Bancos lucram mais de 3 milhões por dia

Provisões para fazer face à pandemia ditaram quebra dos resultados dos quatro maiores bancos que, ainda assim, juntos apresentam lucros superiores a mil milhões em 2020.

Num ano de pandemia, os quatro maiores bancos a operarem no mercado nacional conseguiram lucrar mais de três milhões por dia em 2020 – ainda assim, longe dos quase 5,3 milhões obtidos no ano anterior. Juntos, BCP, BPI, Caixa Geral de Depósitos e Santander Totta lucraram 1117,8 milhões no ano passado, bem longe dos 1,9 mil milhões registados em 2019 ou dos 1,8 mil milhões obtidos em 2018, interrompendo assim esta trajetória de crescimento. Feitas as contas, as provisões registadas pelos bancos para fazerem face a eventuais perdas futuras, nomeadamente as relacionadas com créditos de clientes, levaram as quatro maiores instituições financeiras a ‘perder’ quase 800 milhões de euros no espaço de 12 meses.

A redução de balcões e do número de trabalhadores (ver texto ao lado) continua a marcar a estratégia do sistema financeiro, a par da pressão para o aumento de comissões. Este ano, a novidade diz apenas respeito à concessão de moratórias. O BPI contava com 108,6 mil contratos, no valor de 6127 milhões de euros. A Caixa tinha 77 mil créditos em moratória no final de janeiro, o que representa, ainda assim, uma redução superior a 111 mil face a julho passado. Também o BCP contabiliza menos 600 milhões de euros em moratórias; no final do passado contava com 8568 milhões. 

Os banqueiros já levantam algumas dúvidas em relação ao prolongamento das moratórias. Paulo Macedo entende que «não faz sentido aumentar ainda mais o tempo das moratórias, exceto para as empresas que não gerem cash flow». E, no caso de se manterem, deverão estar dependentes da legislação europeia, de maneira que a medida não penalize a banca.

Também o CEO do BCP garante que «tudo fará para continuar a dar esse apoio e prolongar até onde puder prolongar e como puder prolongar, naturalmente, desde que haja enquadramento regulatório para tal». Mas deixa um alerta: «O importante é dar tempo a quem precisa de tempo e que é economicamente viável, e não arrastar situações que não são economicamente viáveis. Portanto, o melhor é tratar as coisas com frontalidade, já, e não deixar passar o tempo».

Caixa lidera pódio
O campeão dos resultados foi, mais uma vez, a CGD, ao apresentar um lucro de 492 milhões de euros no ano passado. Este valor representa uma queda de 36,5% face ao ano anterior, mas o banco público lembra que esta redução se deveu aos efeitos da pandemia, que o obrigou a constituir imparidades de 300 milhões de euros.

A margem financeira da Caixa recuou 9,4% para mil milhões de euros em 2020, contribuindo para uma quebra homóloga de 13% do produto bancário, que se fixou em 1,6 mil milhões de euros. Já os custos de estrutura recuaram 12% para 835 milhões. Por sua vez, as comissões subiram 0,1%.

O ano de 2020 fica também marcado pelo fim do mandato da atual administração. Rui Vilar já garantiu que não está disponível para renovar e as dúvidas persistem em relação ao CEO. Paulo Macedo continua interessado em liderar o banco público mas, tal como o nosso jornal já avançou, o Ministério das Finanças remete uma decisão para a próxima assembleia-geral do banco, agendada para maio, garantindo apenas que irá propor «aos supervisores uma equipa muito competente e profissional que permita consolidar a CGD como o pilar do sistema bancário nacional».

Santander não ‘salva’ grupo
No segundo lugar do ranking em termos de resultados surge o Santander Totta ao apresentar lucros de 338 milhões de euros em 2020, uma queda de 36% em relação ao ano anterior, devido ao impacto da crise provocada pela pandemia nas receitas e provisões, o que foi apenas «parcialmente compensado» por custos mais baixos. Ainda assim, tal não foi suficiente para impedir os prejuízos do grupo, ao apresentar perdas históricas de 8771 milhões de euros.

As receitas totais do banco português diminuíram 6%, devido ao impacto da pandemia na margem (taxas de juro mais baixas) e comissões (volumes mais baixos e a suspensão de comissões sobre pagamentos eletrónicos e sobre os créditos de moratórias). As despesas de funcionamento diminuíram 5% face ao processo de transformação em curso.

Outras quedas
Os lucros do Banco BPI recuaram 68% no ano passado, descendo dos 327,9 milhões de euros, em 2019, para 104,8 milhões de euros, em 2020. A pandemia penalizou os resultados, mas também houve custos com reformas antecipadas e rescisões voluntárias a contar para estes números.

João Pedro Oliveira e Costa disse que a «grande parte» dos resultados é explicada pelas imparidades e também pela descida acentuada dos contributos do BFA de Angola e do BCI de Moçambique. Ainda assim, destacou «o forte dinamismo na atividade comercial bancária, num contexto adverso e de dimensão inédita». Os depósitos de clientes registaram uma subida de 13%, o que representa um crescimento de 2994 milhões de euros em 2020. O banco explica que estes ultrapassam os 26 mil milhões de euros, representam 70% do ativo e constituem a principal fonte de financiamento do balanço.

O produto bancário recuou 1,3% para 698,3 milhões de euros, prejudicado pelo deslize das comissões recebidas dos clientes e pelos resultados da participada Cosec, que ofuscou a melhoria da margem financeira. Também o BCP registou lucros de 183 milhões de euros em 2020, o que representa uma diminuição de 39,4% face aos 302 milhões de 2019. No ano passado, a instituição financeira registou 841 milhões em imparidades e provisões. O banco liderado por Miguel Maya explica que este resultado foi «influenciado pelo contexto de pandemia de covid-19 e por provisões para riscos legais associados a créditos em francos suíços concedidos na Polónia». 

Para o banqueiro, não há dúvidas: «O ano de 2020 foi extremamente complexo, pleno de ambiguidades e incertezas». A margem financeira fixou-se em 1533,2 milhões de euros, «situando-se ligeiramente (cerca de 1%) aquém dos 1548,5 milhões de euros apurados no ano anterior» E referiu que esta evolução resultou do «aumento registado na atividade em Portugal, pese embora o mesmo tenha sido totalmente absorvido pelo desempenho da atividade internacional, nomeadamente pelo contributo da operação em Moçambique». 

Já as comissões líquidas «mantiveram-se num patamar semelhante ao verificado no ano anterior, tanto na atividade em Portugal como na atividade internacional, ascendendo, em termos consolidados, a 702,7 milhões de euros em 2020». 

Contraciclo
Ainda não são conhecidos os resultados do Novo Banco mas, até setembro, a instituição agravou prejuízos para 853 milhões de euros, devido à pandemia, que obrigou a constituir provisões para incumprimento de clientes e riscos de crédito. Este valor representa uma queda de quase 50% face a igual período do ano passado.

Já anunciados foram os prejuízos do Banco Montepio, de 80,7 milhões de euros. A instituição financeira diz que estes resultados foram «influenciados pelo impacto desfavorável induzido pela pandemia de covid-19, materializado, principalmente, no reforço da imparidade para riscos de crédito (77,5 milhões de euros), bem como pelos custos não recorrentes relacionados com o plano de ajustamento em curso (35,1 milhões de euros)».

Dividendos
Continuam a existir dúvidas em relação à atribuição de dividendos. O BCP remete uma decisão para setembro, garantindo que «a prioridade é a proteção do balanço do banco», uma vez que Miguel Maya lembra que «continuamos a viver numa crise sanitária» cujo impacto ainda está por definir. 

Já o banco público vai propor, em assembleia-geral, o pagamento de 85 milhões de euros em dividendos ao acionista Estado. O chairman da instituição financeira afirmou que o banco estatal «está em condições de voltar» a distribuir dividendos. O certo é que, no ano passado, o banco não avançou com uma proposta para o pagamento de dividendos, seguindo a recomendação das autoridades europeias no contexto de pandemia. Em causa estavam 300 milhões de euros.

Uma recomendação do banco central continua na mesma linha. No final do ano passado, o BCE referiu que os bancos europeus devem ponderar não distribuir dividendos pelos seus acionistas, à semelhança do que foi já solicitado para 2020. No entanto, se o fizerem têm de adotar «extrema prudência» e fazê-lo em estreita articulação com os supervisores. Já se os bancos quiserem pagar prémios e bónus aos administradores devem adotar uma «moderação extrema».