“Macau é um sítio especial”

José Maria Álvares está em Macau há 10 anos. Deixou Portugal quando tinha 22, através de um programa que permitia a jovens licenciados uma experiência no estrangeiro durante seis meses. Hoje diz que Macau é a sua casa

Em Macau o relógio marca 20h30 e José Maria Álvares espera pela conferência de imprensa que vai informar quais são as medidas decretadas depois de o território ter sido notificado pelas autoridades da cidade vizinha chinesa de Zhuhai de que dois residentes de Macau tinham testado positivo à covid-19 na última segunda-feira. O português já sabia, no entanto, que as medidas de prevenção iriam passar pelo teste massivo da população, bem como o fecho dos programas de férias nas escolas e os serviços públicos. «Os casos aqui são logo detetados e contidos. Agora surgiram estes dois novos casos e o governo já declarou uma espécie de estado de emergência imediato – vai haver um teste geral à população, que se faz muito, ou seja toda a cidade vai ser submetida a um teste de covid para se existirem novos casos serem isolados de imediato». Em março de 2020, Macau tornava-se já o grande exemplo no combate ao novo coronavírus. As medidas rigorosas e sem contemplações revelaram-se um sucesso, ainda por cima tratando-se de um território que apresenta fronteiras terrestres com a China e, consequentemente, uma maior proximidade geográfica com o epicentro do surto. Desde então que Macau tem vivido o seu dia-a-dia sem sobressaltos, registando pouco mais de seis dezenas de casos de covid desde o início da pandemia.

Apesar de ter estado impedido de viajar no último ano e meio, tendo vindo a Portugal pela última vez em fevereiro de 2020, José Maria Álvares confessa que a normalidade vivida em Macau facilitou a sua rotina durante este período.
É, de resto, um ano e meio dos dez que já conta na região autónoma na costa sul da China. 

Aterrou em Macau com 22 anos de idade, no arranque do ano de 2013, através do Programa INOV Contacto, promovido pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), que oferecia a jovens licenciados a possibilidade de viverem uma experiência no estrangeiro durante 6 meses. José Maria candidatou-se e conseguiu a vaga, sabendo apenas nesse momento qual seria o seu próximo destino.

«O programa consistia numa série de provas de recrutamento e oferecia um X número de vagas. Depois os próprios recrutadores fizeram a colocação do candidato consoante o local que acharam mais apropriado. Os candidatos não tinham escolha nenhuma». 

Foi desta forma que chegou a Macau, depois de se ter licenciado em Direito em Lisboa. «A minha vida profissional em Macau começou num escritório de advogados local, cuja sócia era portuguesa. Estive lá cerca de 5 anos», recorda. 

O advogado lembra ainda a importância da representativa comunidade portuguesa na sua integração na região.

«Dou-me muito com a comunidade portuguesa, que foi essencial para a minha integração e ligação com Macau. Permitiu-me criar esta afinidade com Macau. O facto de ser um território pequeno [cerca de 650 mil habitantes] também ajudou muito a criar o ambiente familiar», esclarece. 

José Maria confessa que sempre quis colecionar uma experiência no estrangeiro, depois de já ter o hábito de ir para fora durante os campos de férias, quando era mais novo, e, mais recentemente, ainda antes de ter viajado para Macau, ter realizado um estágio que o levou temporariamente até Londres.

Não tem dúvidas sobre o facto de esta ser uma experiência que lhe está a «acrescentar valor», mas admite que nunca poderia imaginar que aqueles 6 meses se convertessem numa década.

«Nunca pensei. Vou ser sincero, no final dos 6 meses não havia uma ligação com Macau que me dissesse que eu ficaria este tempo todo», diz, adiantando que foi no final dos primeiros 2-3 anos que a «experiência mudou» e começou a perceber que Macau «seria a sua nova casa».

«Neste momento sinto-me muito feliz cá – há aquelas pessoas que vão para fora e estão a fazer tempo para regressar. Mas eu não tenho esse objetivo de vida. Gosto verdadeiramente de cá estar», assegura. Há três anos e meio abriu o seu escritório de advogados com um sócio chinês, uma nova etapa que tem estado a correr de feição.

Nos tempos livres dedica-se ao desporto e joga mesmo na liga profissional de futebol de Macau. «Neste momento estou a jogar no clube local Macau Chiba – que subiu agora à II divisão; em Portugal não tinha nível para jogar nem na distrital», admite entre sorrisos, revelando que o futebol tem sido parte importante para ocupar os tempos livres, sobretudo no último ano, em que as restrições impediram-no de viajar, outro dos seus interesses. 

Além do desporto, o seu percurso tem também sido escrito pelos comentários da atualidade política, tendo já publicado em medias locais como o South China Morning Post (SCMP) e o Macau Business. 

Realizado, os planos futuros continuam a ter Macau como morada, apesar da falta que sente da família, dos amigos e do verão algarvio, que ficam a 11 mil quilómetros de distância.

«Macau é um sítio especial. Mas quem vem precisa de ter abertura para conhecer a cidade e adaptar-se. É preciso aceitar Macau com as suas características», remata.