E quando os juros subirem?

Apesar das restrições impostas pelo Banco de Portugal, em abril, as instituições financeiras ainda concederam 3,3 milhões por dia para a compra de casa. Especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL falam nos desafios e nas ameaças.

O total dos empréstimos para compra de casa aumentaram 4,8% em abril, para 98,3 mil milhões de euros, face ao mesmo período de 2021. Trata-se de um crescimento semelhante ao registado em março, revelou o Banco de Portugal (BdP). Feitas as contas, as instituições financeiras deram por dia 3,3 milhões de euros só em negócios de aquisição de um imóvel, não refletindo para já as restrições impostas pelo regulador.

O Banco de Portugal, a partir de abril, impôs novos limites à maturidade máxima dos novos créditos à habitação em função da idade. 

Para clientes com idade superior a 35 anos a maturidade do crédito deve ser no máximo de 35 anos. Para clientes bancários com idade superior a 30 anos e inferior ou igual a 35 anos, a duração máxima do crédito deve ser de 37 anos. Já os créditos até 40 anos passam a ser possíveis para quem tenha idade inferior ou igual a 30 anos.

No entanto, os analistas contactados pelo Nascer do SOL admitem que esse impacto ainda não é visível. «O crédito à habitação continua em níveis elevados mas não se espera que as recentes restrições possam ter grande impacto nesta tendência. Por outro lado, estas novas medidas podem fazer com que os jovens recorram aos créditos à habitação mais cedo», diz Henrique Tomé, da XTB.

Já Nuno Garcia, diretor-geral da GesConsult, admite que temos vindo a observar uma ‘corrida ao crédito’, desde que as restrições foram anunciadas, daí terem sido atingidos, em março, valores máximos de empréstimos, desde 2007. Mas, em relação ao futuro, acredita que «estas limitações podem ter impacto na compra de casa, na medida em que os prazos vão ficar gradualmente mais curtos», acrescentando que «é uma situação que merece atenção, especialmente quando aquilo que observamos é que as condições para se comprar casa reúnem-se cada vez mais tarde» .

Alarmes a soar
Os alarmes têm vindo a soar não só para quem adquiriu agora casa, como também para aqueles que tinham um crédito à habitação. A explicação é simples: nos últimos meses, o Banco Central Europeu tem vindo a acenar com a subida das taxas de juro, afastando o atual cenário de juros negativos que prejudica poupanças, mas que beneficia e muito quem está a pagar uma casa ao banco. 

E Christine Lagarde já veio reconhecer, esta semana, que uma abordagem apenas «gradual» no ritmo de subida das taxas de juro poderá não ser suficiente para fazer face aos riscos da inflação. 

A ideia do banco central é acabar com as compras de dívida no terceiro trimestre, permitindo subir as taxas de juro pela primeira vez em julho e a expectativa atual do BCE é que até ao final do terceiro trimestre a zona euro deixará de ter taxas de juro negativas – uma referência à taxa de juro dos depósitos, que está em -0,5%.

Henrique Tomé diz que, em Portugal, o problema do mercado imobiliário tem estado relacionado sobretudo com o facto de existir pouca oferta para tanta procura de imóveis. Mas reconhece que, «a curto prazo, o aumento das taxas de juro poderá efetivamente baixar a procura no mercado imobiliário, que poderá traduzir-se numa ligeira correção dos preços», acrescentando ainda que «as preocupações em torno dum possível abrandamento económico também podem alimentar este cenário de correção dos preços dos imóveis».

Ainda assim, o analista da XTB mostra-se otimista e lembra que as taxas de juro têm estado em mínimos há vários anos, acreditando que, apesar de começarem a aumentar, estes aumentos serão graduais e não deverão ter um grande impacto nas famílias. «Aliás, quando comparamos com o que está a acontecer nos EUA, o BCE está a ter uma postura muito mais cautelosa, mas de facto existe essa possibilidade. Temos assistido vários setores a abrandar, menos o setor imobiliário que continua sólido». 

Mas aponta para riscos, afirmando que começam a surgir fatores que podem contribuir para um abrandamento deste setor, como o aumento das taxas de juro e os riscos de médio e longo prazo que apontam para um eventual abrandamento no crescimento económico.

Mais pessimista está Nuno Garcia, para quem a subida de juros traz consigo a subida das despesas mensais associadas à habitação, que incluem a prestação mensal do empréstimo. «Para as famílias, isto é algo que pode ser difícil de ultrapassar, pois, se pagarem as contas da luz, da água e do gás já era, muitas vezes, um desafio, com a subida da prestação mensal do crédito, a situação agrava-se».

E, face a esse cenário, o responsável aconselha os compradores a analisarem bem a situação e perceberem se conseguirão garantir o pagamento das suas despesas, «para que não passemos por aquilo que aconteceu em 2011, altura em que os créditos estavam parados por falhas de pagamento».

Apesar destes riscos, o diretor-geral da GesConsult acredita que agora eles serão menores do que aqueles a que se assistimos na altura da troika. E explica a razão: «Hoje, vemos mais regras na aprovação de crédito à habitação e as pessoas estão mais informadas sobre todo o processo. Acredito que não vamos passar pela mesma situação. Porém, é preciso ter um cuidado redobrado, sem dúvida. Saímos de uma crise e entramos quase instantaneamente noutra. É necessária uma capacidade de adaptação e ponderação, para não voltarmos a passar pelo mesmo».  

Soluções à vista
Se, por um lado, Nuno Garcia afirma que o mercado de arrendamento pode ser visto como uma oportunidade e como uma solução de resposta ao mercado mais imediata, Henrique Tomé aconselha a quem estiver a preparar-se para comprar casa nestes próximos meses a negociar bem os preços a fim de evitar que esteja a pagar um valor excessivo por um imóvel demasiado inflacionado e especulativo.

Ao jornal i, Natália Nunes, responsável pelo Gabinete de Proteção Financeira da Deco, já tinha reconhecido que a decisão de subida de juros iria inevitavelmente afetar quem tem crédito à habitação e que poderá ganhar novos contornos para os consumidores que estão no limite de pagamento das suas despesas. 

Aliado a isso, há que contar já com as subidas de preços dos combustíveis, energia, alimentação, transportes, entre outros, e com o aumento da inflação. «Essa é uma preocupação que temos desde o início do ano. Temos vindo a alertar os consumidores para a necessidade de irem acomodando os seus orçamentos familiares para o caso de virem a ser confrontados com a alteração das taxas de juro, uma vez que, poderá ter algum impacto na prestação a pagar ao banco no final do mês».

Uma dor de cabeça ainda maior para quem, de acordo com aquela responsável, já tem uma taxa de esforço elevada. «Não é só a questão do aumento da taxa de juro é tudo aquilo que todos os dias já sentimos que é o aumento dos preços, algo que se verifica desde o início do ano. A maioria das famílias chega ao fim do mês e acaba por gastar muito mais do que gastava e o seu rendimento não acompanha o aumento desses gastos», afirma Natália Nunes.