O senhor que se segue…

A dificuldade de Costa falar em maioria absoluta não será estranha ao facto de Sócrates o ter acusado, em agosto de 2019, de ‘diabolizar’ esse passado…

A menos de um mês das eleições antecipadas, a campanha eleitoral elegeu as televisões como púlpito privilegiado para persuadir os portugueses da bondade das teses que cada um dos partidos preconiza, sem grande novidade.

Com um calendário recheado de ‘frente-a-frentes’, as arruadas foram substituídas, com vantagem, pelos estúdios, e as televisões ganham em ‘tempo de antena’ o que poupam em programação.

Entre as primeiras novidades, ainda na fase de pré-campanha, os eleitores ficaram a saber que António Costa promete renunciar à liderança do PS caso perca as eleições, o que deixou ‘em pulgas’ o seu putativo ‘herdeiro’, Pedro Nuno Santos, a quem já vaticinou um futuro promissor como primeiro-ministro, maquiavelismo com o qual conta assustar os portugueses.

O objetivo é óbvio e consiste em convencer os indecisos a dar-lhe os votos suficientes para garantir a maioria absoluta, se já tiverem perdido completamente a memória de que foi o desastre, de qual fez parte, com essa maioria no tempo de Sócrates.

A dificuldade de Costa falar em maioria absoluta não será estranha, também, ao facto de Sócrates o ter acusado, em agosto de 2019, de ‘diabolizar’ esse passado, escrevendo na altura este mimo: «Nunca me ocorreu vir a encontrar-me na desconfortável situação de ter que recordar a alguém que o governo que agora maldiz foi, afinal, um governo no qual participou».

Evocada esta deliciosa querela, o que é original no primeiro ministro, é a sua disponibilidade para ‘abandonar o barco’, se for derrotado nas urnas, quando em 2015 fez exatamente o contrário, ao ‘trepar ao muro’, inventando a salvífica ‘geringonça’.

O certo é que, com esse ‘flic-flac’, Costa trouxe os adversários de sempre para a órbita do ‘arco da governação’, à qual se afeiçoaram depressa, perante as benesses do poder.

Com tal artificio, Costa evitou o fim da carreira e o país enterrou-se mais, numa estabilidade ‘faz de conta’, e sob os auspícios de temas caros às esquerdas comunistas, desde a ideologia do género à eutanásia. 

Comemoram-se os 20 anos da moeda única na Europa e, por alguma razão, ao celebrar-se a efeméride, verifica-se que Portugal – que aderiu ao euro no primeiro grupo –, é o terceiro país que menos cresceu. Em média, 1,1%. Piores só a Itália e a Grécia. 

Em contrapartida, no mesmo período, a Irlanda, que entrou no euro connosco – e viveu, também, uma crise financeira séria por causa da banca – cresceu 5,2% em média. Uma diferença abissal.

Embrulhados na ‘geringonça’, impingiram-se fantasias e meias verdades, como se tudo corresse às maravilhas, até que os parceiros se desentenderam, e rejeitaram o último Orçamento, para desgosto de Marcelo Rebelo de Sousa, que tudo fizera para que não rompessem.

Se o eleitorado quiser penalizar os principais responsáveis pelo crescimento anémico do país, e as razões do afundamento do poder de compra, terá agora uma soberana oportunidade para fazer sentir o seu descontentamento. 

É verdade que a alternativa não é muito estimulante, mas, talvez, Rui Rio seja melhor a governar do que a liderar a oposição, da qual esteve quase sempre ausente. Pelo menos, não assistiremos ao filme do costume, com a repescagem de atores ‘socráticos’.

Talvez receoso, Costa desdobra-se, promete o céu e a lua, e atribui-se o mérito do novo salário mínimo, exorbitando das funções cometidas a um governo de gestão. Até se permite, pela calada, proceder a várias nomeações e a mudanças na chefia da Armada – com a complacência de Belém –, como se nada tivesse acontecido.

Já Marcelo Rebelo de Sousa terminou um ano pródigo em intervenções, no seu jeito de ‘comentador’, e entrou em 2022 com um discurso eivado de lugares comuns, desde o clássico «virar a página» da crise pandémica à variante «podemos fazer muito e muito mais». Não estava inspirado.

Aparte os discursos institucionais, Marcelo debruçou-se, quase diariamente, sobre tudo o que ‘mexe’, antecipando-se, até, aos especialistas, ao prever o fim da pandemia, embora os recordes diários de novos infetados pareçam contrariá-lo. 
De facto, se não fossem as vacinas, estaríamos a braços com uma situação ainda mais dramática, provocada por este «vírus relativamente bonzinho», no dizer benevolente da cientista Maria Mota, o qual já ‘assinou’ perto de 19 mil óbitos em dois anos. Dá que pensar.

Fez-se tudo o que poderia ter sido feito? Com a DGS convertida em comissariado político, não admira que o seu comportamento nesta epidemia seja fértil em lapsos e em medidas contraditórias. 

Mas se alguém falar em desnorte da DGS, fica logo ‘carimbado’ como ‘negacionista’, anátema que recai com frequência sobre quem aponta o dedo aos abusos. 

O país decidirá ‘o senhor que se segue’. Se o eleitorado, apesar de avisado, preferir mais do mesmo, depois não se queixe…