Patrões querem menos impostos, partidos falam em austeridade

Parceiros sociais garantem que problema da inflação não é resolvida com aumentos de salários e defendem redução da carga fiscal que não está prevista no documento. Também os partidos são unânimes em garantir que medidas não respondem às necessidade do país.

“Não podemos ser cegos e pensar que o problema da inflação se resolve com o aumento de salários”. A garantia foi dada pelo presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) que esteve reunido em Concertação Social para discutir o Orçamento do Estado para 2022. De acordo com António Saraiva, a falta de poder de compra das pessoas é semelhante ao problema das empresas perante o “exponencial aumento das matérias-primas, na escassez da mesma, nos elevados custos energéticos”. E deixou um alerta: “É na nossa produtividade e no nosso crescimento económico que assenta a sustentabilidade dos salários”, precisou, afirmando: “Se vamos atrás da inflação para subir os salários, não a conseguimos controlar, apenas a potenciamos”.

Apesar de aplaudir as medidas de mitigação do impacto da subida dos custos da energia e agroalimentares (ver páginas 4/5) e depois de afirmar que são “bem-vindas”, o patrão dos patrões reconhece que não evitam o “exponencial aumento de custos”, sendo necessário procurar mais respostas. “Estamos conscientes das dificuldades e da necessária sustentabilidade das contas públicas, não estamos aqui a pedir apoios cegamente, estamos a pedir que o Governo português, à semelhança de outros Estados-membros, tenha em atenção esta dimensão da situação para que possa minorar o mais possível”, afirmando esperar que o documento possa trazer novas respostas.

Também o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) defendeu que o Governo tem de baixar a fiscalidade às empresas face ao atual cenário económico e também defendeu que o problema da inflação não se resolve com o aumento de salários. João Vieira Lopes disse ainda que as “explicações” dadas pelo ministro das Finanças foram “genéricas” e “não adiantaram muito”. Apesar de considerar que as medidas “são positivas”, o responsável diz que é preciso ver o “detalhe” e como as medidas vão impactar determinados setores. “Tendo em conta a gravidade da situação que se vive em termos de economia este ano, temos de ter um Orçamento agressivo em termos de fiscalidade que permita às empresas arrancarem. Há neste momento um risco real de perda de poder de compra com a inflação”. E foi mais longe: “As empresas, em especial as PME e as microempresas, não têm capacidade de acompanhar a inflação em termos de aumentos salariais, estão a aumentá-lo mais do que nos anos anteriores mas não é suficiente, e o Governo tem de fazer a sua parte em termos de fiscalidade, seja fiscalidade para as empresas, seja fiscalidade em termos de IRS”, afirmando que, neste campo, não são claras as opções do Executivo e que irão ser apresentadas no documento.

O responsável partilha a mesma posição de António Saraiva ao garantir que o problema da inflação não se resolve com aumento dos salários, tendo em conta que a maior parte das empresas não tem capacidade para aumentar salários ao nível da inflação. “O grande tecido empresarial em Portugal são empresas de pequena e média dimensão, cabe ao Estado, na nossa opinião, favorecer fiscalmente as empresas para poderem resistir a esta situação e também investir na baixa de impostos para os cidadãos”, salientou.

 

Cartão vermelho repete-se As críticas também se fizeram ouvir da esquerda à direita. Falou-se em austeridade, desconhecimento e medidas que não respondem às necessidades do país. Paulo Mota Pinto, líder parlamentar do PSD recém-eleito não saiu propriamente contente do encontro, apresentando-se aos jornalistas, na Assembleia da República, certo de que, com esta nova proposta de Orçamento do Estado, estaremos perante um “regresso encapotado da austeridade”. “Vai haver uma diferença nos cenários e no conteúdo da proposta do Orçamento do Governo, em relação ao que foi apresentado e aprovado, com uma revisão em baixa do cenário económico”, revelou. Se bem que é de entender “que o Governo queira evitar a espiral inflacionista”, defendeu Mota Pinto, “no fundo, há um regresso encapotado da austeridade pela previsível perda de rendimentos designadamente dos salários da função pública”, acusa. Mota Pinto apontou ainda o dedo ao Governo por “não saber” quão temporário é o fenómeno “temporário” da “inflação que estamos a ver provocada pelos preços da energia”, que o líder parlamentar do PSD diz continuar a ser a convicção do Executivo socialista.

‘Austeridade’ foi uma das bases das declarações de André Ventura, líder do Chega, que acusou o Governo de se manter passivo relativamente a determinados assuntos. “O Governo continua a não mexer nas taxas fundamentais de imposto, sobretudo no IVA. […] Entendemos que o Governo não tem feito o esforço que deveria fazer nessa matéria”, acusou, mostrando-se incerto sobre o objetivo marcado pelo Governo para o défice: 1.9%. “Vamos ver se é cumprido”, disse, argumentando tratar-se de uma “revisão em baixa desse valor”. Ventura comentou ainda as palavras de Paulo Mota Pinto, defendendo: “Uma coisa é o que nos foi transmitido lá dentro, e aí não nos foi dito que vinha aí austeridade nem que vinha aumento dos impostos, outra coisa é a sensação com que ficamos da análise das palavras do ministro nos diz e o que sinto é que vem aí uma certa dose de austeridade.”

À esquerda, o maioritário PS mostra-se, no entanto, confiante que o Governo avançará com ações para controlar o aumento de preços no país, de forma a “proteger os rendimentos” dos portugueses, afastando as nuvens da augurada austeridade. Palavras de Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar do PS que, após reunir com o Executivo rejeitou que o país esteja prestes a entrar num novo período de austeridade, e justificou: “A proposta de Orçamento inclui medidas que protegem os preços. Protegendo os preços, em particular os da energia e do agroalimentar, estamos a proteger o rendimento das famílias.” E disse ainda: “As pensões vão aumentar, os salários da administração vão aumentar também na linha e na trajetória prevista na proposta de Orçamento para 2022 que foi chumbada no Parlamento”.

Mas nem todas as vozes da esquerda soaram em uníssono. O Bloco de Esquerda, através do seu líder parlamentar, Pedro Filipe Soares, recusou-se a falar em ‘austeridade’, preferindo utilizar o termo “corte do poder de compra”. “A inflação com o aumento galopante que está a ter, em particular nos serviços e bens essenciais, é um corte no poder de compra das famílias, é um corte nos salários e nas pensões. E o Governo não agir sobre esta matéria é para nós algo incompreensível”, criticou o bloquista, que, novamente questionado pelos jornalistas sobre a eventual austeridade em que o país poderá passar a viver, reiterou: “Mais claro do que fui é impossível, há um corte de poder de compra.”

Os comunistas, por sua vez, acusaram a proposta de não responder aos problemas centrais do país, defendendo, pela voz da líder parlamentar Paula Santos, a “necessidade urgente de aumentar os salários e as pensões para melhorar as condições de vida”, travando ao mesmo tempo o aumento do custo de vida.

Já João Cotrim Figueiredo, líder parlamentar da Iniciativa Liberal revelou-se, acima de tudo, frustrado, lamentando: “Se há inflação e medidas anunciadas a pergunta é óbvia onde é que se vai cortar e não obtivemos resposta sobre isso.”

Nas reações pós-encontro com o Governo houve todo o tipo de augúrios de austeridade. Desde a “austeridade encapotada” até à “perda de poder de compra”, e o PAN acrescentou mais uma: a “eventual austeridade”. Inês Sousa Real, deputada única do partido, disse que estamos “de facto perante um contexto difícil em que o Governo de alguma forma está a levar-nos para um caminho de eventual austeridade”. “Isto com as cativações ou austeridade, podemos chamar aquilo que quisermos, mas a verdade é que são anos difíceis”, continuou.

Rui Tavares, deputado único do Livre, limitou-se a revelar aos jornalistas que iria apresentar propostas de alteração à proposta de Orçamento do Estado para 2022, esperando “ter sinais políticos e garantias políticas que essas medidas na especialidade serão consideradas pelo seu mérito”.