Os “cínicos”, os “tolos” e os “idiotas úteis”

Sejam ‘cínicos’, ‘tolos’ ou ‘idiotas úteis’, todos colocam em causa o nosso modelo de Estado de Direito Democrático e, naturalmente, a nossa segurança

Nas últimas décadas, na relação da União Europeia com a Rússia, podemos distinguir três classificações de figuras políticas, das quais era bom que as sociedades ocidentais se vacinassem, com vista ao futuro: os ‘cínico’, os ‘tolos’ e os ‘idiotas úteis’.

No primeiro grupo, dos ‘cínicos’, enquadram-se as figuras políticas europeias de relevante dimensão política/executiva que, de certo modo, prostituíram o interesse nacional dos seus países e, naturalmente, o interesse europeu, à Rússia.

Entre estes políticos, encontramos destacados Gerhard Schröeder e François Fillon, ex-chefes de governo da Alemanha e França, respetivamente, os quais, após saírem do governo, acabaram a trabalhar, e a ser parceiros (como no caso do célebre gasoduto Nordstream 2), das empresas de hidrocarbonetos russas.

Sabemos da dependência energética da UE em relação à Rússia, que gerou fragilidade política e retirou autonomia estratégica à União, e sabemos que foram decisões executivas que geraram esta situação. Ter sido possível tolerar tal dependência e tal promiscuidade roça o pornográfico. 

As democracias vivem de liberdade e pluralidade, mas não há como não sentirmos o embaraço do comportamento daqueles agentes políticos.

Os ‘tolos’ são aqueles que, por razões ou complexos ideológicos, ou por distorção profunda de como o mundo se organiza, defendem ou promovem ideologias absolutamente ao lado da realidade. Entre estes exemplos encontramos académicos e políticos – normalmente vindos da esquerda radical ou dos seus aliados – que, por exemplo, vêm defendendo a extinção da NATO. Sob a capa de um pacifismo generoso, interpretam o mundo não a partir da realidade, mas a partir da utopia da ‘ilha de paz’.

Percebemos, nas últimas semanas, que a NATO é a barreira que se opõe à prepotência no leste europeu, e do risco em que estaríamos mergulhados se esta não existisse. Sem este manto de segurança, há muito que estaríamos sujeitos à prepotência do forte não democrático. 

O ‘idiota útil’, nesta classificação, integra os políticos dos populismos iliberais que, na última década, têm crescido na UE e nos EUA. Sabe-se, há algum tempo, que a Rússia tem vindo a financiar estes partidos, com o objetivo de fragilizar as democracias ocidentais e, com isso, ir minando a afirmação do modelo demoliberal. 

Se, inicialmente, esta política russa foi vista com bonomia pelos ditos partidos de governo, menosprezando a sua real capacidade de minar o modelo (e até, como vimos, por que muitos políticos do centro eram ‘cúmplices’ da liderança russa), a verdade é que, paulatinamente, foram ocupando cargos governamentais e colocando em causa o modelo demoliberal.

São exemplos de ‘idiota útil’ figuras como Viktor Orbán, Matteo Salvini, Marine Le Pen ou Nigel Farage, grande parte deles parte do grupo Identidade e Democracia, formado para agregar estas forças políticas e do qual também faz parte o Vox, de Espanha, e o Chega.

Sejam ‘cínicos’, ‘tolos’ ou ‘idiotas úteis’, todos colocam em causa o nosso modelo de Estado de Direito Democrático e, naturalmente, a nossa segurança. Sabemos que, em política, há muita falta de memória, mas, convém não esquecer que, ainda que nós toleremos os inimigos da democracia, estes não nos toleram, apenas aguardam uma nova oportunidade.