Sexta às 9: o último apaga a luz

A saída de Sandra Felgueiras é só mais um episódio de uma história que começou antes da pandemia, com a polémica com Flor Pedroso e Cândida Pinto. RTP perde, oficialmente, o seu terceiro programa mais visto.

Por Vítor Rainho e Daniela Soares Ferreira

A história tinha um desfecho anunciado no ano de 2019 quando a jornalista Sandra Felgueiras e a sua equipa do Sexta às 9, da RTP, acusaram a então direção de informação de ter boicotado uma investigação. Para os menos familiarizados, diga-se que a equipa diretiva então liderada por Maria Flor Pedroso e Cândida Pinto haveria por se demitir, depois da primeira ter ido ao Parlamento falar do caso. Cândida Pinto, essa, estava de férias e nunca compareceu na Assembleia da República. 

Pelo meio, Sandra Felgueiras viu-se no meio de várias polémicas com membros do Governo, sendo o rosto mais visível dessa ‘guerra’ o secretário de Estado Adjunto e da Energia João Galamba que chegou ir ao programa que acabou de uma forma tumultuosa. A coordenadora do programa – o terceiro mais visto do canal público – além das queixas de censura, queixava-se publicamente da falta de meios para fazer um programa assertivo e fê-lo no Parlamento, ao Presidente da República, em 2019, quando ganhou o prémio de Melhor Programa de Informação da Sociedade Portuguesa de Autores.

Continuando no meio da história, digna de um programa do Sexta às 9, diga-se que na altura, Arons de Carvalho, figura lendária do PS e que fez parte da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, ERC, e é, atualmente, curiosamente, membro do Conselho Geral Independente. Dizia então Arons de Carvalho ao jornal i – em 19 de dezembro de 2019, em plena guerra do Sexta às 9 com a direção de Informação que «um programa deste género não deveria existir num serviço público de televisão». Para reforçar a sua ideia, Arons acrescentava: «Deve haver jornalismo de investigação, mas a difusão dos conteúdos desse tipo de jornalismo deve ter como único critério estarem concluídos os trabalhos, com contraditório, com a informação devidamente fechada. Esta obrigação de todas as semanas ter de haver uma bronca qualquer para denunciar leva a que sejam queimadas etapas absolutamente necessárias no jornalismo». O guru da comunicação social socialista, referia-se ao facto de o programa de Sandra Felgueiras ter sido interrompido em plena pré-campanha eleitoral, outra das polémicas que a jornalista se viu envolvida.

Com a nova direção de informação do canal público, as coisas ficaram mais silenciosas, mas os meios reivindicados pela jornalista nunca chegaram – mais jornalistas seniores e o fim da precariedade de alguns dos elementos da equipa. Para que não restem dúvidas da narrativa, os responsáveis da RTP recusaram responder às questões levantadas pelo Nascer do SOL.

Seguindo as narrativas atuais, e depois do devido enquadramento, chegamos aos dias de hoje. No caso, de há duas semanas.

Sandra Felgueiras anunciou a intenção de se demitir da empresa, farta de lutar contra ventos de moinho, segundo as palavras de pessoas próximas, e terá explicado à direção de informação que tinha conteúdos bombásticos até 17 de dezembro e que tinha a obrigação de defender as suas fontes, que expuseram alguns membros do Governo. A direção liderada por António José Teixeira e Carlos Daniel – ele próprio envolvido numa história rocambolesca na sua chegada à direção do canal, onde é diretor-adjunto, quando estava indigitado para diretor, mas que terá sido impedido por forças partidárias da geringonça, segundo constou na altura – entendeu, uma semana depois, publicar um comunicado a dar conta da cessação do contrato com Sandra Felgueiras a partir de ontem, 26 de novembro.

Entretanto, a Direção de Informação da RTP reagiu às notícias que começaram a ser veiculadas pela comunicação social – aqui fica por saber quem colocou a notícia cá fora. «Face ao anúncio público da sua saída da RTP e à formalização da sua desvinculação da empresa, a jornalista Sandra Felgueiras deixa, a partir do final desta semana, de coordenar e apresentar o programa Sexta às 9». Chegava então, finalmente, a confirmação oficial da jornalista que estava na RTP desde 2000. 

A Direção de Informação acrescentava que «o jornalismo de investigação livre e independente faz parte da história da RTP há décadas e assim continuará. O escrutínio dos poderes e do que possa atentar contra a lei e o interesse público continua a ser uma prioridade da Informação da RTP, que está a trabalhar num renovado formato», dizem, numa nota onde agradecem «o trabalho e dedicação que a jornalista Sandra Felgueiras revelou ao longo do seu trajeto de mais de duas décadas na RTP».

Equipa do Sexta às 9 reage

Com toda esta situação, a equipa de jornalistas do Sexta às 9, sem a sua coordenadora, escreveu uma carta que enviou à redação da RTP e à qual o Nascer do SOLteve acesso, onde mostra a sua «profunda indignação» com a decisão da estação pública em ter suspendido o programa.

A indignação, lê-se, prende-se com o facto de não lhes ter sido «dirigida uma única palavra sobre este assunto».
«É com profunda humilhação que vemos tudo isto acontecer, depois de meses de silêncio em relação à falta de recursos do programa; e quando temos em curso várias investigações relevantes que são do conhecimento da Direção de Informação e que só têm enquadramento no âmbito de um programa de investigação», lê-se na nota onde os jornalistas acrescentam ainda que «é absolutamente incompreensível» que a Direção de Informação anuncie que está a trabalhar num «renovado formato do Sexta às 9 – sem nunca nos ter ouvido – e quando sabe que o programa é o único espaço de investigação, assim designado e com periodicidade semanal, da RTP».

Assim, os jornalistas – Ana Raquel Leitão, Cláudia Viana, Helena Cruz Lopes, Inês Subtil e Luís Vigário – criticam a «falta de comunicação» com a equipa do Sexta às 9, a que se junta o «anúncio público feito à nossa revelia, de que este seria o último programa com a Sandra Felgueiras» o que se traduz «numa humilhação pública para a equipa».

Na longa nota, os cinco jornalistas queixam-se da falta de recursos e garantem que nunca foram ouvidos, falando do «evidente abandono e o profundo alheamento» ao trabalho da equipa por parte da direção de Informação da RTP, os jornalistas dizem que «não é de hoje, nem de ontem, a evidente falta de recursos a que nós temos estado sujeitos».
Só que, na ata da reunião do Conselho de Redação da RTP, a que o Nascer do SOL teve acesso, é referido que a Direção de Informação «questionou se havia espaço para negociação ou discussão sobre a manutenção da jornalista na RTP e a própria negou essa possibilidade, dando a decisão como tomada». 

E, ao contrário do que afirmam os jornalistas do programa de investigação, a Direção de Informação da RTP diz que «nunca recebeu qualquer pedido da equipa do Sexta às 9 para uma reunião», acrescentando que, a 13 de outubro, «houve, pela primeira e única vez, uma sugestão da coordenadora para que os restantes elementos do programa participassem». «Foi entendimento da Direção de Informação que essa reunião deveria ser apenas com a coordenadora e que uma conversa mais alargada poderia ser posterior», lê-se ainda.

O Nascer do SOL sabe que a equipa do Sexta às 9, incluindo a sua coordenadora, pediram várias vezes mais recursos para o programa mas que nunca tiveram resposta positiva. Essa terá sido também a resposta dada por Carlos Daniel e António José Teixeira em outubro, última vez que foram pedidos recursos. No entanto, no comunicado do CR percebe-se que a Direção de Informação afirma que a equipa tem os mesmos cinco jornalistas de quando começou.

 O Nascer do SOL sabe que a Direção de Informação da RTP sempre esteve avisada da falta de recursos do programa de investigação mas nunca fez nada para o mudar. Foi então há duas semanas que Sandra Felgueiras anunciou a sua saída, tendo apresentado a sua demissão formal ao Conselho de Administração na semana passada. 
O que acontecerá à equipa de Sandra Felgueiras não se sabe mas o nosso jornal sabe que a direção de informação está a chamar individualmente cada um dos jornalistas da equipa. 

Refira-se que pouco depois de o Nascer do SOL ter divulgado a carta da equipa de Sandra Felgueiras, João Paulo Batalha, antigo presidente da Transparência e Integridade, partilhou a notícia no Twitter onde comentou: «É oficial. Se a RTP não morre de morte morrida, morre de morte matada». Na opinião de João Paulo Batalha, a direção de informação da estação pública «vê triunfar um boicote de vários anos ao jornalismo de investigação», deixando morrer um dos seus programas mais vistos. E não tem dúvidas: «Escusa a RTP de anunciar um renovado formato. Se tivesse interesse no jornalismo de investigação, teve muitos anos para investir nele», diz, acusando: «Isto é o que acontece quando se põe carreiristas, em vez de jornalistas, a liderar redações. Com salários pagos pelo contribuinte».

Nos corredores do canal público comenta-se que o novo programa de investigação poderá ser conduzido por Cândida Pinto, a ex-diretora adjunta demitida, mas que nunca saiu da RTP. Curiosamente, a jornalista que mais ‘antipatizava’ com Sandra Felgueiras, segundo alguns jornalistas da casa. Quanto ao futuro da ex-coordenadora do Sexta às 9 irá passar pela Cofina. Na Sábado e na CMTV.