Eutanásia à pressa: a abertura à “rampa deslizante”

Os antecedentes deste processo legislativo deveriam ter conduzido a uma melhor ponderação e a uma maior prudência. No entanto, a eutanásia, tão sensível, tornou-se pretexto para afirmações partidárias indiferentes às prioridades, aos valores e ao sentimento da sociedade.

A Eutanásia será novamente motivo de discussão no Parlamento, pela terceira vez em cerca de dois anos, insistindo numa solução controversa, agora mais perigosa, por ser ainda mais radical, insistindo em conceitos vagos que abrem a porta ao descontrolo da aplicação deste instrumento.

Na anterior legislatura, por duas vezes, as propostas de lei foram objeto de reservas, tanto pelo Presidente da República, que as vetou por manifestas imperfeições, como pelo Tribunal Constitucional, que considerou algumas normas inconstitucionais e também por pareceres negativos do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e das Ordens dos Médicos, dos Enfermeiros e dos Advogados.

Os antecedentes deste processo legislativo deveriam ter conduzido a uma melhor ponderação e a uma maior prudência. No entanto, a eutanásia, tão sensível, tornou-se pretexto para afirmações partidárias indiferentes às prioridades, aos valores e ao sentimento da sociedade.

O Parlamento irá discutir novamente, mas pela primeira vez na atual Legislatura, com uma nova composição parlamentar, um conjunto de iniciativas legislativas sobre a eutanásia, provocadas pelo agendamento de uma proposta de lei do Partido Socialista, a que se juntam outras iniciativas.

Trata-se de uma nova legislatura, com novos deputados e, sobretudo, de novas iniciativas legislativas. Poder-se-ia dizer que as propostas são apenas correções de detalhe para corresponder às exigências do Tribunal Constitucional e do Presidente da República. Mas, de facto, não se trata de detalhes. As alterações são muitas e substantivas.

A relevância da matéria em questão e as suas consequências, mas sobretudo os erros cometidos anteriormente, deveriam conduzir a uma reponderação dos fundamentos e das propostas. No entanto, assiste-se à precipitação da apresentação de novas propostas à pressa e quase em jeito de teimosia, mesmo perante erros evidentes. Os promotores destas iniciativas ignoram os apelos de entidades independentes e parecem querer provocar os vetos e declaração de inconstitucionalidade ocorridos no passado recente.

Se, no passado, eram manifestas (e foram apontadas) as definições equívocas e imprecisas nas condições para a prática da eutanásia, variando entre ‘doença grave ou incurável’ ou ‘grave e incurável’ ou ‘doença grave e fatal’, agora, apesar dos alertas dos resultados graves na aplicação da eutanásia noutros países, a pretexto de eliminar incongruências, é assumido o alargamento da aplicação da eutanásia. De acordo com as propostas, cai a condição de ‘doença fatal’ e basta apenas considerar doença incurável (cuja gravidade será sempre imprecisa) para permitir a antecipação da morte.

Estamos perante uma mudança radical nas condições de aplicação da eutanásia que permite o seu alargamento com consequências sociais significativas que agudizam o sentimento de insegurança dos doentes e dos idosos, mas, mais grave, que contrariam os valores de solidariedade e de empenho na melhoria dos cuidados de saúde continuados e paliativos.

A concretizar-se o atual processo legislativo sobre a eutanásia, importa que, quer o Presidente da República quer o Tribunal Constitucional, possam salvaguardar o sentimento da sociedade portuguesa e o rigor e a constitucionalidade da proposta que venha a ser aprovada.

Em qualquer circunstância, atendendo à importância, ao impacto e às consequências para a sociedade portuguesa da questão da eutanásia, bem como ao apelo já manifestado pelos portugueses para a realização de uma consulta popular sobre o tema, a convocação de um referendo deverá ser ponderada.