O Governo, um parto difícil

Talvez não fosse necessário tanta controvérsia, talvez não se exigisse tanto ruído, talvez não fosse preciso assistir ao fecho dos serviços cuja essência é estarem abertos. Bastaria ao Governo fazer aquilo para que existe: governar.

Por mais que se queira iludir a responsabilidade e transferi-la, há limites.

O Dr. António Costa preside ao Governo há seis anos.

Pode, por exemplo, a questão da saúde continuar a ser discutida como é?

Compreende-se a rigidez na argumentação?

Justifica-se a paralisia reformista? 

Estou em crer que nenhum dos abrangidos pelo problema terá paciência para isso.

Desde logo os profissionais de saúde. Têm atravessado um período durante o qual se esgotaram em trabalho e nunca entretanto mereceram a atenção de serem ouvidos pelo Ministério. Estão fartos de várias coisas ao mesmo tempo: da falta de organização, da falta de planeamento, da ausência de consideração pela retribuição do seu esforço, da falta de condições materiais.

Com a maior facilidade do mundo optam pela reforma ou pelo setor privado, dentro ou fora do país.

Depois, os utentes dos serviços. Foi-lhes prometido médico de família, prontidão de prestação de cuidados, resposta universal.

Chegam à conclusão de não terem igualdade nas condições de acesso, de não terem resposta nos centros de saúde e, quando procuram as urgências, deparam-se com as urgências em exaustão. Quando conseguem consulta e precisam de acesso a especialidades ficam meses à espera que aconteça. Quando é diagnosticado o mal e se torna necessária uma intervenção cirúrgica, inicia-se uma nova e longa contagem do tempo.

Dividem-se, então, nas consequências. Se têm disponibilidade recorrem ao seguro de saúde ou à ADSE, caso contrário aguardam as consequências. Este é o panorama que a história repete. É a normalidade sofrida e a desigualdade paga.

A entrada em cena da pandemia só veio acentuar as consequências. A mobilização do Serviço de Saúde centrou nela as suas capacidades.

Com muita dificuldade recorreu às entidades públicas e privadas. Com grande rebuço permitiu a sua intervenção.

A atividade dos laboratórios e das farmácias foi permitida por absoluta impossibilidade de alternativa.

Ficou para trás tudo o resto.

As consultas, os exames, a prevenção.

Não é de estranhar que hoje se faça a contagem das consequências.

Surgem os primeiros e mais preocupantes números. O número de mortes tem aumentado de forma significativa e só não seria esperado por inconsciência. A surpresa é a de que também no domínio da covid, tanto no número de casos como no de mortes, os resultados não são os esperados.

Ou seja, estamos confrontados com uma tempestade perfeita que não passa desapercebida a ninguém. Nem às oposições, nem a apoiantes da maioria, nem àquilo que verdadeiramente interessa, ao cidadão.

Claro que pode tentar inventar-se uma resposta com planos de contingência, com remendos, com soluços de continuidade.

Pode o poder continuar a defender o imobilismo, pode inventar inimigos, pode tentar permanecer doentiamente radical.

Não dá saúde.

Hoje, tantos novos profissionais de saúde do setor público depois, o sistema está cada vez mais doente.

E é sempre apanhado em contrapé. Nunca prevê. Nunca previne.

É surpreendido e esfrega os olhos.

Que não, não é culpa do sistema, diz a ministra da Saúde. Que não não é culpa da ausência de disponibilidade orçamental, diz o ministro das Finanças.

Mas então é de quê?

Talvez não fosse necessário tanta controvérsia, talvez não se exigisse tanto ruído, talvez não fosse preciso assistir ao fecho dos serviços cuja essência é estarem abertos.

Bastaria ao Governo fazer aquilo para que existe: governar.