Quando a troika deixou Portugal, o país estava no caminho certo. A lógica era aligeirar o Estado e fortalecer o setor privado.
A prova de que estávamos no bom caminho era termos conseguido, mais depressa do que quase todos esperavam, inverter a situação de recessão em que o país tinha caído.
Em pouco tempo, a tendência de queda fora anulada e o PIB recomeçara a crescer.
Mas veio o Governo da ‘geringonça’ e tudo mudou.
Muitas das decisões tomadas por Passos Coelho foram revertidas.
Porquê, se a receita tinha começado a dar bons resultados?
E se o ministro das Finanças, Mário Centeno, era um economista de formação liberal, para quem as reversões deveriam fazer pouco sentido?
Julgo que a explicação é ter sido esse o preço a pagar pelo acordo da ‘geringonça’.
Para assinar um acordo com os partidos de esquerda, o PCP e o BE, que permitisse viabilizar um Governo alternativo e afastar do poder Passos Coelho, o Partido Socialista teve de fazer concessões – e entre essas terá sido a reversão de muitas medidas tomadas no tempo da troika.
Acredito sinceramente que Mário Centeno discordasse de muitas delas.
A anulação, por exemplo, do corte de 5% dos salários dos funcionários públicos, que já vinha do tempo de Sócrates, não fazia grande sentido.
A medida fora perfeitamente assimilada e não estava a ser contestada por ninguém.
Quanto às 40 horas de trabalho semanal na Função Pública, às privatizações de transportes públicos urbanos ou à privatização da TAP, julgo que Centeno saberia que a reversão dessas decisões poderia ter graves consequências no futuro do país.
Como aconteceu, de resto.
Mas Centeno avalizou-as, mesmo assim.
Por motivos de oportunismo político, o ministro das Finanças aceitou agir com base em critérios que não tinham fundamento técnico.
E por isso falo no ‘crime de Centeno’.
Para ‘correr a direita do poder’ e alcandorar o PS ao Governo – tornando-se ele próprio ministro –, Centeno avalizou medidas das quais tecnicamente discordava.
E agora o Governo está com as batatas quentes nas mãos e o país está a sofrer com elas.
A redução das 40 para as 35 horas de trabalho na Função Pública – representando menos 22 horas mensais de trabalho por cada profissional – obrigou a novas despesas, designadamente no Serviço Nacional de Saúde, que já de si é um poço sem fundo.
E, quanto à TAP, estamos todos os dias a ver a asneirada que foi.
Mesmo que Bruxelas aceite o plano de reestruturação apresentado, a empresa não tem salvação.
Registando um défice crónico, a TAP não pode viver nos próximos anos sem injeções cíclicas de capital.
Ora, o maior acionista – o Estado – está impedido por Bruxelas de as fazer, o que condena virtualmente a companhia.
E há mais.
O Governo ‘renacionalizou’ a TAP para a pôr ‘ao serviço dos portugueses’, segundo critérios a definir pelo poder político.
Ora, a TAP, mesmo que tivesse condições para sobreviver, teria obrigatoriamente de ser gerida com base em critérios estritamente empresariais e não em critérios políticos.
Num dos setores mais competitivos que hoje existem – o do transporte aéreo, que a pandemia ainda por cima deixou de rastos e levará muito tempo a recuperar –, uma empresa não tem hipóteses de sobrevivência se não se cingir a critérios de gestão empresariais.
Se não estivesse condenada, a TAP viveria numa contradição insanável.
Todos estes problemas são consequência das reversões.
Se o crime de Sócrates foi derreter muitos milhões de dinheiros públicos em decisões megalómanas ou determinadas por interesses pessoais, o crime de Centeno foi avalizar medidas com grande impacto económico que ele sabia serem arriscadas mas a que deu o seu acordo para permitir a subida do Partido Socialista ao poder.
As consequências têm vindo a ver-se.
E vão continuar a fazer-se sentir.
Enquanto o PS depender dos votos dos partidos à sua esquerda para viabilizar os orçamentos, não sairemos da cepa torta.
Se, quando a troika saiu de cá, estávamos a entrar no bom caminho, hoje estamos outra vez num caminho completamente errado.
Mais cedo ou mais tarde será inevitável um novo resgate.