A seca “mais grave do século”

As palavras são do ministro do Ambiente. E se o cenário não melhorar, a situação pode tornar-se mais crítica nos próximos meses: barragens têm  muito menos água do que há um ano. 

«À medida que o ano vai avançando vamos tomando consciência de que a situação de seca meteorológica que vivemos é talvez a mais grave deste século», afirmou ontem, no final da reunião da Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca o ministro do Ambiente. Duarte Cordeiro falou de uma conjugação «invulgar» de fatores, que contudo já têm pouco de inesperado: elevadas temperaturas e o aumento da frequência de anos secos.

«Este é o quinto ano (consecutivo) com precipitação abaixo da média. Não sendo o ano mais seco desde 1931, a verdade é que sendo o quinto ano com precipitação abaixo da média torna esta situação da seca a mais grave deste século», afirmou, admitindo que a previsão é que de agosto se mantenha igualmente quente mas afastando para já medidas de racionamento de consumo de água. «Temos sim estado a condicionar outros usos: produção de energia e, em alguns territórios, água para rega», disse.

Poupança da parte de todos

Se em fevereiro o Governo restringiu a produção hídrica nas barragens mais desfalcadas, o que vai manter-se, a tónica está agora no apelo à «poupança de água por parte de todos» e algumas novas medidas. Em termos de redução de consumo, o foco está no Algarve mas sobretudo na rega de campos de golfe e jardins e não na água que sai das torneiras de casa.

Duarte Cordeiro destacou o trabalho de proximidade que tem sido feito a nível regional pela Agência Portuguesa do Ambiente e pelas autarquias e salientou a necessidade de mantê-lo. E deu alguns números que considerou positivos apesar da recente vaga de calor: das 31 barragens consideradas em situação crítica e vigilância, 10 mantiveram o volume armazenada e apenas duas reduziram o armazenamento em mais de 5%, referiu. Salientou também que até ao momento não faltou água na torneira dos portugueses. Mas o certo é que já há dezenas de locais a ser abastecidos por autotanques, nomeadamente em Trás-os-Montes.

Quanto a novas medidas, o Governo pretende uma «redução de consumo em empreendimentos turísticos» no Algarve. Questionado pelos jornalistas pelo significado desta medida, Duarte Coreiro explicou que se trata de um «teto» ao grande consumo de água, «negociado pela APA com os empresários» e que se prende com rega de campos de golfe e jardins. Não deu números.

Já em Trás-os-Montes, as intervenções serão mais estruturais, entre as quais uma obra de ligação do sistema do Alto Rabagão ao sistema do Arco Só «para incremento da resiliência deste sistema», prolongamento do Pinhão ao sistema adutor de Vila Chã e a «reativação da captação de câmara para redução do volume captado na albufeira de Sambá».

O ministro destacou a campanha de sensibilização lançada entretanto e voltou a salientar os projetos que estão em curso no Algarve com verbas do PRR, nomeadamente o abastecimento da barragem de Odeleite a partir do Pomarão, a contratação do estudo de impacto ambiental para a nova central dessalinizadora que será o primeiro grande projeto público do género no país (mas que só deverá estar a funcionar em 2025) e ainda a abertura de concurso de financiamento para projetos de eficiência hídrica.

Um processo que se segue agora no Alentejo, disse Duarte Cordeiro. «Também já foi dada nota pública que em setembro, a APA vai colocar em discussão várias alternativas para reforçar a resiliência ecológica do Médio Tejo».

A ministra da Agricultura Maria do Céu Antunes reforçou estes planos e defendeu que o país está mais bem preparado. Destacou ainda a abertura de um concurso, esta sexta-feira, que vai atribuir 24 milhões de euros para sistemas mais eficientes, que considerou essenciais para a agricultura. Referiu ainda projetos pioneiros, desde um projeto piloto para regar romãzeiras com águas tratadas a cultivar arroz com rega gota a gota, o que pode provocar «redução de 50% no uso de água».

Projetos a médio/longo prazo, numa situação que se agrava. Questionado sobre a gestão de caudais com Espanha, Duarte Cordeiro evocou uma reunião recente no âmbito da monitorização da Convenção da Albufeira: «A nossa preocupação é que não haja incumprimento e que haja o envio de caudais regulares para evitar uma situação chata e complicada do ponto de vista de perda de caudal em territórios sensíveis», disse, sem referir qual é foi o balanço. «Espanha sabemos que está com uma situação idêntica à que estamos a viver. De um lado e do outro há uma grande preocupação». 

Cada vez menos folga

Se não houve muito detalhe neste briefing à imprensa, os dados do Sistema Nacional de Informação sobre Recursos Hídricos, que o Nascer do SOL consultou, mostram o cenário. Vamos a dois exemplos. A albufeira do Alto Rabagão, em Montalegre, Trás-os-Montes,  está com uma cota de 850,36m, uma realidade que se tem mantido ao longo deste ano e inédita pelo menos desde 1983, quando começam os registos.

A água chegou a recuperar em abril e em maio mas pouco mais de um metro e agora está de novo a baixar e perto de atingir um novo marco, ficando pela primeira vez abaixo dos 850m. Há um ano, estava nos 874,22m, folga que este ano não existe se a seca se prolongar.

Já, por exemplo, Castelo de Bode, que abastece 3 milhões de pessoas na grande Lisboa e que chegou a atingir em fevereiro o nível crítico de 106m de cota, a partir do qual ficam comprometidas as reservas para dois anos, também está de novo a baixar, nos 110.96m. É menos 1,26m face ao início de junho, quando alcançou a maior recuperação este ano.

Há um ano, por esta altura, sem limites à produção hídrica, a ‘arma’ que já foi ativada – complicada num ano de volatilidade no mercado de energia em que a importação aumentou – estava nos 117.64m, mais sete metros do que atualmente. E uma folga também muito menor para atravessar o verão, que arrisca criar uma situação mais gravosa no fim do ano se o cenário meteorológico não se alterar.