António Carlos Cortez. “O politicamente correto é um eufemismo para continuarmos a ser coniventes com a mediocridade”

Professor, poeta e ensaísta com duas dezenas de livros publicados, estreia-se no romance, com Um dia lusíada. Um livro ambicioso que compara a um edifício com hall de entrada, câmaras, antecâmaras, sala de leitura e claraboias para deixarem entrar luz natural.

Poeta, crítico literário e professor, António Carlos Cortez estreia-se no romance com um livro heterodoxo que incorpora as mais diversas formas literárias. «Há cartas, diários e até músicas de David Bowie aí pelo meio», refere o autor. Um dia lusíada (ed. Caminho) conta a história de Elias Moura, um ex-combatente da Guerra do Ultramar progressivamente desencantado com o rumo do país. «É um traumatizado da Guerra Colonial, e é um traumatizado da guerra que se segue, que é a guerra civil que ele vive diariamente nos liceus e colégios de Lisboa. Ele vê o desmoronamento da Europa e de Portugal a partir da sua profissão de professor», explica Cortez.

Nascido em Lisboa em 1976, o autor tem já uma longa obra publicada na área da poesia e uma experiência de duas décadas como professor. Tal como o protagonista do seu romance, olha para o tempo atual, e para o panorama literário português, em particular, com desconfiança. «Chegamos a 2022 e quem disser que isto está bem está a mentir. E não só está a mentir como está a ser conivente para com qualquer coisa que vem do Estado Novo, que é um modo fascista de existir», desabafa.

Tens vários livros de poesia publicados, mas este é o primeiro romance. Era uma ambição que vinha de trás?

Eu nem sequer queria escrever romance. Mas tinha há uns cinco anos, talvez, uma narrativa sobre um psicopata, um tipo que escreve para não matar. Tinha dado a essa narrativa um título provisório, ‘Psycho Killer’, um bocadinho inspirado pela música dos Talking Heads. Nos entretantos, escrevi um longo poema em verso livre, uma espécie de resposta ao ‘The Waste Land’ [famoso poema de T.S. Eliot, escrito em 1922, na ressaca da I Guerra Mundial], intitulado ‘Condor’.

Condor é a ave e, em termos de semelhança fonética, ‘com dor’, a ideia de que a dor é a mãe da arte. Esse poema longo em verso livre não foi publicado pela minha editora de poesia, e eu achei que não havia grande problema, porque o Jaguar, um livro de poemas em prosa, estava a sair. Mas percebi que talvez estivesse ali um motivo para um novo livro.

Esse livro foi sendo feito ao longo destes anos, e com muita aceleração no tempo do confinamento, porque, apesar de estar a dar aulas, tive mais tempo para imaginar esse livro escrito por um protagonista, a quem dei o nome de Elias Moura. E depois há uma parte romanesca em que ele, Elias Moura, explica esse poema ao narrador.

Temos um livro dentro do livro. O Jorge Luís Borges fazia muito isso: inventava livros, dava-lhes um título, um autor, e de repente esses livros passam a existir, pelo menos na nossa imaginação.

O Borges é uma influência fundamental. Posso dizer que li praticamente todo o Borges, aqueles quatro volumes traduzidos pelo Fernando Pinto do Amaral para a Teorema. Fui aluno do Abel Barros Baptista, que me deu aulas excelentes, e nos falou na altura do ‘Pierre Menard, Autor do Quixote’ [conto de Borges incluído no livro Ficções].

O Borges imagina um autor fictício que pudesse ter escrito também o seu Quixote. E eu homenageio, por assim dizer, essa possibilidade da literatura ser a invenção de autores fictícios e de livros fictícios. É um tema que me agrada muito. Acho que todos nós gostaríamos de ter a hipótese de viver vidas fictícias. E a literatura pode dar-nos isso.

Quase no início do livro existe uma reflexão sobre a literatura atual, com uma achega ao mundo editorial. O meio não te tem tratado bem?

Muito bem. Quem fala disso é o Elias Moura, não sou eu. Eu não me queixo. A minha questão é outra: acho que se tem patrocinado uma literatura de entretenimento bacoco. Não vejo um investimento sério em livros disruptivos, que sejam estranhos, e que justamente por serem estranhos são literatura.

Mas para haver os livros disruptivos também tem de haver uma norma para ser contestada.

Pois, mas se fizéssemos um elenco dos cinco ou seis autores mais lidos nos anos 80, chegaríamos à conclusão de que eram autores verdadeiramente com condição literária: José Cardoso Pires, José Saramago, Augusto Abelaira, Alçada Baptista, Maria Velho da Costa.

Não referiste o Lobo Antunes.

E o Lobo Antunes. Não temos hoje leitores preparados para ler esses escritores. Este livro que escrevi é uma homenagem a essa Literatura com L maiúsculo. Não é um pacto de não-agressão à literatura com l minúsculo, que é levada ao colo por uma espécie de acordo tácito entre o não-leitor e o não-escritor.

Não há aí uma atitude de alguma sobranceria? De desconsideração?

Não há desconsideração nenhuma, apenas uma constatação. Acho que há muito bons escritores na atualidade – o Gonçalo M. Tavares é um grande criador literário, a Ana Margarida de Carvalho é uma grande criadora literária, o Afonso Cruz é de uma grande imaginação. Mas há depois um padrão geral…

Houve um abaixamento de qualidade?

Acho que sim. Que é resultado de políticas de educação completamente erradas. No nosso mercado não há uma distinção clara entre o trigo e o joio. O meu protagonista, o Elias Moura, é extremamente cáustico em relação a isso, ele próprio tem dúvidas em relação ao que pode ser o seu livro. E eu também tenho dúvidas.

É muito fácil acusar-me de arrogância, mas não há aqui arrogância nenhuma. Há experimentação num livro com várias linguagens lá dentro – diário, carta, ensaio, discurso político, narrativa, poesia – tudo isso está aí. É a minha maneira de homenagear essa geração que eu admiro muito – a Maria Velho da Costa, o Almeida Faria, o Nuno Bragança, a Lídia Jorge –, é a minha maneira de me filiar na tradição. Mas isso acontecia já na poesia.

É curioso há pouco teres referido essa música dos Talking Heads, porque o romance contemporâneo passa muito por aquilo que vai na mente do autor, como se o leitor o ouvisse a falar dentro da sua própria cabeça.

Essa é uma herança do Ulisses, do James Joyce, o fluxo interior da personagem. Mas há aqui coisas que vêm de trás. Os meus livros anteriores, o Jaguar e o Corvos, Cobras, Chacais, que são livros de poemas em prosa, já trazem essa ideia de polifonia.

Falemos do título, Um dia lusíada. Há aqui uma alusão clara ao Camões.

Ao Camões e ao António Nobre – ‘Ai do Lusíada, coitado’, o poema ‘Lusitânia do Bairro Latino’. O Elias Moura é um obcecado pela leitura de Camões, é também um obcecado pelo poema longo tal como ele aparece em António Nobre. Ele nasce em dezembro de 1945, estuda Filologia Clássica na Faculdade de Letras nos anos 60, faz a recruta e depois vai para África. E uma das maneiras que encontra para sobreviver ao inferno da guerra é escrever um livro que seja uma resposta ao Camões e ao António Nobre.

Esse livro é o ‘Condor’, um poema com mais de 700 versos, que foi a minha ideia de responder ao ‘The Waste Land’ do T.S. Eliot. Sucede que o Elias Moura não consegue organizar o livro, e acaba por dá-lo a organizar ao narrador. Frequentam os mesmos alfarrabistas, encontram-se em cafés de Lisboa e estabelecem uma relação de amizade que vem até 2020, ao primeiro confinamento.

O Elias Moura dá ao narrador maços e maços de folhas e há um momento em que lhe diz: ‘Faz com isto o que quiseres, organiza, não organizes, não importa’. E o narrador acaba por organizar o livro a que dá esse título, Um dia lusíada. Que é um título estranho, porque lusíada aí não é exatamente um adjetivo, mas também não é exatamente um substantivo. No fundo é uma espécie de esperança. Há uma carta do Elias Moura dirigida ao narrador em que diz: ‘Um dia, um dia lusíada, pode ser que venha aí um futuro melhor…’. Um dia de luz, porque lusíada também é luz.

Elias é um nome bíblico. Isso é intencional?

Intencionalíssimo. Vem do Profeta Elias. Por outro lado, o Elias Moura deve esse nome ao filósofo Elias Canetti, o autor do livro Massa e Poder. Mas há também um lado irónico, parodístico. Ele chama-se Elias porque um dos protagonistas do Platoon – Os bravos do pelotão é o Elias. A relação do Elias Moura com o seu tempo é uma relação de grande conflito.

Ele é um ex-combatente da Guerra Colonial, um ex-professor de literatura, e como vem com imensos traumas da guerra tem de ter consultas de psicanálise. O psicanalista, ao ouvi-lo chegar, põe sempre uma música do Eric Satie e o Elias Moura diz: ‘Se este gajo me põe outra vez a música do Eric Satie, eu despacho-o’. E há um dia em que o psicanalista lhe diz aquela frase que ele detesta: ‘O seu caso, Elias, é simples. Ou você escolhe a profundidade ou escolhe a intensidade’… No fundo, o Elias Moura é uma alegoria de um certo modo português de estar na vida. Para quem for mal-intencionado, este livro é o objeto de uma visão machista, sexista, e até certo ponto fascista. Mas isso é se o livro for mal lido.

O Elias Moura é um ex-combatente, é um traumatizado da guerra colonial, e é um traumatizado da guerra que vem depois, que é a guerra civil que ele vive diariamente nos liceus e colégios de Lisboa quando vem da Operação Nó Górdio [operação militar de grande escala em Moçambique], em 1970. Ele vê o desmoronamento da Europa e de Portugal a partir da sua profissão de professor.

Este personagem baseia-se em alguém que tenhas conhecido?

Tive um professor de Português que foi combatente na Guerra Colonial, talvez haja aqui algum eco dessa experiência. Mas não há nenhum referente. O referente mais óbvio é talvez esse Elias que aparece no Platoon – Os Bravos do Pelotão.

Há aqui uma incursão no mundo da doença mental.

Justamente. Porque o Elias Moura vem profundamente perturbado. E isso nota-se, por exemplo, quando ele está a escolher a linguagem para o seu livro. Imagina primeiro imitar as oitavas d’Os Lusíadas. Há uma oitava do livro dele que começa: 

‘As armas e os cabrões bem amanhados
desta pátria original que nos engana,
por mares da corrupção tão bem lavrados
da banca, ao governo, à presidência ufana’.

Está à procura de um estilo. Depois, como não é bem o estilo do Camões que ele quer, vai fazer uma coisa à Fernão Mendes Pinto, e reproduz quase por decalque o que seria escrever sobre a operação Nó Górdio à maneira do Fernão Mendes Pinto. Até que há um momento em que diz que vai escolher um estilo que seja semelhante às operações de guerra que nós fizemos em África. O que ele pretende é que a sua escrita tenha no leitor um efeito semelhante à deflagração de uma explosão tal qual ela acontecesse numa guerra.

Há outro personagem, um arquiteto, que diz que «um livro é como uma casa». Este Um dia lusíada também pode ser visto assim, como um edifício?

Sim, um edifício com câmaras, antecâmaras, uma biblioteca com sala de leitura, hall de entrada, claraboias para deixarem entrar luz natural. A projeção de um edifício em arquitetura é semelhante à projeção em literatura. O Elias Moura diz – ou o narrador diz por ele – que a ideia é fazer da literatura uma arte de estatuária. E eu acho que os livros deviam perseguir essa ideia de edifícios perenes, edifícios sólidos. 

A certa altura temos uma crítica muito contundente da ‘vidinha’: «Já tenho emprego, Já me vou casar, Já sou respeitável, Já tenho carro, Já estou na universidade, Já tenho trabalho, Já sei sacanear o colega, Já faço compras de Natal, Já pago impostos, Já fujo aos impostos»…

«Já encornei o meu marido, Já fiz um ménage-à-trois»…

É um olhar desencantado. Corresponde a uma desconfiança tua em relação às ‘vidas comuns’?

Todos nós temos vidas comuns. Essa página, que é um momento em que o Elias Moura está a ensaiar um estilo, é uma maneira de dizer que a maioria de nós vive a vida como uma espécie de totobola em que vamos pondo cruzinhas: ‘Já fiz isto, já fiz aquilo. Sou um homem ou uma mulher exemplar porque a minha vida está a ser cumprida’. A vida como totobola, como folha de Excel, em que se vão cumprindo objetivos, não me diz nada. Como sempre fui mais de gostar da heterodoxia do Eduardo Lourenço, prefiro isso à forma de sobrecasaca de viver, que é o que vejo muito, até na geração nascido depois do 25 de Abril.

Tenho ideia de que esse tema das máscaras e da representação social já aparecia no teu primeiro livro de poesia.

Temos de representar, há uma sociedade e não podemos ir contra isso, mas há maneira conivente de viver com a mediocridade que eu não aceito. Há uma maneira conivente de estar na literatura. O Ruy Belo diz algo de fundamental, que é mais ou menos isto: ‘Nos tempos que correm, uma das missões do poeta é não pactuar. Não podemos pactuar’.

Dizia isso em relação à ditadura?

Em relação não só à ditadura mas a um meio conivente, um meio de acordos tácitos. O M. S. Lourenço, que é quanto a mim um dos grandes ensaístas portugueses, e infelizmente esquecido, autor de um livro fundamental, Os Degraus do Parnaso, diz a páginas tantas que há um acordo tácito hoje entre uma indústria do livro que, por saber que não há leitores para a alta cultura, produz um tipo de livro que não é exigente em relação ao leitor na medida em que os leitores também não são exigentes em relação ao livro.

Mas não há lugar para todos, como num cinema multiplex, onde há lugar para a comédia, para o drama, para o terror, para a animação e para o cinema de autor?

Claro que há. Mas a questão deve ser posta ao contrário. Estamos a ter apenas salas para filmes ‘Hello Kitty’. Não estamos a saber elevar o gosto público. Não nos podemos admirar que a nossa vida democrática seja pobre – pobre de debate, de polémica, pobre de correntes de ideias, de pensamento. A literatura e as ideias têm sido desprezadas de há uns bons 25, 30 anos a esta parte. E não temos uma classe política verdadeiramente ilustrada, há um culto do lugar-comum que não só é empobrecedor como é ofensivo, porque se parte do princípio de que somos todos estúpidos.

E é pena, porque se tivéssemos políticas de educação exigentes e colocassem a literatura e as artes como âmago do processo educativo, estou convencido de que teríamos crianças e adolescentes mais sensíveis para o autoconhecimento e mais sensíveis e disponíveis para o conhecimento do outro. Esta parafernália de ‘romances’, que são apenas sucedâneos, contrafações, está ao serviço de uma ideologia totalitária, de alienação e de estupidificação das pessoas.

Temos um convite sedutor para as salas de cinema de filmes ‘Hello Kitty’ e depois lamentamos muito que não haja ninguém a ver o Ingmar Bergman. Isso tem um reflexo óbvio na vida de todos os dias. Quem tem filhos, ou quem deu ou dá aulas, como é o meu caso há vinte anos, vê a dificuldade das crianças e jovens em ler coisas de qualidade.

… ou até sem qualidade.

Bem visto. Em ler. O protagonista do romance revolta-se com isso, ou, quando não se revolta, ironiza. O Cesário Verdade dizia: ‘o que me importa é o que me rodeia’. E a mim o que me importa é escrever livros cuja linguagem seja surpreendente, incómoda e imaginativa, de maneira que o leitor sinta que está a ser levado por uma certa cadência, por uma certa violência, por uma certa sedução.

É aí que entra no romance o poeta que há em ti?

Justamente. O Elias Moura diz que quis fazer uma prosa diamantina. Fui buscar essa ideia ao Paul Verlaine, que diz a propósito das Iluminações do Rimbaud que a língua francesa ascende a um patamar diamantino. E que nunca mais isso aconteceu. No limite, quem escreve deveria ter isso em mente.

Se me permites uma provocação…

Eu gosto disso.

Através desse personagem temos um julgamento do que foi a ditadura. Elias Moura simboliza os traumas provocados pela ditadura. Reduzir, de certo modo, esse período à guerra e aos seus efeitos não veicula uma visão demasiado simplista?

Não, não há visão simplista nenhuma. Quando é professor nos anos 80, o Elias Moura vê a derrocada do edifício educativo – as passagens administrativas, as licenciaturas feitas à custa de cábulas. Acompanha a degradação – na política, na educação, na justiça – no pós-25 de Abril.

Ele não tem uma visão maniqueísta das coisas, tenta ter uma grande angular do que aconteceu. Lamenta a Guerra Colonial, sabe do absurdo que essa guerra foi, não hesita em denunciar o fascismo como modo provinciano de ser português, e tem a coragem de dizer que tudo isso de certo modo permaneceu. Mais: tem a coragem de dizer que tudo isso deu origem a uma outra espécie de fascismo. O politicamente correto é apenas um eufemismo para continuarmos a ser coniventes com a mediocridade.

No ensino, na política, no jornalismo… Há gente boa, com certeza. Mas a impressão que dá é que quase sempre são escolhidas a dedo não pessoas independentes e competentes, mas pessoas que são peritas no politicamente correto. O Elias Moura não pactua com isso, portanto também não é simpático com aquilo que vem depois do 25 de Abril, com aquilo a que ele chama ‘demo-cracia’.

No fundo, denuncia a vida paupérrima que a democracia trouxe. Chegamos a 2022 e quem disser que isto está bem está a mentir. E não só está a mentir como está a ser conivente para com qualquer coisa que vem do Estado Novo, que é um modo fascista de existir. Portanto não há visão maniqueísta ou simplista do Estado Novo como tempo negativo e da democracia como tempo extraordinário. Não. Houve coisas boas num tempo e coisas boas no noutro; houve coisas más num tempo e coisas más no outro. Mas a questão não é essa.

O Elias Moura considera que, a nível do inconsciente coletivo, não há uma mudança profunda na sociedade portuguesa. Continuamos estruturalmente fascistas. Cultivamos a inveja, a intriga, a delação e o politicamente correto como forma de ser e de estar em comunidade. A literatura, o romance, a arte, em geral, ou são heterodoxia ou então estão a participar na máquina de propaganda e de entretenimento geral. E este livro não pretende ser nada disso.

Colocaste em epígrafe uma frase do Paul Ricoeur: ‘A desmedida supõe a grandeza’. É mais uma vez essa recusa da mediania?

O Rui Zink, que vai apresentar este livro com o Carlos Vale Ferraz, disse há pouco tempo: ‘Este livro não é só um romance, é um exercício sobre a linguagem, e uma linguagem como obra total. Tu quiseste apreender aqui tudo’. A grandeza tem que ver com isso. Atenção, isto não é um exercício de pretensão, como muitos pensarão – e quem quiser atacar ataca por aí, sejam muito bem-vindos.

Depende da natureza de cada um, mas só se vive uma vez e quem escreve, quem se dedica às artes, que o faça com a consciência íntima de que não foi atrás de modas, não foi atrás de dependências, e fez uma coisa sua, autêntica. Nós já mentimos tanto que convém ao menos num determinado plano das nossas vidas não pactuar com máscaras. É isso que o Elias Moura pretende. E é por isso que acaba sozinho. 

Mas todos nós temos de fazer concessões.

Claro, eu também as faço. 

O que estás a dizer é que estas páginas são um espaço de liberdade?

Exatamente. Porque se trata de ficção. Este livro vale enquanto tal. O leitor começa por ler poesia, depois lê discurso político, há notas de rodapé a lembrar os ensaios…

Houve partes que me fizeram lembrar teatro.

Sim, também tem muito disso. Há músicas de David Bowie aí pelo meio. Há cartas, diários, há diários de aulas do Elias Moura a explicar Os Lusíadas, em particular o canto IV. É um espaço de liberdade, de afirmação da imaginação absoluta, justamente porque na nossa vida quotidiana há tantas regras a cumprir.