Duração da guerra vai definir consequências

OCDE reviu em baixa o crescimento, assim como o fez o CFP para Portugal. Consequências podem ser ‘severas’ mas ainda é ‘prematuro’.

Uma coisa é certa: a invasão russa na Ucrânia trará consequências económicas a nível mundial, e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) prevê que o conflito vá reduzir o crescimento da economia mundial em um ponto percentual com a inflação a aumentar 2,5 pontos. Valores nada animadores que se estendem também à Europa, onde a OCDE espera uma quebra de 1,4 pontos no crescimento e um crescimento da inflação em 2 pontos.

Os números não surpreendem o analista da XTB, Henrique Tomé, que diz ao Nascer do SOL que «já era expectável que as previsões sobre o crescimento económico fossem revistas em baixa, dado o atual clima de incerteza instalado desde o início da invasão russa na Ucrânia».

O analista lembra ainda que esta guerra «tem provocado um encarecimento dos preços de várias matérias-primas». É que, além dos produtos energéticos, também tem existido um aumento dos gastos a nível de armamento militar.

«No caso de o atual cenário de guerra se prolongar durante mais tempo (ou até mesmo se a situação se agravar), então poderá trazer consequências económicas ainda mais severas, colocando em risco o crescimento económico, mas por enquanto ainda é prematuro avançar com este cenário», diz ao nosso jornal.

A par da revisão em baixa do crescimento está também revista em alta da inflação. «O encarecimento dos preços de várias matérias-primas, como os produtos energéticos, cereais e metais industriais, por exemplo, deverá agravar ainda mais os níveis de inflação, sobretudo na Europa», avança Henrique Tomé, acrescentando que «em resposta ao aumento generalizado dos preços, podemos vir a assistir a políticas monetárias mais restritivas a fim de travar esta tendência de crescimento da taxa de inflação que se tem registado ao longo dos últimos meses».

Para os bancos centrais, diz, o desafio «passará por dosear as medidas que serão aplicadas (por exemplo, aumentos sobre as taxas de juro) de maneira a que não comprometam ou provoquem um choque no crescimento económico». 

Taxas de juro

Recentemente, o Banco de Inglaterra subiu a taxa de juro para 0,75%, regressando a níveis pré-pandemia. A anterior taxa era de 0,5%, depois de um aumento anunciado na reunião de fevereiro. Esta é, portanto, a terceira subida consecutiva da taxa de juro feita por este banco central. Mas não foi só. Também a Reserva Federal dos EUA (Fed) aumentou na quarta-feira as taxas de juro em 25 pontos base para um intervalo entre 0,25% e 0,50%, realizando o primeiro aumento desde 2018.

Questionado sobre se o Banco Central Europeu terá de seguir esta tendência, o analista da XTB, diz que, apesar da presidente do BCE, Christine Lagarde, ter afastado essa possibilidade, «é possível que possamos assistir a aumentos sobre as taxas de juro ainda este ano, mas não ao ritmo da Fed ou do Banco de Inglaterra». E lembra que durante a última reunião do BCE, Lagarde disse que pretendia terminar com os programas de compra de ativos antes de dar início ao aumento das taxas de juro (semelhante ao que a Fed fez). «Contudo, o clima de incerteza continua a ser um fator de risco que poderá condicionar a condução de novas políticas monetárias», acrescenta.

A economia portuguesa

A guerra levou também a que o Conselho das Finanças Públicas revisse em baixa o crescimento nacional. A entidade liderada por Nazaré Costa Cabral cortou a previsão do PIB para 4,8% este ano que, num cenário adverso pode cair para 3,5%.

«Dos países da Zona Euro, Portugal poderá ser dos países mais afetados se começarmos a assistir a uma transição nas políticas monetárias por parte do BCE», defende Henrique Tomé, garantindo que os países mais endividados, como é o caso de Portugal «não se podem dar ao ‘luxo’ de ter, neste momento, uma quebra no crescimento do PIB, pois poderá traduzir-se em consequências económicas severas que podem provocar um cenário de recessão no país, se começarmos a assistir a uma contração da economia».

Em relação às exportações, o CFP espera um abrandamento para 10,4% em 2022 e para 5,5% em 2023, bem como uma trajetória de diminuição gradual da criação de emprego, de 1,1% em 2022 até 0,1% até ao final de 2026. Já a taxa de desemprego deve diminuir de 6,4% da população ativa em 2022 até 5% em 2026.

«O mercado laboral em Portugal tem recuperado e espera-se que continue estável para os próximos tempos, apesar do clima de incerteza em torno da guerra no leste da Europa», diz Henrique Tomé, que considera que também as exportações «deverão continuar a recuperar, uma vez que os constrangimentos nas cadeias de distribuição têm vindo a ser aliviados». E atira: «Dado que Portugal não tem uma relação muito estreita com a Rússia, está longe de ser o país mais prejudicado com as atuais circunstâncias».

Revisão

O Governo já admitiu uma revisão ao Orçamento do Estado mas, numa altura tão incerta, será possível que o país cresça para níveis pré-pandémicos? «Nesta fase é difícil avançar com previsões a longo prazo, porque ainda existe muita incerteza no mercado devido às tensões no leste da Europa», começa por defender o analista da XTB. «Mas a verdade é que o país tem crescido de forma muito modesta ao longo dos últimos anos. Por isso, os níveis pré-pandémicos não são assim tão ambiciosos e continuam a ser metas possíveis», acrescenta, reforçando, no entanto, o facto de ser difícil fazer projeções neste momento.