Rega com água reciclada avança

Maior investimento está previsto para o Algarve, mas também em Lisboa, sabe o Nascer do SOL, vai  começar reaproveitamento de 1200 m3 de águas residuais na rega do Parque das Nações.   

Com a preocupação da escassez de água na ordem do dia, e a atual seca a confirmar a necessidade de mudança de paradigma na gestão de água no país, estão a ganhar pressão projetos para o reaproveitamento de águas residuais no país.

No Algarve, onde atualmente apenas dois dos 40 campos de golfe são regados com água proveniente de Estações de Tratamento de Águas Residuais – o campo dos Salgados e o da Quinta do Lago – há planos para passar, até 2025, de uma utilização de 1 hectómetro cúbico para 8 hectómetros cúbicos de aproveitamento de águas residuais para regra e limpezas, prevendo-se que o aproveitamento de água reciclada na região duplique já a partir do mês de julho.

Mas um dos projetos mais simbólicos está previsto arrancar na primavera na capital, sabe o SOL: o Parque das Nações vai começar a aproveitar 1200 m3 de águas residuais tratadas para a rega de jardins, um projeto que implicou a construção de condutas próprias e arrancou em 2019, numa colaboração entre a autarquia e a Águas do Tejo e Atlântico. Em novembro, a empresa revelou estar a preparar a transformação das mais de 100 estações de tratamento de águas residuais (ETAR) que possui em fábricas de água, com tratamentos diferentes para cada uso, de regar à lavagem de estradas. 

Novas medidas a sul para poupar água

Esta semana tiveram lugar reuniões das subcomissões regionais de albufeiras do Algarve e Alentejo e, além da gestão da crise de escassez de água diante do cenário de seca extrema nestas duas regiões, nomeadamente condicionamentos à regra e captações de água, este foi um dos temas em cima da mesa, com a recomendação da continuação de implementação de soluções de utilização de Água para Reutilização (ApR), que podem ser aplicadas em rega, lavagem de pavimentos, combate a incêndios e outros usos paisagísticos. 

No Algarve, a reunião da APA juntou mais de uma centena de participantes e concluiu pela necessidade de acompanhamento semanal da situação, com medidas mais incisivas sobre a albufeira da Bravura, a 12% da capacidade, e reservada apenas para abastecimento público.

Já a nível camarário, ficou previsto o condicionamento de rega de espaços verdes e paragem de abastecimento de fontes de água decorativas que não tenham circuitos fechados. Segundo o SOL apurou, a proibição de enchimento de piscinas, que poderá vir a colocar-se no verão se a situação não melhorar, não foi para já recomendada.

Já no Alentejo, a albufeira de maior preocupação é Monte da Rocha, usada para irrigação, e que estando agora a 15% da capacidade vai ser reservada apenas para abastecimento público e rega de culturas perenes como o olival. O Alqueva, que neste momento não regista problemas nas reservas de água, dá um balão de oxigénio à região. Na reunião, o vice-presidente da APA, José Pimenta Machado, falou do projeto para ligar o Alqueva ao Monte da Rocha, o que se vai concretizar em 2023, aliviando a situação nesta albufeira, que historicamente entra em níveis críticos.

Entretanto o Governo já anunciou que cinco milhões de euros do fundo ambiental serão destinados a campanhas de sensibilização e soluções de contingência que venham a ser necessárias no âmbito da seca, como o abastecimento em camiões cisterna, para já apenas pontual. Reduzir as perdas nas infraestruturas hidráulicas e nas redes de distribuição, no Alentejo com intervenções previstas na barragem de Morgavel e na barragem de Monte Novo, são outras promessas.

Barragens sobem devagar

Depois destas primeiras reuniões, segue-se, dia 9 de março, a reunião da subcomissão Centro – Tejo, onde Castelo de Bode é uma das preocupações. Dia 10 terá lugar a reunião da subcomissão Norte, pela primeira vez com uma seca mais preocupante, e dia 16 a reunião do Centro – Vouga, Mondego e Lis. Só depois, numa data que ainda não foi tornada pública, vai reunir-se a comissão permanente de seca, que como o i noticiou esta semana, deverá prolongar a suspensão de produção de eletricidade nas cinco barragens da EDP onde foi interdita no início de fevereiro.

Isto porque não se prevê que a cota venha a subir para os níveis históricos nos próximos meses e o cenário traçado pelo IPMA, e revelado ao i, é mesmo de que mais de metade do país venha a estar na situação de seca extrema na primavera. Prevê-se chuva para março e abril mas com défices e teria de chover mais do que choveu desde outubro para a situação se inverter. E anos com chuva acima do normal têm sido cada vez mais raros: nos últimos 20 anos, 11 foram considerados pelo IPMA como anos secos.

As barragens onde a 1 de fevereiro parou a produção hídrica estão agora a recuperar ligeiramente o nível da água, mas ainda longe dos valores normais. Castelo de Bode, que baixou para 58% da capacidade este mês, subiu de uma cota mínima de 106,12m no dia 13 de fevereiro para 106,41 esta quinta-feira, um total de 29 centímetros, quando terá de recuperar pelo menos 10 metros. E apesar desta recuperação, continua no nível mais baixo desde 2001. 

A cota mínima estabelecida pela APA e que garante o abastecimento de água por dois anos de três milhões de pessoas Lisboa é de 106 metros, pelo que desceu perigosamente nas últimas semanas, o que só começou a inverter-se quando a Agência Portuguesa do Ambiente reviu para um quinto o caudal ecológico a 12 de fevereiro, após o Nascer do SOL ter noticiado que a EPAL tinha feito um novo alerta à APA sobre o nível da água numa barragem supostamente em alerta estar a descer mais do que esperado face ao consumo.

APA justifica com lampreias e enguias 

Esta semana, a Agência Portuguesa do Ambiente esclareceu que a decisão de redução do caudal ecológico foi tomada tendo em conta o período de subida de lampreias e enguias, em janeiro e fevereiro, o que levou a que a redução não tivesse sido logo tão elevada como a que agora se verifica, para a casa dos 3 m3/s. Caso a situação meteorológica não se altere para melhor, o caudal para o rio poderá manter-se nestes níveis mínimos até abril, esclareceu esta semana ao SOL a Agência Portuguesa do Ambiente.

«Depois será novamente reavaliado considerando as necessidades das espécies», diz a APA, que no caso da interdição de produção hídrica nas albufeiras não se compromete com datas: «Atendendo à baixa reposição dos volumes armazenados nas albufeiras devido aos valores de precipitação, significativamente abaixo da média, observados e para garantia dos volumes necessários para os usos prioritários foi condicionada a produção de energia em cinco barragens. Com a evolução da situação, serão reavaliadas as medidas».

Segundo o Nascer do SOL apurou, a próxima reavaliação será mesmo na reunião da comissão permanente de gestão de albufeiras, sem data certa, mas que será só depois de 16 de março, mas na APA não se antecipa luz verde à retoma de produção hídrica nos próximos meses, não estando descartadas além disso futuras restrições ao uso de albufeiras caso a situação não melhore. 
O cenário é mesmo de que até ao final do atual ano hidrológico, que cessa no fim de setembro, as barragens não vão recuperar o suficiente, o que se atribui também ao facto de nos últimos anos ter havido precipitação abaixo da média, que dá menos folga nas albufeiras. No caso de Castelo de Bode, a ligação ao Cabril dá uma ajuda a manter os níveis, mas mesmo para utilizações lúdicas pinta-se um verão muito complicado, além do risco elevado de incêndios poder voltar a ser muito problemático pelo nível de secura da vegetação. Analistas que seguem a área olham para o mapa da Ibéria e questionam em que estação do ano estamos mesmo.

Segundo o último balanço do IPMA, 91% do território está agora em situação de seca extrema ou severa, o dobro do fim de janeiro. O nível de precipitação nos primeiros 15 dias de fevereiro foi 7% do normal, tendo, desde que começou o ano hidrológico, chovido apenas 39% do histórico, o que faz deste o segundo ano hidrológico mais seco desde 1931, confirmou ao i o Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

Os níveis de precipitação acumulada estão agora abaixo de 2005, ano em que se viveu a pior seca desde que há registos, por não ter chovido muito mais na primavera. Nas mãos de um clima em mudança, se o país irá de vez adaptar-se mais do que tem feito até aqui é a incógnita.