Biblioteca Pessoal: No rochedo mais alto de uma minúscula ilha

Os faróis são símbolos da solidão mais absoluta, mas também de solidariedade e entreajuda, uma luz amiga a brilhar na escuridão da noite.

Para aqueles que são mais avessos ao progresso e encaram com suspeição o mundo contemporâneo, uma visita a uma livraria pode ser um bom antídoto contra o desânimo. E quando digo uma livraria, pode ser uma qualquer: tradicional ou online, num centro comercial ou de bairro. Arriscaria até dizer um hipermercado.

Olhando para os escaparates, facilmente percebemos que todos os dias são publicados excelentes títulos nas mais diversas áreas. Estejamos nós interessados no funcionamento do cérebro ou na composição do universo, queiramos saber mais sobre a Roma Antiga ou a Revolução Francesa, sejamos fãs de Gandhi ou de Napoleão, gostemos de dinossauros, de comboios, de flores ou de cozinha, encontramos sempre algo com que satisfazer o apetite.

Mas não é só na biografia, na história e nas ciências que o universo do conhecimento se encontra em expansão. Constato que há outra área onde se publica atualmente com uma qualidade excecional: o livro infantil.

Tenho ao meu lado Olá, Farol!, de Sophie Blackall (ed. Fábula). A primeira coisa que chama a atenção é o formato esguio, adequado ao tema que trata. O início da história lê-se quase como se fosse um poema: «No rochedo mais alto de uma minúscula ilha / nos confins do mundo, ergue-se um farol. / Foi construído para durar para sempre, / alumiando o mar com a sua luz, guiando os navios que passam».

O que torna estas estruturas tão românticas e fascinantes aos nossos olhos? Em primeiro lugar, diria, serem símbolos da solidão mais absoluta – isolados em lugares muitas vezes inóspitos, fustigados pelos elementos. Uma condição inerente, claro está, ao próprio faroleiro.

Em segundo lugar, serem símbolos de solidariedade e entreajuda, uma luz amiga e protetora a brilhar na escuridão da noite.

Por último, falam-nos de uma época desaparecida, de dificuldades e sacrifícios, mas também de heroísmo e de conquistas. Resistiram às adversidades, à solidão, às ventanias, ao impacto das ondas – só não resistiram ao progresso.

Os belos desenhos da autora mostram o interior singular da construção, os afazeres quotidianos do faroleiro, o farol a ser castigado pelas tempestades. No final, há um textinho, sem ilustração, que nos informa sobre esse modo de vida desaparecido. Transcrevo algumas linhas:

«Os faroleiros tinham de acordar várias vezes durante a noite para dar corda ao mecanismo de relojoaria que fazia rodar as lentes de reflexão. Também aparavam o pavio e enchiam o candeeiro com petróleo, que traziam do depósito, na cave, pelas escadas de caracol acima, dentro de um pesado balde. Todas as manhãs limpavam as lentes cheias de fuligem, para que a luz brilhasse mais intensamente. Nos dias de sol, tinham de fechar as cortinas da lanterna, senão arriscavam-se a que as lentes incendiassem o combustível. As janelas circulares tinham de estar sempre um brinco. No inverno, isso implicava tirar o gelo que se formava nos vidros, uma tarefa bastante perigosa».

Sou franco: uma das coisas que me levaram a decidir oferecer Olá, Farol! pelo Natal aos meus filhos foi um pequeno selo, na capa, que anuncia: ‘Livro Vencedor – Caldecott Medal’. Não faço ideia de que medalha é essa, mas a atribuição parece-me inteiramente justa!