Esta semana abriram os berçários, creches e pré-escolar e, ao contrário do que muitos de nós pensávamos e desejávamos, nada mudou. As crianças voltaram a ser deixadas à porta da escola, nalguns casos recebidas cada dia por uma pessoa diferente, e não na sua sala, com a educadora ou auxiliar de referência, como era suposto. Os pais não conhecem a sala, nem os colegas, muitos não veem sequer a educadora e não podem trocar com ela aquela meia dúzia de palavras que os deixam mais descansados. Entregam-no com alguma precipitação, mesmo que esteja a chorar e espernear, porque muitas vezes a fila já é longa e não fazem ideia do que se passa a seguir. Do outro lado da porta, as crianças, mal são arrancadas dos pais, iniciam o ritual de desinfeção sem grande tempo para lamúrias e seguem para a sala, onde são recebidas por um rosto meio tapado.
Na escola a informação é de que não há diretrizes novas e por isso nada mudou. Acontece que este é o terceiro ano letivo em pandemia e muita coisa está diferente desde o momento em que as escolas abriram depois do primeiro confinamento. Como é que as diretrizes podem ser as mesmas? Como se permitiu que mais uma vez crianças pequenas, habituadas apenas à sua casa e a quem estava com elas, entrassem pela primeira vez na escola de uma forma tão desumana? O que se passou nos últimos anos devia ter sido uma exceção, não se pode tornar a regra.
Pergunto-me se quem decidiu manter estas medidas tem filhos ou se se lembra de ser criança. Mais, as medidas para a sociedade em geral têm vindo a ser revistas de forma a acompanhar a evolução da pandemia: neste momento podemos ir a lojas, ao cinema, a concertos, bares, restaurantes… e às escolas? Não! Às escolas nem pensar! As escolas, onde os mais velhos foram dos primeiros a ser vacinados e os mais novos representam um risco de contágio e de desenvolver doença grave mínimo, são o local mais controlado e assético do mundo. Não há micróbio que lhes chegue. E para isso estão cheias de regras, proibições, exigências e rituais obsessivos, fechadas nos seus casulos. Visitas de estudo? Cruzes credo! As escolas tornaram-se no oposto daquilo que desejamos para os nossos filhos.
Num momento em que já se sabe que a transmissão do vírus através das superfícies infetadas é baixo, como se justifica continuar a proibir os mais novos de levarem para a escola o boneco com que dormem ou que lhes dá algum conforto? Não é o boneco igual que se compra naquele dia que o vai aconchegar. É o outro, zarolho, velhinho, desbotado, com o pelo crespo, já deformado e com aquele cheiro a cuspo. É esse que ele deseja e que faz a ligação com a mãe, com a casa, com tudo do que sente saudade e que o pode fazer sentir-se mais amparado e seguro naquele sítio novo.
Ou como obrigar as educadoras e auxiliares a perderem o seu tempo precioso a desinfetar tudo em que os mais pequenos tocam quando a seguir vão para o recreio trocar perdigotos uns com os outros?
Antes da pandemia estas ideias de contaminação tinham um nome no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, chamavam-se perturbação obsessiva-compulsiva. Neste momento, com tudo o que já sabemos sobre o vírus e a grande maioria da população vacinada, não vejo por que havemos de pensar que a forma como estamos a agir nas escolas possa ser muito diferente. E educar neste registo é nocivo para todos.