Tal como há pessoas que param no tempo, também há partidos que, nascidos em determinada circunstância, não conseguiram evoluir.
O caso mais evidente é o PCP – que nasceu no rescaldo da revolução industrial, baseado nas teorias de Karl Marx, e nunca se libertou dessa época.
A sociedade evoluiu, a globalização transformou a luta de classes, veio a digitalização, mas o PCP fincou os pés na terra e não mudou de sítio; e agora vai sendo ultrapassado por todos.
À esquerda emergiram novas ‘causas’, como os direitos das minorias (sexuais, étnicas e outras), a liberalização das drogas, a defesa dos imigrantes, a eutanásia, etc., e o PCP não as pôde liderar – porque estava amarrado a uma ideologia datada.
Tal como o PCP, também o CDS está em processo de envelhecimento acelerado e em vias de extinção.
O caso é muito diferente; mas parece impossível que um partido que até há dias tinha quadros excelentes no ativo como Cecília Meireles, Nuno Melo, Ribeiro e Castro, João Almeida, Telmo Correia, Mesquita Nunes, Pires de Lima, Nuno Magalhães, Diogo Feio, Anacoreta Correia ou Assunção Cristas esteja a desaparecer, enquanto partidos sem qualquer tradição, sem quadros, quase sem dirigentes crescem de mês para mês.
Como é possível que o Chega e a Iniciativa Liberal tenham ultrapassado o CDS com tanta facilidade?
O que têm o Chega e a IL que o CDS não tem?
À partida, não tiveram vergonha de se dizer ‘de direita’ – coisa que o CDS nunca fez.
Acusado de ‘fascista’ no período revolucionário, definiu-se como um ‘partido centrista’.
Mas se isso se compreendia naquele tempo por razões táticas de sobrevivência, depois deixou de fazer sentido.
Era difícil perceber por que razão o partido mais à direita do Parlamento se recusava a dizer-se de direita.
Recordo uma entrevista que, com Fernando Madrinha, fiz a Freitas do Amaral em 1991.
A uma pergunta sobre uma eventual futura aliança com o PSD, Freitas respondeu:
– O CDS, como partido centrista, tanto pode aliar-se ao PSD como ao PS depois das eleições. Tudo depende dos resultados eleitorais.
E não foi uma afirmação gratuita nem circunstancial.
A partir daí, Freitas foi-se encostando à esquerda, acabando por ser ministro do Governo socialista de José Sócrates.
E apoiou mais tarde António Costa e a aliança do PS com a extrema-esquerda.
Aí, o CDS acabou.
Pode dizer-se que, nessa altura, Freitas do Amaral já não estava no partido.
Mas fora o fundador, era com ele que muitos eleitores se identificavam – e a sua deriva para a esquerda cortou o elo emocional entre o eleitorado e o partido.
Sendo certo que em Portugal há eleitores de direita, como em todo o mundo, o facto de o CDS nunca ter querido assumir-se como da direita – e a posterior inclinação para a esquerda do seu líder histórico – deixou uma parte do eleitorado órfã.
Durante muito tempo, os eleitores de direita não tinham onde votar.
Foi esse vazio que o Chega e a Iniciativa Liberal vieram preencher, embora de formas diferentes.
A IL dirige-se à classe média, a eleitores mais sofisticados, mais urbanos.
Defende uma liberdade quase sem limitações.
É individualista e não coletivista.
É contra todo o tipo de entraves que compliquem o desenvolvimento do indivíduo e a afirmação do seu ‘eu’.
Neste sentido, é a favor de um Estado mínimo, preconiza a baixa de impostos e apoia abertamente a iniciativa privada.
Aceita as desigualdades como consequência natural das próprias diferenças entre os seres humanos – opondo-se às ideologias que defendem a igualdade.
O Chega é outro fenómeno. Não fala para a classe média mas para o ‘povo’.
É mais terra a terra.
É conservador, ao contrário da Iniciativa Liberal.
Defende o nacionalismo, ataca o internacionalismo e o socialismo.
É liberal na economia mas não na política: defende a autoridade do Estado e critica a sua passividade perante a indisciplina e o crime.
Também contrariamente à IL, não é permissivo em termos de costumes e contesta as causas da nova esquerda como a liberalização das drogas, a propaganda homossexual ou a eutanásia.
É crítico da imigração e do ‘excesso’ de apoios sociais.
Neste aspeto, foi o primeiro partido desde o 25 de Abril a ter a coragem (ou o desplante, conforme o ponto de vista) de afrontar valores de esquerda que se consideravam intocáveis.
Neste puzzle, que espaço existe para o CDS?
O que pode dizer o CDS que a IL ou o Chega não digam – ou, noutro plano, que o PSD não diga?
Tendo falhado o seu momento histórico nos anos 80 – quando não assumiu as causas tradicionais da direita e guinou à esquerda -, o CDS tornou-se um partido inútil.
Ao contrário do que se diz, não foi Francisco Rodrigues dos Santos que o matou.
Quando ele o herdou, já o CDS estava morto há muito tempo.
O CDS nasceu e morreu com Freitas do Amaral; este foi o seu pai e o seu coveiro.