450 milhões de euros), programa de sinalização e implementação do ERTMS/ETCS + GSM-R (270 milhões de euros), programa de Eletrificação e Reforço da Rede Ferroviária Nacional (740 milhões de euros), programa de telemática, estações e segurança da operação (165 milhões de euros), programa de melhoria de terminais multimodais (200 milhões de euros), modernização das ligações ferroviárias a Beja e a Faro (230 milhões de euros), modernização da Linha do Vouga (100 milhões de euros), ligação da Linha de Cascais à Linha de Cintura (200 milhões de euros), a primeira fase da nova linha Porto – Valença – Vigo (900 milhões de euros), corredor Internacional Sul (150 milhões de euros), segunda fase do corredor Internacional Norte (600 milhões de euros) são os projetos a realizar nos próximos dez anos na ferrovia nacional aos quais se junta a compra de novos comboios urbanos (680 milhões de euros), novos comboios de longo curso (685 milhões de euros) e regionais (385 milhões de euros).

Para o ministro das Infraestruturas não há dúvidas de que «o tempo das autoestradas terminou» com todo este investimento na ferrovia nacional. Pedro Nuno Santos defende que «a ferrovia é hoje uma prioridade europeia, mas em Portugal não temos o melhor histórico». «Durante décadas achou-se que a ferrovia era passado. Mas o que torna mais estranha esta falta de aposta nacional são as mais-valias que a ferrovia pode dar», disse ainda o governante que não tem dúvidas que «a substituição do automóvel permitirá ao país ficar menos dependente das importações. A ferrovia dá um contributo muito considerável». Para já, as prioridades nesta área passam pelas ligações Porto-Lisboa e Porto-Vigo.

Investimentos para energia mais que triplicam

O documento não esquece o setor da energia para o qual estão alocadas verbas no valor de 13.060 milhões de euros – na versão anterior do plano o valor era de ‘apenas’ 4.930 milhões. «Para a transição energética vai o maior valor, metade de todo o investimento afeto ao Ministério do Ambiente e Ação Climática, que ascende a 26 mil milhões de euros. O sistema eletroprodutor é aquele que tem as metas mais ambiciosas. Para sermos neutros em emissões carbónicas em 2050 temos que ter emissões zero na energia e transportes», explicou o ministro do Ambiente, Matos Fernandes. O governante diz ainda que, neste setor, «o investimento público representa muito pouco, menos de 10%, e a larga maioria são investimentos das empresas».

Dos 13 mil milhões, 724 milhões serão provenientes de investimento público e 12.336 milhões de euros, investimento privado. A promoção da produção de gases renováveis e combustíveis renováveis bem como o projeto Industrial de produção de hidrogénio verde em Sines são alguns dos projetos.

Regadio com 750 milhões

Já para o regadio, o PNI prevê 750 milhões de euros com o principal objetivo de aumentar a área regada e revitalizar as infraestruturas existentes. A garantia foi dada pela ministra da Agricultura, que precisou que, do montante global, 400 milhões de euros são destinados ao aumento da área regada e 350 milhões de euros à revitalização do regadio existente.