O secretário-geral da CAP receia que o Governo ceda a determinadas questões que têm custo zero para os cofres do Estado, mas que podem prejudicar em muito os agricultores, para fazer passar o Orçamento de Estado de 2022. Em relação à polémica em torno das estufas em Odemira, lembra que cabe ao Estado fiscalizar. E Luís Mira questiona: ‘Ainda agora deixou fugir João Rendeiro, que capacidade é que o Estado tem para tomar conta dos cidadãos? Nenhuma?’.
Como está o setor?
O nosso volume de exportação de frutas e hortícolas cresceram muito e se não fosse a pandemia acredito que no próximo ano ultrapassaria os dois mil milhões, mas mais dois anos acredito que irá ultrapassar esse valor. As exportações de frutos e hortícolas valem mais do que o têxtil e o calçado juntos.
Mas fala-se mais nos outros setores…
Se calhar é mais sexy e mais atrativo do que o nosso. Mas agora a agricultura começa a ser. As pessoas estão mais preocupadas com os alimentos e com aquilo que comem. Hoje, todos querem cozinhar, há programas televisivos de culinária, os chefs tornaram-se figuras públicas. Mas ainda não chegámos a quem produz para os chefs brilharem. E não há chef nenhum que consiga fazer um bom prato se não tiver bons produtos. Então, se calhar, quem devia ser a estrela é quem produz esses bons produtos. Acho que é uma questão de tempo até as coisas irem no sentido da origem. Há 30 anos quem é que queria ser cozinheiro? Agora há uma grande atratividade para esse tipo de função, que tinha uma carga negativa enorme, é bastante bem paga, além do mediatismo que têm. Acho que a agricultura está a fazer um caminho mais ou menos igual. Há 40 anos quem é que ia para a agricultura? Iam as pessoas que tinham pouca habilidade para fazer outra coisa, nem as famílias o desejavam porque queriam dar aos filhos outra formação. Hoje inverteu-se tudo.
Não está na moda ser-se jovem agricultor?
Acho que não está na moda. Para se ser jovem agricultor é preciso ter terra, depois é preciso ter formação. Se for ver as estatísticas, os jovens agricultores são os que têm maiores níveis de formação: 40% têm licenciatura e isso mostra bem a forma como gerem as explorações. Há consciência para a necessidade de haver uma agricultura sustentável, de preservação do solo, da água e de fazer uma gestão bastante eficiente de todos estes fatores. Ao contrário do que se quer transmitir aos cidadãos, não há nenhuma atividade que seja mais prejudicada pelas alterações climáticas do que a agricultura. Trabalhamos com o ar, água, solo e tudo o que sejam alterações climáticas, vêm-nos logo bater à porta. Quem não estiver informado nos dias de hoje não consegue ser agricultor. As pessoas com mais idade, com menos formação têm uma atividade no meio rural mas não conseguem produzir, por exemplo, para o mercado. As exigências das cadeias de distribuição não são compatíveis com o não cumprimento de regras nem com o standard de produção de alimentos do mais exigente que há no mundo. Os consumidores europeus têm acesso ao maior nível de segurança alimentar que alguma vez já existiu e, ao mesmo tempo, têm a maior desconfiança dos alimentos que comem que alguma vez também já existiu.
Fala-se muito de cultura intensiva…
A questão da cultura intensiva é igual à do chef e do cozinheiro. Ninguém quer ser cozinheiro, quer ser chef. É uma questão linguística. O PAN – e não é só o PAN – não tem conhecimentos científicos para fazer essas críticas. Os partidos políticos que atacam esse tipo de culturas não têm qualquer conhecimento técnico e científico sobre o que estão a falar. O ataque ideológico que se faz às culturas do Alqueva – que apelidam de monoculturas ou de culturas super intensivas – são questões ideológicas. Não há culturas mais adaptadas áquelas regiões do que as culturas mediterrânicas: olival, vinhas, frutas, hortícolas. Se disser que o olival tem uma gestão digital, por uma rede de sensores, as pessoas ficavam encantadas, mas é o que se passa. Aqueles olivais são regados através de sistemas com sondas no solo, contam com computadores que tomam a decisão quando é que devem ser regados e não gastam nem mais um litro de água do que precisam, nem gastam mais do uma miligrama de nutrientes do que é necessário. Depois dizem que ‘gastam muita água’, mas gastam muita água porque produzem muito. Se tenho um quilo de azeitonas, 80% é água. Não sou capaz de ter uma produção de quatro, cinco ou seis toneladas se não colocar quatro, cinco ou seis toneladas de água, pelo menos. Mas quando vou fazer as contas por quilo não é possível ser mais eficiente do que já é. É querer comparar uma decisão baseada em dados enviados por sensores com decisões que o agricultor tomava porque amanhã muda a lua. Isso acabou, não é compatível com a agricultura que se pratica nos dias de hoje.
Em relação aos olivais. O PAN diz que são explorados por espanhóis que ficam com todas as mais-valias…
Então os espanhóis levam a terra às costas? E dos bancos qual é o português? O BPP que faliu ou o Novo Banco que está falido? O Santander é português? E o BPI é português? Vamos às construtoras. São portuguesas? Entrámos para a União Europeia e uma das regras foi abrir a economia. Quanto às críticas que o dinheiro vai para lá, não vai só o dinheiro dos espanhóis como também vai dos portugueses porque há muitos que estão no Alqueva e vendem o azeite a granel, em vez de o colocarem numa garrafa ou de criarem condições para isso e aí a mais-valia ficava em Portugal. O Governo, como não pensa, como não sabe e como as coisas são feitas por princípios ideológicos, então é mais fácil criticar as coisas que estão bem feitas. Conhece algum projeto a nível europeu que tenha um impacto de coesão territorial tão grande como o Alqueva? Que tenha trazido tanta riqueza para o país como o Alqueva? Foram as autoestradas que se fizeram? É o conjunto de dinheiro que se vai gastar com o PRR que devia ser colocado na economia e é posto no Estado.
A agricultura ficou esquecida no plano?
Ignora a agricultura, deixa 92 milhões de euros para uma coisa que a ministra da Agricultura chamou de ‘Terra Futura’, porque as coisas em vez de serem feitas com consistência há uma preocupação em ter nomes bonitos. É ridículo e ainda assim, desses 92 milhões de euros, a maioria vai ficar no Estado, em obras, em cimentos e em equipamentos. Há uma estrutura supostamente científica que é o INIAV que está igual como estava há 40 anos quando foi criado. Já devia ter sido integrado na rede científica nacional que existe com bases nas universidades, mas como o Governo e, não é só este, reestruturações é coisa que não faz, tudo aquilo que ali está sai sempre muito coxo e nunca dá resultados. O dinheiro fica aonde? Nunca chega à agricultura, fica em investigação que nunca é aplicada. As coisas evoluíram, o próprio sistema europeu tem uma quantidade enorme de dinheiro, mas na realidade, os países do norte da Europa ficam com a maioria dessas verbas porque é aberto um concurso e é entregue a quem tem mais capacidade. Como eles têm sempre mais capacidade ficam com o dinheiro.
Mas o que é que significa ‘Terra futura’?
Foi aquilo que a ministra da Agricultura colocou no PRR e a que só atribuiu 92 milhões de euros. É essa a importância que o Governo dá ao setor agrícola. É essa a relevância que tem um setor que nos últimos 10 anos aumentou em 50% a sua capacidade de exportação e pesa 20,6% das exportações totais – e que não parece relevante para os decisores políticos. O setor agrícola na área dos produtos mediterrânicos – olival, frutas, hortícolas e mesmo no vinho – tem uma potencialidade por explorar bastante grande e nunca se atingiu porque nunca houve essa visão de interesse para o país no desenvolvimento do setor. Aliás, se souber a prioridade económica portuguesa gostava que me dissesse. O PRR era supostamente um fundo para a recuperação e resiliência e para o país ter uma estratégia – para saber o que quer fazer e assim que tivesse as coisas pensadas aplicava-o –, no entanto, o PRR em Portugal foi um orçamento extra que o Estado colocou à sua disposição.
A Agricultura está a ser posta de lado das decisões políticas?
A ministra da Agricultura no Parlamento onde é que se coloca no hemiciclo? No último lugar. A única altura em que a Agricultura teve outro tratamento foi quando Paulo Portas fazia parte do Governo e era vice-primeiro-ministro e com isso colocou a Agricultura noutro patamar. Por exemplo, o Alqueva era só para terminar em 2025 – era esse o plano inicial de 2000 a 2025 e representaria um investimento de 100 milhões de euros por ano –, mas, fruto da pressão de Paulo Portas, do apoio de Pedro Passos Coelho e de alguma ajuda de Durão Barroso, o Alqueva conseguiu encurtar-se de 2025 para 2015, utilizando fundos de outros meios que não eram aqueles que estavam pensados e até foi uma forma de o país utilizar o dinheiro que tinha e de não o perder. Antes da bazuca, Portugal tinha 11 mil milhões por executar no último do quadro. Na Agricultura são 900 e tal milhões de euros que estão por pagar, não sei o que se passa nos outros casos, mas ou há algumas iniciativas em que se possa utilizar essa verba ou então as coisas tornam-se mais difíceis, não sei qual é a solução que o Governo tem para esta situação.
Os partidos que mais criticam a CAP tiveram resultados desastrosos na eleições autárquicas. Como vê essa situação?
Na realidade, acho que os resultados das autárquicas vieram colocar a nu o funcionamento completamente deficiente da democracia em Portugal. A nível nacional, o Bloco de Esquerda elegeu quatro vereadores em 308 municípios, onde há mais de dois mil vereadores. O PAN também teve um resultado que, em termos globais, é inferior ao da Iniciativa Liberal e ao do CDS, que quase não existe. Gostava que fosse feito um levantamento em relação último ano de quantas horas é que o Parlamento dedicou ao problema do cão, do gato, do rato e do pato face aquilo que o impacto que tem em Portugal o Brexit e o que é que isso influencia a vida das pessoas que vivem em Inglaterra e o impacto nas atividades, nos empregos e nas empresas em Portugal. Mas, se for ver, sobre canis discutiu-se durante dezenas de horas. Aliás, o PAN todos os anos repete as mesmas iniciativas legislativas, muda-lhe três coisas e volta a repetir e o Parlamento permite que façam isso. E permite uma coisa espantosa que se vê nestes resultados que é uma imposição do estilo de vida das cidades a 80% do território, que é rural e que não quer esse estilo de vida. Como se viu. São contra a caça, as touradas, a agricultura.
E são os tais que falam da cultura intensiva…
Enquanto a CAP for o principal alvo de Inês Sousa Real é porque está a fazer propaganda à CAP. A questão que aqui se coloca tem a ver com o desfasamento das decisões, por exemplo, fruto da negociação do Orçamento do Estado. Possivelmente o Governo vai ceder ao PAN, que vai alterar, incomodar, prejudicar, limitar a vida que é praticada no mundo rural e que não é minimamente democrática. Diria que o sistema democrático está muito ferido. Estes partidos têm grande implementação nos grandes centros urbanos, mas não têm implementação no mundo rural. E se o sistema de contagem de votos desse a possibilidade a que os votos das pessoas que vivem no mundo rural contassem, por exemplo, para um ciclo nacional, não tenho dúvida nenhuma de que dois, três ou quatro deputados fossem defender o mundo rural. O que os atuais deputados fazem na Assembleia da República é defender uma ideologia – não diria urbana, mas uma ideologia radical – que é exatamente o contrário daquilo que as pessoas que vivem no campo querem. E ainda dizem que estes partidos são muito respeitadores das minorias, nem são minorias. Por exemplo, caçadores há 250 mil e o PAN teve 50 ou 52 mil votos. Onde é que está a democracia? Por isso é que a abstenção está a aumentar e vai aumentar muito mais, porque as pessoas não são parvas, quando veem que a forma de votar não lhes traz nenhuma representação para defender aquilo que é o estilo de vida delas.
Mas esse estilo de vida também está a mudar…
As pessoas estão mais preocupadas com aquilo que comem, estão mais preocupadas com a sua saúde, porque já perceberam que aquilo que comem os influencia diretamente. Mas depois há estes movimentos, estas ideologias, estas religiões e estes fundamentalismos em que dizem que ‘só comem vegetais’, que não comem carne, nem peixe, etc. São coisas que do ponto de vista científico está mais do que provado, principalmente na fase de crescimento das pessoas, que isso é determinante para a saúde. Com este tipo de comportamentos, acho que as gerações dos filhos deles vão voltar a decrescer em altura. Claro que podem compensar com suplementos, mas vamos parar ao mesmo. Então estas pessoas são muito ambientalistas mas depois comem soja que vem da Argentina e do Brasil e soja geneticamente modificada? E se acham que para comerem soja não é preciso matar animais então não percebem nada do que estão a fazer. Há aqui um conjunto de incongruências brutais, nomeadamente quando dizem que as vacas é que são responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa, a Associação de Montemor já tem carne certificada por ser neutra de carbono. As carnes que apresentam são de estudos feitos nos Estados Unidos para explorações intensivas, em que os animais são alimentados na manjedoura, não é o caso de uma carne criada cá, em que as vacas comem pasto. Há aqui um conjunto de equívocos que se quer passar e que não traduz a realidade. E há aqui outra questão, há 15 anos ninguém falava em carbono, de certeza que a ciência vai encontrar nos próximos 10 anos soluções para que essas situações sejam corrigidas. Podemos deixar de andar de avião, podemos deixar de andar de barco mas não podemos deixar de comer. E isso foi demonstrado na pandemia: deixámos de viajar mas não deixámos de comer. Essa é a razão pela qual a agricultura é um pilar determinante na estrutura de uma sociedade.
O Governo pode ceder a essas pressões para deixar para passar o Orçamento?
Espero que não, mas o risco existe sempre. O Partido Socialista nestas eleições também perdeu câmaras. Quanto menor for o interesse, quanto menor for a atenção e o cuidado para o mundo rural isso também se reflete. Espero que o Partido Socialista tenha aprendido alguma coisa. Às vezes o que há são aquelas concessões de última hora e aí talvez estes radicalismos do PAN sejam os mais perigosos, porque a maioria deles não custa dinheiro e o Governo ao precisar do apoio deles até pode ceder nessa matéria, o que é grave, porque esses radicalismos têm sempre consequências económicas e consequências para o desenvolvimento das zonas rurais. Era bom que Portugal tivesse uma estratégia e que tivesse aproveitado o PRR, que não aproveitou, para ter como meta um aumento de 30 ou 40% das exportações do agroalimentar que era possível se houvesse uma aposta clara naquilo que é a promoção, a transformação e o acrescentar valor aos produtos que temos. Não é aceitável que ainda muitos dos nossos produtos sejam vendidos a granel e não sejam valorizados através de uma marca. Aliás, Portugal não tem uma entidade que permita identificar os produtos ou os serviços portugueses. Não tem uma imagem única, não consegue mesmo estando na moda com os turistas a vir cá passar uma imagem em que o turista, quando vir uma água, um vinho ou um queijo português, consiga perceber que é português.
Também os partidos que defendem o fim das touradas não tiveram impacto em termos de resultados eleitorais…
Essa é uma questão cultural, quer se queira, quer não. As pessoas foram crescendo com esse tipo de procedimentos, habituados a ver e a participar em touradas. É muito difícil para uma pessoa que participou em touradas, a emoção que aquilo traz, ver o seu fim. E só existem touros porque há touradas. Um dia que acabem as touradas acabam-se os touros todos, ficam ali quatro ou cinco no jardim zoológico para verem como são, porque não têm interesse para mais nada. Um touro de lide não é um gato, nem serve para comer porque demoram muito tempo a crescer. As touradas fazem-se em Portugal, em Espanha, em França e no México. É uma coisa que temos quase única no mundo e nem nisso somos capazes de saber valorizar, nem de criar uma situação em que há zonas do interior do país com menos capacidade de criar riqueza que podem explorar essas atividades, como a caça, as touradas, onde podem ir buscar grande parte do seu rendimento. A caça em Portugal está sobre-explorada. Os espanhóis têm uma receita de caça de mais de dois mil milhões de euros e nós não chegamos aos 400 milhões. Podíamos ter o dobro ou o triplo, só que nunca são criadas condições para isso. Não são precisas ajudas, só é preciso não dificultar. Se um estrangeiro quiser tirar uma licença de caça aqui é um quebra-cabeças, se for a Espanha assim que sai do aeroporto em Barajas tem logo um guichet e tira a licença.
E as dificuldades de renovação das licenças são cada vez maiores…
Criam imensos problemas, porque, a poupo e pouco, vai-se tentando desincentivar as pessoas dessas práticas. Como as próprias corridas de touros, há coisas que podem ser melhoradas, há coisas que têm de evoluir. Mas não se pode atacar os atuais argumentos: então é mais duro pôr cinco bandarilhas num touro ou ter um cão 12 horas fechado num apartamento?
Mas o Parlamento está a discutir a lei para os animais não ficarem sozinhos mais do que 12 horas…
E vai bater à casa das pessoas para ver se o cão lhe abre a porta para ver se está sozinho? As coisas têm de ter a mínima noção para serem aplicadas. Como é que as pessoas que têm casas em Lisboa, não são palacetes, podem ter espaço para ter um cão? Só pessoas que nunca souberam o que é um cão. E agora, vêm mais uma vez querer atacar o mundo rural porque o cão não pode estar preso a uma corrente, quando há cães que estão presos à corrente o dia todo por uma questão de segurança e à noite estão soltos para fazerem a sua função que é guardar os locais onde vivem? Mas se for aqui têm que vestir um casaquinho e passear na rua. É este impor de regras do mundo urbano face aquilo que é a vivência do mundo rural que não dá tolerância, não há capacidade de compreender aquilo que se faz e que é diferente. E quer-se impor isto sem ter expressão democrática para o fazer, como se viu pelos resultados eleitorais. Até em relação às culturas que chamam de super intensivas já houve pressão para que se faça uma análise e um estudo de impacto ambiental. Então constrói-se uma barragem com dinheiros públicos comunitários de 2.500 milhões de euros e depois não vamos deixar ou vamos impedir que se faça lá uma atividade produtiva?
Assistimos recentemente às polémicas explorações em Odemira…
Quais questões polémicas? As pessoas do PAN também comem tomate cherry e acham que o tomate cherry vem de aonde? Vem das hortas de Lisboa ou vem das estufas de Odemira? Não posso defender uma coisa e não saber o que estou a defender. Então eles que são vegans pensam que o tomate, os pepinos, as beringelas vêm de onde? Há aqui coisas em que é preciso sermos coerentes. As estufas são talvez do sistema produtivo mais eficiente em termos de gestão de água, de recursos que pode existir, porque aquilo é fechado. Dentro de uma estufa praticamente não ponho agroquímico nenhum, porque controlo a temperatura, a humidade, o solo. A água que lá ponho utilizo-a toda e a que não utilizo reciclo. Há mais alguma coisa mais eficiente ambientalmente do que isto? Então digam-me onde é que é para ir ver, porque não conheço.
E a questão da ‘escravidão’ está ultrapassada?
Há aqui uma questão ideológica. A esquerda é contra tudo o que sejam empresas e negócios estruturados. Em Odemira, a grande base são empresas, algumas multinacionais que se instalaram ali há 15 ou 20 anos e que têm o seu negócio estruturado e que rendem à economia nacional 200 milhões de euros por ano em exportações. Veja o que aconteceu ao turismo, nomeadamente o turismo local, em Lisboa, já estava toda a gente a preparar-se para acabar com esse tipo de rendimentos que algumas pessoas tinham, depois veio a pandemia e acabou com quase tudo. Como é que o país pode crescer, pode criar mais riqueza se cada vez que há qualquer coisa que está a funcionar veem os políticos limitar o seu crescimento? Definam as regras à partida e as pessoas têm de se encaixar nas regras. O perímetro de regra do Mira foi pago com dinheiros públicos e estava previsto há 30 ou 40 anos regar 12 mil hectares, atualmente está só a regar sete mil. Nem sequer está a ser usado na sua plenitude. Isso não é aceitável. O Alqueva é dos poucos casos a nível nacional que está a ser totalmente utilizado, mas não é isso que se quer? Às vezes, às tantas, já não percebo qual é o objetivo. Se é fazer o investimento ou se é não se utilizar esse investimento.
Acha que a agricultura está a ser usada como bode expiatório?
Há correntes ideológicas, não estou a dizer que tudo aquilo que existe nos olivais no Alqueva foi feito a cumprir a lei, acho que há coisas que não foram corretas. Mas isso cumpre ao Estado fiscalizar, o Estado é que não cumpre a sua função. O problema não são mais leis, o problema é aplicar as que existem. Aí todos sabemos qual é a função do Estado. Ainda agora deixou fugir João Rendeiro, que capacidade é que tem para tomar conta dos cidadãos? Nenhuma. Esses casos é que não são aceitáveis, agora que se generalize as coisas como se fez em Odemira, em que a Câmara não quis criar condições para ter mais pessoas a trabalhar, não faz sentido, principalmente quando se queixavam de que Odemira era um dos concelhos maiores do país e que tinha problemas de despovoamento. Só se pode fazer as coisas com imigrantes, não há outra forma de fazer isso, porque ainda não há robôs para apanhar mirtilos, nem tomate. Tem que ser com pessoas e como não há portugueses que queiram fazer esse trabalho tem de ser feito por imigrantes que têm necessidade de trabalhar. A solução é essa. Veja o que aconteceu em Inglaterra, faltam 100 mil motoristas com o Brexit. A questão aqui é a mesma. Agora pergunta-me se todos são desgraçados e tratados em más condições? Não. Mas, se há casos desses, o Estado tem de fiscalizar. Pergunto se as pessoas que fazem os trabalhos de limpeza e de segurança aos edifícios do Estado, se o Estado já foi ver onde é que eles vivem? Se vivem em três metros quadrados ou em 300 metros quadrados. E querem exigir às empresas de Odemira que sejam responsáveis pelas condições em que os trabalhadores vivem? O Estado é bom para impor aos outros. Veja-se a questão da proteção de dados, as empresas nem uma lista podem fazer e a Câmara de Lisboa até pode entregar listas aos países todos e não acontece nada. É a incoerência que existe e é a forma diferenciada do tratamento que o setor agrícola tem. Depois aparecem nas televisões supostos ambientalistas, como uma pessoa que viveu lá ou uma alemã que tem um negócio para passear turistas que faz uma coisa no Der Spiegel. Mas quem é essa senhora?
Esse artigo está a prejudicar as vendas?
O impacto nas vendas foi zero. As empresas inglesas, holandesas e as alemãs compram em Odemira e são empresas com standarts de exigência em termos de condições de produção elevadíssimas. Obrigam a ter casas de banho no meio do campo – coisa que nenhuma empresa portuguesa exige –, exigem ter linhas diretas para o pessoal se tiver algum problema e se queixar na própria língua, exigem que as pessoas não tenham anéis, brincos para que não caia nada nos produtos que embalam. Exigem um conjunto de regras e vêm cá verificá-las, ao contrário do Estado, que verifica pouco e quando verifica é para autuar. É essa a postura que o Estado tem que é criticável. Passamos de uma agricultura rudimentar com 30% da população empregada neste setor para uma agricultura mais tecnológica, mais empresarial, mais respeitadora do ambiente, com maior capacidade produtiva e de exportação e quando há esses negócios, os partidos de esquerda não gostam de ver as empresas, nem a economia a progredir e arranjaram também forma de contrariar com a bandeira ambiental – que é uma bandeira muito interessante – mas que parece uma melancia. É verde por fora e vermelha por dentro, porque no fundo, para os ambientalistas mais radicais temos todos de andar de bicicleta e respeitar um conjunto de regras, e dar a ideia de que somos todos iguais.
Há quem acuse a CAP de fazer lóbi no Parlamento…
A CAP representa o lobby da agricultura com muita honra, tanto aqui como em Bruxelas. Não conheço nenhuma outra confederação que tenha em Bruxelas uma estrutura como a CAP tem e também é verdade que grande parte da legislação comunitária é agrícola. Em relação ao Parlamento, é normal que haja alguns contactos, tentamos chamar a atenção para as situações que estão erradas. Se fazer lobby é defender o melhor para o país, então somos lobistas na primeira linha.