One man show

Durante o Congresso o que ficava era a divisão clara de caminhos, a luta interna, a ideia do fechamento e do afastamento do país. Era um circo e cristãos eram lançados às feras. Destroçados ou lambendo as feridas diminuíam o brilho do vencedor.

Longe vão os tempos em que os Congressos eram Congressos. Em que a eleição máxima não tinha sido antecipada, em que as discussões essenciais aconteciam, em que intervenções bravas e contradita e argumentos fluíam, em que a incerteza primava e a indecisão podia durar até ao fim.

Era o desafio permanente, a adrenalina, o embate vigoroso que deixava pelo caminho derrotados e definia vencedores.
Era o teste à tempera das lideranças. Era o tudo ou nada. Cansaram-se os partidos desse modelo.

Um argumento se juntou ao cansaço. A escolha feita por cada militante, diretamente, teria maior participação e seria mais direta. Passou a escolher-se primeiro e entronizar depois. A vantagem real ficou clara.

Durante o Congresso o que ficava era a divisão clara de caminhos, a luta interna, a ideia do fechamento e do afastamento do país. Era um circo e cristãos eram lançados às feras. Destroçados ou lambendo as feridas diminuíam o brilho do vencedor.

Porquê? Porque as mais das vezes era daqueles que se falava e projetavam eles a sua sombra sobre o líder. Era também um tempo diferente em que se notava o esforço da construção da democracia e no qual todos estavam abertos a ocupar o seu tempo a seguir atentamente tudo quanto acontecia e a intervir de viva voz. Era um acontecimento, era, mas não tinha a eficácia pretendida. Mudou-se então de figurino.

Tendo a comunicação social regras novas e uso mais sincopado dos tempos, apresentam-se os candidatos e debatem entre si. Ou não o fazem e limitam-se a deixar transpirar as diferenças. Abrem-se as urnas e opta-se. Afirmado o líder, há que alçá-lo.

Monta-se um grande evento, abrem-se expectativas, prepara-se o ambiente com entrevistas, afunilam-se os temas relevantes. O Congresso, neste novo entendimento, é o que o líder quiser. Muito recentemente, notou-se um apuramento da forma. Incontestado, insubstituível, inatacável, o escolhido passeia-se.

É ele, agora e no futuro por si escolhido. Os outros, não arriscam a discordância. Alguns, perdem a fala e mordem o silêncio. Outros e outras são exibidos como troféus de conquista.

Recebem como recompensa um lugar no pódio, têm direito a discursar, elogiam o líder. Formam uma guarda pretoriana contra a dissidência e oferecem a multifacetada imagem do futuro permitido. Como foi avisado o líder que os escolheu, como teve dedo, como os exibe.

A televisão oferece diretos e comentários e seleciona e repete as mensagens mais fortes. O líder é parco nas intervenções. E fala grosso e forte contra o inimigo e meigo e aberto para os conversados. Desenha o futuro em nuvens de promessas, mobiliza para combates futuros, antecipa a glória. Sem contestação interna, formado o partido em quadrado, o espetáculo é o de ‘one man show’.

A votação que se faz supera os 90%. Sai em ombros pela porta grande, justamente agora quando as touradas estão por um fio. A favor tem o sucesso da vacinação, no silêncio fica o tuberculoso crescimento do país.

Álvaro de Campos, sempre ele, tinha as palavras precisas. «Sim, está tudo certo. Está tudo perfeitamente certo. O pior é que está tudo errado.» Para seu mal, consta que não foi nem assistiu ao Congresso por impossibilidade histórica. Para seu bem, não foi contagiado.