Antigo bombista das FP-25 avaliou candidatos a juizes e a magistrados do MP

José Soares Neves foi condenado em primeira instância a 14 anos de prisão, na Relação a 15 e no Supremo a 17. Foi amnistiado e chegou a júri de seleção de candidatos ao CEJ, que forma magistrados judiciais e do MP. 

José Soares da SilvaNeves, condenado por crime de organização terrorista e atentado contra o estado de Direito em 1984 no âmbito do processo das FP25 (Forças Populares 25 de abril), foi, até ao início da pandemia, membro do júri do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) em quatro diferentes concursos de acesso às magistraturas judicial e do Ministério Público (MP).

José Soares Neves compôs o júri nas provas escritas dos 5.º e 6.º concursos de ingresso no curso de formação dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em 2018 e 2019, e nas provas escritas dos  concursos de ingresso nos 33.º e 35.º Cursos de Formação Inicial Teórico-Prática de Magistrados, em 2017 e 2019.

Note-se que José Soares Neves é formado e doutorado em Sociologia. Atualmente, José Soares Neves – ou ‘Tozé’, como era conhecido pelos seus camaradas das FP25 –, é investigador e subdiretor do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE. 

José Soares Neves desempenha funções de diretor do Observatório Português das Atividades Culturais (OPAC), uma estrutura do ISCTE que tem como missão «o estudo, a produção e disponibilização pública de informação rigorosa e atualizada nos diversos domínios culturais».

Entre os recentes estudos da OPAC, consta aquele que, ainda este mês, o Ministério da Cultura publicou no seu Twitter oficial com uma comparação entre os investimentos no setor da Cultura feitos pelo Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho e os do atual Governo PS chefiado por António Costa, menosprezando o primeiro e enaltecendo o segundo.

‘O Tozé das FP’ 

A 19 de junho de 1984,  ‘Tozé’, que era considerado ‘dirigente’ das FP25, foi preso na chamada Operação Orion. 
Depois, no âmbito do processo nº 23/85, foi condenado em primeira instância a 14 anos e 6 meses de prisão, pela prática dos crimes de organização terrorista e atentado contra o estado de Direito.

O Tribunal da Relação de Lisboa viria a agravar-lhe a pena para 17 anos e 4 meses de prisão, sendo esta depois reduzida pelo Supremo Tribunal de Justiça para 15 anos (ademais, uma sequência de penas muito parecida com a do seu camarada de armas César Escumalha). 

Neves esteve preso e a cumprir pena, mas, em 1989, seria libertado porque, entre os vários recursos interpostos pela acusação e defesa, o tribunal concluiu que a sentença não tinha ainda transitado em julgado. 

«Um elemento que vem desde o bibe e calção do Partido Revolucionário do Proletariado» – assim o descrevia Otelo Saraiva de Carvalho em julgamento, segundo o Presos por um fio de Nuno Gonçalo Polas. «Um operacional importante e muito ativo na organização», nas palavras de Poças, José Soares Neves é nome recorrente no acórdão do Tribunal Constitucional (231/2004) que extingue a Força de Unidade Popular (FUP).

Lá aparece, mais do que uma vez, como responsável por escrever as atas da Direção Político-Militar (DPM) do Partido (o órgão máximo de decisão de toda a organização do Projeto Global, onde estavam incluídas as FP25). «Aquando da prisão de José Soares da Silva Neves, na sede da FUP (…) foram-lhe encontrados e apreendidos vários documentos onde se referem as componentes e subcomponentes ou frentes de luta no âmbito do Projecto Global, nomeadamente a acta, manuscrita por si, da reunião da DPM», pode ler-se no acórdão de condenação.

Outro exemplo surge mais à frente, no mesmo documento, quando se refere uma «reunião da DPM de 25 de Fevereiro de 1984, cuja acta manuscrita é da autoria do ora réu José Soares da Silva Neves». Nesta reunião, «confirmou-se» a informação de que «o poder» se  preparava para lhes «dar uma machada» e acrescentava: «Cruel continua em coma na mesma situação». 

Noutra reunião, pouco antes de ser preso, a 13 de março de 1984, discutia-se o facto de «não ter havido rigor no tratamento da questão Cruel». A ‘questão Cruel’ referia-se a Delmiro Cruel, camarada revolucionário que havia morrido na sequência de uma luta com Alexandre Souto. 

Nesta reunião, «propunham-se medidas nesse sentido». Cerca de um ano depois de serem pedidas «medidas nesse sentido», o grupo ali reunido viria a assassinar Alexandre Souto em pleno recinto da Feira Internacional de Lisboa (com a filha de 18 anos ao lado). Nesta reunião, «estiveram presentes, de entre outros, os réus Otelo Saraiva de Carvalho, José Soares da Silva Neves e Pedro Goulart».

A última reunião de que há registo e em que terá participado  antes de ser preso data de 6 e 7 de abril de 1984, «alegadamente numa casa localizada na Serra da Estrela», como explica António Vilela no Viver e Morrer em nome das FP25. 

«Rodeado do maior secretismo, verifica-se a participação de um conjunto de elementos que ocupam lugares de responsabilidade nas diversas componentes do Projecto Global». Entre estes, «disfarçados com capuzes», está José Soares Neves: «entre os participantes (…) estão nomes como os de Otelo, Pedro Goulart, Francisco Marques, José Neves ‘Tó-Zé’, César Escumalha, Zé ‘Lella’, Júlio Vitorino, Mouta Liz e José Linhas» – pode ler-se na obra citada.

As FP25 foram responsáveis por vários atentados, dos quais resultaram 13 mortos. Os seus operacionais acabaram por beneficiar de indultos e de uma lei de amnistia. 

O Nascer do SOL tentou contactar José Soares Neves e o Centro de Estudos Judiciários, mas não obteve qualquer  resposta até ao fecho desta edição.