Um alemão e uma inglesa, Clemens Weisshaar e Phoebe Arnold, ele arquiteto e ela estilista, com um filho de três anos, Tasso, pareciam ter um futuro idílico numa paisagem paradisíaca: a peneplanície alentejana. Tinham comprado um monte no concelho de Grândola, com uma velha casa que recuperaram segundo um projeto executado por ele, e tudo ali era bonito: o local, a casa, as pessoas.
Mas depois começou o pesadelo: em Julho deste ano ela saiu de casa, levando consigo o filho, e o homem ficou sozinho. Não conheço as razões que levaram à separação. A mulher pode ter sido vítima de violência doméstica, como alegou, pode ter arranjado outro homem ou pode simplesmente ter-se farto daquele.
Mas Clemens nunca aceitou a decisão da mulher. E há dias ‘raptou’ o filho, começando depois a enviar a Phoebe mensagens desesperadas, ameaçando fazer uma loucura. Que desgraçadamente se concretizou: matou o filho dentro do carro, depois deitou fogo a este e a seguir suicidou-se.
Não imagino que demónios podem levar um pai a matar um filho: é um crime tão horrendo que é impossível colocarmo-nos na posição do criminoso para tentar perceber o que lhe terá passado pela cabeça.
Mas o assassínio da criança, o deitar fogo ao carro, o acabar com a própria vida sugerem que quis apagar todos os ‘vestígios’ da relação com a mulher. Só faltou deitar fogo à casa – mas isso era difícil, pois se o fizesse corria o risco de ser apanhado pela Polícia (que estava no seu encalço, depois de ter ‘raptado’ a criança).
Há outra explicação mais simples para o sucedido: tendo decidido suicidar-se, Clemens não quis que a mulher pudesse ficar a ‘rir-se’ dele; matando o filho, tinha a certeza de que ela sofreria.
Falando da desgraça de Grândola, a maioria dos comentadores pôs a mulher fora da história. Primeiro, ela tinha todo o direito de abandonar o homem; depois, não tinha de ceder à sua chantagem quando ele ameaçou fazer mal ao filho caso ela não voltasse para casa.
Não estou tão certo disso. E não é por ter sido a mulher a abandonar a casa e não o contrário. Se fosse um homem eu diria exatamente o mesmo.
Numa relação a dois, as culpas pelo que de mal acontece normalmente não são só de um. É verdade que há pessoas insuportáveis, com as quais é impossível viver. Mas para isso é que uma união é geralmente precedida de um período de namoro. Assim, numa separação, as culpas são quase sempre repartidas.
Como tenho recorrentemente escrito, as histórias terríveis a que diariamente assistimos de maridos que matam as mulheres ou as ex-mulheres, de mulheres que matam os maridos – sem falar nos casos, como este, em que há vítimas menores pelo meio –, decorrem em boa parte de um mal que atinge as sociedades contemporâneas: a destruição da família.
As pessoas deixaram de valorizar a família.
Nos dias de hoje, na maior parte das vezes os pares não se casam – juntam-se. E argumentam: «Não é por assinarem um papel que as pessoas são mais ou menos felizes». Enganam-se! O casamento obriga o homem e a mulher a confrontarem-se com uma pergunta decisiva: «É com esta pessoa que quero fazer vida em comum, constituir uma família, ter filhos?». E esse confronto é fundamental.
Além disso, o casamento é a assunção de uma responsabilidade perante a sociedade e perante a lei; assim, por muito que se proteste o contrário, a fuga ao casamento significa a recusa de assumir essa responsabilidade. Pode não ser consciente, deliberada, mas é sempre o modo de fugir a um compromisso.
Hoje, tudo se passa informalmente. Duas pessoas começam a andar juntas, depois começam a viver juntas, têm filhos, deixam correr o marfim. Mas com a mesma naturalidade com que iniciaram aquela relação, conhecem outra pessoa, começam a andar com ela, separam-se da primeira e juntam-se com a segunda – e tudo volta ao princípio. E pelo caminho vão deixando filhos sozinhos, mulheres ou homens sozinhos, vidas desfeitas.
Este modo de viver funda-se no egoísmo. Só interessa o nosso caso – as outras pessoas, sejam os filhos, as mulheres ou os maridos, não contam. A célebre frase, tão elogiada, ‘Vai onde te leva o coração’, é o exemplo acabado disto. Só o nosso coração importa – os outros que se desenrasquem.
A história do casal alemão foi particularmente trágica. Mas a toda a hora ouvimos histórias de separações, de conflitos entre casais, de crimes conjugais. E nestes casos é muito difícil atribuir culpas.
Assim, pergunto: Phoebe Arnold fez tudo para salvar a relação com Clemens Weisshaar, do qual teve um filho, ou saiu do barco às primeiras dificuldades? Ou quando encontrou um homem que lhe agradou mais? E perante as ameaças feitas pelo ex-companheiro através do telemóvel fez tudo para evitar o desenlace fatal?
Só ela poderá responder a estas perguntas e dormir em paz com a sua consciência. Mas numa história tão horrível como esta dificilmente haverá um único culpado. Inocente só estará a criança de três anos que morreu às mãos do próprio pai.