Ricardo Evangelista. “As famílias vão ter de começar a poupar porque a prestação da casa vai aumentar”

Para o analista Sénior da ActivTrades, a próxima reunião do BCE a 8 de setembro vai trazer nova subida das taxas de juros. A dúvida é se será um aumento de 0,5% ou de 0,75%, mas acredita mais na primeira hipótese. 

Menos dois meses depois, o Banco Central Europeu prepara-se para aumentar novamente as taxas de juro. E se as perspetivas animadoras apontam para uma subida de 0,5% há quem diga que possa atingir os 0,75%, o que irá penalizar quem tem crédito ou está a pensar em recorrer a um empréstimo. Em entrevista ao i, Ricardo Evangelista, Analista Sénior da ActivTrades, não tem dúvidas: “A questão já não é se o BCE vai subir ou não as taxas de juro. É quanto é que vai subir?”. E face a isso admite: “As famílias vão ter de começar a poupar mais, porque a prestação da casa sobe, o crédito fica mais caro e até aquelas aquelas coisas que, às vezes, se compram e que são uma pequena extravagância já não se vão poder comprar tão facilmente”. 

E lembra que, ao contrário do que se verificou na crise de 2008/2009, em que os bancos centrais foram “muito mãos largas e iniciaram programas de compras monstruosos, cortaram as taxas de juro para níveis baixos”, enquanto os Governos, adotaram posturas muito mais restritivas, “com se fosse quase um culto da austeridade”, agora os papéis inverteram-se. 

E não hesita em reconhecer que “a inflação está-se a tornar um problema muito grande e que os fins justificam os meios”, daí compreender a subida das taxas de juros por parte do BCE, na próxima reunião a 8 de setembro.

Como solução, Ricardo Evangelista admite que todos os Governos “estão-se a ver forçados a adotar uma postura mais generosa com os cidadãos e a evitar sobretudo cenários de austeridade que iriam ainda exacerbar mais esta crise”. Mas deixa uma garantia: “Não gostava nada de estar na pele das pessoas que têm que tomar estas decisões".

Tudo indica que na próxima reunião o Banco Central Europeu (BCE) irá voltar novamente a aumentar as taxas de juros. Depois de em julho ter subido mais do que estava previsto…

A tendência é de aumento e a expectativa neste momento é para que no próximo dia 8 de setembro seja anunciada uma nova subida das taxas de juro. 

É então inevitável esta nova subida? 

Penso que sim. A questão já não é se vai subir ou não as taxas de juro. É quanto é que vai subir? Posso-lhe dar um prognóstico, acredito que vai subir 0,50%. Até há pouco tempo, a expectativa geral era que o aumento ficasse-se pelos 25 pontos base, ou seja 0,25%, mas desde então vários membros do BCE têm falado em público, até mesmo neste último fim de semana, durante o Simpósio de Jackson Hole, nos Estados Unidos, em que todos deram a entender que o Banco Central Europeu está mesmo muito determinado a controlar a subida dos preços ao consumidor, a controlar a inflação. Essa expectativa que apontava para uma subida de 25 pontos base já está, neste momento, afastada e tudo aponta para um cenário de um aumento de 50 pontos base e, ainda esta semana, já se começou a falar de que poderia chegar aos 75 pontos base, ou seja, quase um 1%. Se se verificar esse cenário mais agressivo penso que as consequências para o mercado português serão sentidas, sobretudo ao nível da subida das taxas Euribor. Ou seja, a prestação da casa vai subir com certeza, o crédito ao consumo vai-se tornar mais caro e isso depois poderá ter um efeito dominó na economia, que acaba por fazer subir o desemprego devido a um decréscimo no investimento das empresas. Poderá também provocar alguma crise para muitos negócios que se vão ressentir, como consequência de uma menor atividade económica por parte das famílias. Ou seja, as famílias vão ter de começar a poupar mais porque a prestação da casa sobe, o crédito torna-se mais caro e aquelas coisas que, às vezes, se compram e são uma pequena extravagância já não se vão poder comprar tão facilmente. Isto tudo junto tem um impacto na atividade económica. No entanto, tudo vai depender do grau de subida das taxas de juro que seja anunciado no próximo dia 8. Se for os 25 pontos base penso que o impacto será um pouco diluído, mas se for mais do que isso e, tudo indica que vai ser pelo menos 50 pontos base, aí sim vamos ter este cenário que descrevi, em que a vida torna-se mais cara e mais complicada para as famílias e que depois também vai ter consequências para as empresas.

Famílias e empresas terão de pagar a fatura….

Claro.

Acha que o BCE está ser um bocadinho pressionado pela própria Reserva Federal americana, que tem subido muito mais vezes os juros do que a Europa? 

A Fed está bastante mais à frente em termos do processo de apertar com as políticas monetárias em relação ao BCE e isso é mau para o euro. O euro tem vindo a desvalorizar muito por causa do dólar que está muito forte. E essa desvalorização em si também acaba por ter um impacto negativo sobre a inflação. Ou seja, faz a inflação subir mais do que seria desejado, porque a Europa importa muitos produtos que são pagos em euros e como o euro cada vez mais desvalorizado em relação ao dólar, o custo desses produtos aumenta, o que acaba por ter um efeito multiplicador sobre a inflação. Por isso, o BCE de certa forma, e até estou de acordo, está sob alguma alguma pressão. Mas penso que há também um fenómeno que é interessante e que não se tem falado muito que é o facto de estarmos agora a viver um pouco à imagem do que aconteceu no pós-crise financeira de 2008/2009. Nesse período, o que verificámos é que os bancos centrais foram muito mãos largas e iniciaram programas de compras monstruosos, cortaram as taxas de juro para níveis baixos, nunca antes vistos, enquanto as autoridades fiscais, ou seja, os Governos, adotaram posturas muito mais restritivas, com se fosse quase um culto da austeridade. O que estamos a verificar agora é precisamente o oposto disso: os bancos centrais estão muito mais restritivos na forma como estão a gerir as suas políticas monetárias, enquanto as autoridades fiscais são umas mãos largas. Por isso, é natural que a tendência é que as taxas de juro continuem a subir, não só devido à necessidade de controlar os preços, mas também por causa desta dialética entre a fiscalidade e a política monetária, que se inverteu face àquilo que tinha acontecido em 2009 e 2010. 

Passámos de taxa de juro zero para estes aumentos. Vai ser uma espécie de terapia de choque?

Sim, com certeza. Penso que o paradigma dos bancos centrais neste momento rege-se mesmo por esse princípio, isto é, a inflação está-se a tornar um problema muito grande e os fins justificam os meios. Ou seja, vai haver um choque sobre a economia que vai afetar a perspetiva de crescimento económico até o final do ano e até mesmo durante o próximo ano. Acredito que, em 2023, os bancos centrais deverão continuar com estas políticas monetárias restritivas. Mas a opção de não fazer nada ou de adotar uma política monetária de estímulos iria levar a que inflação subisse ainda mais, o que é completamente inaceitável para a maioria das pessoas que tomam decisões por parte dos principais bancos centrais, seja a Fed, seja o BCE ou Bank of England. 

Mas esses aumentos irão afetar todos os países, mas no caso português estamos perante um cenário de uma economia mais frágil…

Sim, a economia portuguesa vai sofrer esse impacto, com certeza. Mas era, como dizia há pouco, penso que esse impacto, de certa forma, será mitigado por políticas fiscais mais benignas, ou seja, vamos ter subsídios. Esse é o cenário mais provável. O Estado irá possivelmente ajudar com o custo da energia, o que de certa forma será um pouco o oposto do que aconteceu no pós-crise financeira de 2008/2009, em que os bancos centrais foram mãos largas e o Estado estava a impor austeridade. Agora vamos assistir ao contrário: os bancos centrais estão com políticas muito restritivas, mas o Estado vê-se forçado a adotar uma postura mais benigna e oferecer mais dinheiro ou, pelo menos, a não impor medidas de austeridade. 

No caso do crédito habitação vai ter um impacto inevitável nos orçamentos dos portugueses. Podemos assistir a casos em que haverá uma dificuldade em acompanhar essas subidas? 

Vão ter mais dificuldade do que tinham tido até há pouco tempo, quando as taxas de referência estavam em território negativo e as Euribor estavam muito baixas. Com a subida das taxas Euribor, a prestação mensal também vai subir, a menos que os clientes tenham contratos, em que a taxa é fixa. No entanto, para os contratos variáveis, a prestação vai com certeza continuar a subir. Isso vai tornar mais difícil a gestão do orçamento familiar. 

A subida de juros é a única solução para travar a inflação ou poderia haver alternativas? 

Se queremos controlar a inflação, sem dúvida que uma política monetária mais restritiva e que passa por uma subida das taxas de juro e também por uma redução ou, até mesmo, pelo fim do programa de compra de ativos, é solução. Temos exemplos de países que tentam seguir políticas menos ortodoxas, como por exemplo, a Turquia, que face a uma inflação galopante tem optado por cortar as taxas de juro, ou não está a subir muito. O que verificamos é que a Turquia está com uma inflação de 80%, ou seja, essas políticas não funcionam. Penso que, do ponto de vista mais ortodoxo, não há outra possibilidade se não tornar a política monetária mais restritiva. 

Mas isso acaba-se por refletir no crescimento das economias e isso já é visível pelos últimos dados da OCDE…

Estas medidas para controlar a inflação com certeza que terão um impacto negativo sobre a perspetiva de crescimento da economia. Como já disse a subida das taxas de juro tem um impacto negativo sobre o crescimento da economia, mas mais uma vez, os fins justificam os meios. Ou seja, temos de ter uma perspetiva dos bancos centrais, em que estes decidem a política monetária. Não há outra opção. Têm mesmo de optar por este tipo de medidas e as pessoas têm que passar por isso e quando digo pessoas é no sentido abstrato, refiro-me às famílias e às empresas que não têm outra opção. Vão ter que suportar um período de crise porque vamos ter de passar por uma crise porque esta inflação não é gerada apenas por fatores internos. Ou seja, a inflação não é apenas gerada pela subida da procura, pelo crescimento da procura interna ou pela subida dos salários. Não é só isso. São também fatores externos, como a subida do custo da energia nos mercados globais, do gás, do petróleo, etc. Assim como, pela subida das matérias-primas, pelo custo dos produtos alimentares. Tudo isso tem contribuído para o aumento da inflação, mas o que estamos a verificar na Europa e nos Estados Unidos é que a inflação que, ao princípio começou a ser um problema com origem nesses fatores externos, neste momento, já depende, em larga escala, de fatores internos. Os salários estão a subir e isso faz subir a inflação. O consumo continua em níveis elevados e isso faz subir a inflação. Então, perante isto, os bancos centrais não têm mais nenhuma opção se não tomar as medidas ortodoxas. É o que está no livro: tornar o crédito mais caro. 

No caso do consumo, a partir do momento em que a inflação aumenta também o poder de compra reduz-se. E não estamos a falar só de Portugal. O aumento das taxas de juro não vem baralhar as contas?

Sim e não, estou de acordo que a inflação em si própria acaba por oferecer um travão natural, porque com os preços a subirem, o consumo também desce. No entanto, como estava a dizer quando falava sobre os fatores internos, isso acaba um pouco por diluir esse efeito, porque os salários também têm vindo a subir e esse aumento tem o efeito de reduzir a atividade económica. Num cenário em que os salários não sobem e quando estes começam a subir – e os salários têm vindo a subir, por si só – a inflação não vai parar. Ou seja, a subida dos preços não vai levar a que as pessoas parem de comprar, porque os seus salários também estão a aumentar, isto é, há injeção de riqueza na economia. Por exemplo, as pessoas têm casas e quando as vendam são vendidas por um preço muito mais alto, etc. Penso que a inflação só por si, não é suficiente. No cenário em que nos encontramos penso que se justifica a subida dos juros.

No caso das casas, quem vai comprar é assustador porque os valores são mais elevados, mas quem está a vender tem um cenário mais atrativo, em termos de retorno financeiro…

Sim. Em Portugal, um dos setores onde os preços mais subiram foi na habitação. Este aumento em relação ao período homólogo do ano anterior é de quase 20%, no setor da habitação. Isso torna mais difícil a compra. No entanto, também gera uma mais-valia para as pessoas que estão a vender e sem dúvida que continuam a existir compradores. Essa mais-valia acaba também por contribuir para dar uma maior liquidez na economia. E essa maior liquidez depois também vai exacerbar a subida dos preços. 

Mas o cenário em Portugal não é muito animador face a todos estes aumentos. Desde os produtos mais básicos, como as compras de supermercado à possível subida dos preço das rendas. Acha que Portugal poderia apostar noutro tipo de estratégia para tentar contornar estas subidas?

Penso que o cenário em Portugal é semelhante ao que encontramos em outros países. Ou seja, essas dificuldades que sentem as famílias portuguesas hoje também são sentidas por famílias italianas, espanholas, francesas, belgas, etc. Estamos a atravessar um período difícil. Não gostava nada de estar na pele das pessoas que têm de tomar estas decisões. Penso, no entanto, que a tendência global é para uma maior generosidade ao nível fiscal. Não acredito que iremos assistir a um cenário em que vamos ter medidas muito fortes de austeridade. Penso que não vamos assistir a isso e até penso que o único campo de manobra que as autoridades fiscais ou Governos, como quiser chamar, têm é de certa forma dar respostas para mitigar esta crise. Por exemplo, através da criação de subsídios que ajudem as pessoas a pagar a energia que está mais cara, entre outras medidas. 

Quase todos os países têm praticamente diariamente anunciado medidas para mitigar estes aumentos…

Penso que dentro do cenário que falávamos, em que tudo isto está a provocar uma redução da atividade económica, Portugal até será dos países que, neste momento, está melhor. Logo esse cenário de recessão está mais afastado. A economia portuguesa ao nível do crescimento até tem tido um bom desempenho, mas isso também é uma questão conjuntural. Não quer dizer que isso não venha a mudar. Mas sem dúvida que todos os países europeus estão a sentir, com um bocadinho mais ou bocadinho menos de intensidade, este problema e penso que todas as autoridades nesses países estão-se a ver forçadas a adotar uma postura mais generosa com os cidadãos e a evitar sobretudo cenários de austeridade que iriam ainda exacerbar ainda mais esta crise. 

E no caso português temos ainda a memória da entrada da troika no nosso país… 

Exato e foi um período muito difícil e com certeza que ninguém quer ver repetido.