Roubo de catalisadores está na ‘moda’ e gera milhares de euros

Há dois meses, Carlos entrou no carro ao fim de um dia de trabalho e assustou-se com o barulho forte produzido pelo motor. Já alertado para o roubo de catalisadores, percebeu o que lhe havia acontecido. Não é a única vítima deste crime: só no ano passado foram roubados mais de dois mil catalisadores.

“O carro estava estacionado ao pé do Aeródromo Militar de Lisboa (Figo Maduro), num lugar pago, e o roubo aconteceu entre as 12h e as 16h. É uma rua com imenso movimento, estavam dezenas de carros estacionados, mas estas pessoas têm esquemas. Um vigia a esquina da rua, outro mete-se debaixo do carro e levanta-o com um macaco, corta o catalisador com uma rebarbadora… Fazem isto durante o dia porque é mais fácil com o ruído de fundo”, começa por narrar Carlos (nome fictício) ao i. Além dele, pelo menos mais oito colegas de trabalho foram vítimas do mesmo crime.

“Apresentei uma queixa na Polícia Judiciária e, esta semana, recebi uma notificação do tribunal por supostamente não haver provas… Não têm muito por onde investigar. Recentemente, estavam a furtar o catalisador a um colega meu, ele veio cá fora e viu. Foi a correr atrás do fulano, que ainda fugiu a correr, ainda se cortou, deixou o macaco e vestígios de sangue, danificou o carro. Nesse dia, a polícia foi lá, recolheu os vestígios, mas diz que é um crime menor, que não acontece nada a estas pessoas e que são reincidentes”, lamenta o homem cujo catalisador foi roubado há dois meses.

“Na minha opinião, o problema principal é não perseguirem quem faz a recetação. Aquilo que entendi é que este material é reaproveitado por ter ródio e platina lá dentro, pois têm valores astronómicos. Furtam aquilo e vão vender a um terceiro que, por sua vez, junta aquilo em contentores e envia-o para vários países para transformar em metais preciosos. Isto é aquilo que sei por ter investigado. Acho que investiguei bem mais do que as autoridades”, sublinha. “Já foram apanhadas várias pessoas em flagrante e as autoridades já tinham tempo para saber quem são estas pessoas e detê-las”, acrescenta.

“Sinceramente, acho que aquilo requer um conhecimento mínimo de mecânica. Até têm uma aplicação no telefone que lhes dá logo informações sobre o valor do carro e, especificamente, do catalisador. O Toyota Prius, o modelo do meu antigo carro, tem uma percentagem alta de metais preciosos no catalisador, o equivalente a 2100 euros”, confessa a vítima que optou pela compra de outro veículo por temer o prejuízo futuro que teria.

“Nesse dia, saí do trabalho às 18h, fui tentar resolver o problema do carro. Precisava dele para ir trabalhar no dia seguinte. Eu trabalho num canal televisivo e, há um ano, fizemos uma reportagem sobre o furto de catalisadores na Margem Sul. É uma desgraça naquele lado. Durante muito tempo, o problema estava nas zonas socialmente mais desfavorecidas, mas agora está em todo o lado porque há uma impunidade total”, afirma, com assertividade. E lamenta a falta de vigilância. “Até nos parques de estacionamento as empresas não se responsabilizam. Mesmo nos parques fechados”.

“O meu carro era muito bem reputado porque tem boas especificações técnicas, é robusto, e agora… Está a desvalorizar por ser um alvo fácil para os ladrões. Andam sempre com uma mochila às costas a fingir que são estudantes para que ninguém desconfie deles”, revela. Acabou por conversar com contactos que tem no ramo automóvel depois de a Toyota lhe ter pedido 2.200 euros por um catalisador novo. Conseguiu um por um preço muito mais reduzido mas, por ter chegado à conclusão de que não valeria a pena continuar a correr riscos, apostou num carro elétrico e está a vender o catalisador online.

“Até 2012, os catalisadores eram feitos com metais preciosos e dava para partir as partículas. Por isso é que os alvos são sempre carros mais velhos. Isto agravou-se com o surgimento da pandemia. Sinceramente, não entendo como é que a polícia ainda não pegou em dois ou três fulanos para saber a quem é que eles vendem os catalisadores. Há qualquer coisa que está a escapar, mas que virá a descoberto mais tarde”, continua.

Segundo a GNR, em 2020 foram roubados 173 catalisadores, um valor que subiu exponencialmente no ano passado, para os 2.035. No que concerne o ano presente, até agora foram furtados 651. Porém, o número de detidos não é coincidente: 11 em 2020, 70 em 2021 e 14 em 2022. “Alguém tem conhecimento de quem recebe e expede as coisas, mas continua sem vir a público. Há muita gente envolvida desde as pessoas que montam escapes, reciclam, fazem abates de carros… Muitas personagens nesta história! Toda a gente ganha dinheiro à conta da desgraça alheia”, avança Carlos, visivelmente consternado.

“Enquanto continuar a ser tratado como um furto menor, isto continuará a acontecer. Até já é um crime da moda porque as pessoas sabem que nem sequer vão ser presas. É como se tivessem roubado uma maçã num supermercado. Acontecem muitas coisas no nosso país e temos de conviver alegremente com a falência do nosso sistema judicial. Se estivermos a falar de homicídios e outros crimes igualmente graves… O que farão eles?”, questiona.

 

O que é e para que serve?

Responsável por converter as substâncias nocivas libertadas em substâncias inofensivas antes de serem libertadas para a atmosfera, o catalisador é uma peça fundamental num automóvel. Sem catalisador, não há como neutralizar a prejudicialidade do monóxido de carbono, dos óxidos de azoto e dos hidrocarbonetos que expelidos pelo tubo de escape.

Porquê roubar esta peça? O principal motivo é óbvio: o seu elevado valor.

O objetivo, depois, será vendê-los a oficinas ou a sucateiros ‘menos sérios’. E é preciso também ter em conta que esta peça contém metais com um grande valor de mercado.

Nuno Mello, analista da XTB, nota que o número de casos de furtos de catalisadores de automóveis e filtros de partículas tem crescido. E explica: “Estas peças têm na sua composição metais preciosos ou semipreciosos como a platina, o paládio ou o ródio”. Metais que também valorizaram nos últimos tempos: “A platina e o paládio tiveram uma valorização tremenda no passado mês de março, mas é sobretudo o paládio aquele que mais sobe, com uma valorização superior a 28% desde o início do ano”, detalha o analista ao i.

Já o ródio é o metal mais caro do mundo e, segundo a Bloomberg, o seu preço aumentou 31% em 2020, atingindo um novo máximo desde 2008. Uma onça (28,35 gramas), que há dez anos valia cerca de 1400 dólares (1300 euros), atualmente vale 19 mil dólares (17500 euros). Para se ter um termo de comparação, uma onça de ouro custa atualmente 1800 euros – ou seja, o ródio vale quase dez vezes mais.

à venda online Mas há forma de dificultar o trabalho dos criminosos, apesar de não ser 100% eficaz. Em lojas especializadas são vendidas as chamadas gaiolas, peças metálicas especialmente concebidas para proteger os catalisadores dos roubos. Esta peça faz com que o trabalho do ladrão seja mais demorado e a extração da peça seja mais difícil.

Se pesquisarmos por ‘catalisadores’ em plataformas de venda online, encontramos diversos resultados. Por exemplo, no OLX, se nos concentrarmos na zona da Grande Lisboa, encontramos o catalisador que Carlos colocou à venda naquela plataforma e muitos mais. Ainda que, em alguns anúncios, os vendedores escrevam descrições vagas como “Temos catalisadores multimarcas”, na maioria dos casos a marca e o modelo do automóvel aparecem logo no topo da descrição.

Mas tal abrange quase todo o país. De Norte a Sul, há dezenas de ofertas às quais qualquer curioso ou utilizador habitual do OLX pode aceder. E aos mais variados preços, estando, por exemplo, o de Carlos a 700 euros e alguns com um aspeto algo duvidoso a poucas dezenas de euros. Tal não é de estranhar, pois se consultarmos os variados comunicados da GNR, que chegam até às redações diariamente, chegamos a referências a catalisadores com facilidade.

A título de exemplo, a 14 de março, um homem de 35 anos foi detido por tráfico de estupefacientes e por posse de arma proibida em Almeirim, no distrito de Santarém. A detenção ocorreu durante uma investigação que visava a posse de “cães de raça potencialmente perigosa fora das condições legalmente previstas”, indicou a GNR.

“Os militares da Guarda encetaram diligências de investigação e deram cumprimento a um mandado de busca domiciliária, tendo sido detetado diverso produto estupefaciente” e vários materiais: 905 doses de MDMA; 348 doses de haxixe; 33 doses de canábis; 11 pés de canábis; cinco catalisadores de automóvel; três frascos de fertilizante líquido; uma pistola de alarme modificada para o calibre 6,35 mm; uma pistola de dardos tranquilizantes; 226 munições de diversos calibres; dois engenhos pirotécnicos; um sabre e ainda um telemóvel.

No dia seguinte, o detido, com antecedentes criminais por homicídio, esteve no Tribunal Judicial de Almeirim, tendo sido aplicada a medida de coação de “apresentações três vezes por semana no posto policial da sua área de residência, proibição de posse de armas e acompanhamento na Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência”.

A 25 de fevereiro, a GNR constituiu arguidos dois homens, de 30 e 41 anos, por furto de catalisador, na Autoestrada n.º 8 (A8), junto da localidade de Loures. Em comunicado, explicou que, na sequência de uma denúncia de um furto de catalisador, na localidade do Bombarral, os militares da GNR deslocaram-se rapidamente para a A8, “onde localizaram o veículo utilizado para efetivar o referido furto”.

No decorrer da ação a GNR efetuou uma abordagem ao veículo, que culminou na apreensão de um catalisador, uma máquina rebarbadora, sete discos de corte, uma chave inglesa e um veículo. Os suspeitos foram constituídos arguidos e os factos foram remetidos ao Tribunal Judicial das Caldas da Rainha.

Mas podemos recuar mais no tempo. Em junho de 2021, pelo menos cinco pessoas foram detidas numa operação da PSP levada a cabo em vários distritos, e que está relacionada com a prática dos crimes de furto e recetação de catalisadores e branqueamento de capitais. Uma fonte da PSP, citada pela agência Lusa, adiantou que a operação incluiu meia centena de locais de busca e que pelo menos cinco pessoas foram detidas.

A operação, denominada Carbono, visava residências de suspeitos dos furtos, sucateiras e outros locais “referenciados durante as investigações por comercializarem ilicitamente esses componentes, sob a forma de resíduos, provenientes de furtos das viaturas”, referiu a PSP, através de comunicado. “Desde o início de 2020, altura em que se verificaram as primeiras ocorrências, a PSP registou cerca de 2.600 furtos de catalisadores em todo o território nacional e uma aceleração deste tipo de crimes desde o início do desconfinamento”, lia-se na mesma nota.

 

Conselhos da GNR

Em fevereiro deste ano, devido às várias detenções por furtos de catalisadores, a GNR decidiu alertar os condutores, pedindo que evitassem estacionar em locais isolados ou de má iluminação e anotar os dados de veículos suspeitos e estranhos na zona.

“Caso se depare com uma situação de furto de catalisadores ou de peças de veículos, deverá contactar as autoridades o mais rapidamente possível, devendo, até à chegada destas, recolher o número máximo de elementos de informação possível”, pedem as autoridades.