Incuprimento à vista? Só em último recurso

Juros do crédito à habitação já subiram e vão continuar a não dar tréguas. Orçamento vai ficar cada vez mais apertado, mas setor acredita que haverá várias soluções até que famílias não consigam pagar. 

Com os máximos históricos da inflação, a subida da taxa de juro por parte do Banco Central Europeu (BCE) e do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) tornou-se inevitável. Mas que consequências trará para o mercado imobiliário português?

Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal diz que a acontecer uma quebra na procura devido ao aumento das taxas de juro, «é provável que não tenha grande significado, em alturas em que tivemos taxas de juro iguais e muito superiores às atuais, as pessoas não deixaram de comprar casa com recurso ao crédito hipotecário, previsivelmente terão de optar por soluções imobiliárias capazes de conciliar o valor de determinada prestação com o imóvel desejado».

Se os proprietários podem vir a colocar os imóveis no mercado para não cair em incumprimento, o responsável defende que «não será correto generalizar o risco de incumprimento como se se tratasse de uma tendência». E acrescenta que «este existirá principalmente em famílias que fizeram as suas aquisições nos últimos 5/6 anos próximo do limite das suas capacidades financeiras, mas esta, não é a situação da generalidade dos proprietários».

Já Ricardo Sousa, CEO da Century21 Portugal, defende que as famílias e jovens «que estão a iniciar agora o processo de compra da sua primeira casa encontram um cenário de taxas Euribor entre 2% e 3%, algo que é perfeitamente normal: são taxas de juro baixas».

Ainda assim, acrescenta, «com base nos critérios atuais de financiamento – que incluem a redução das maturidades médias dos créditos à habitação para os 30 e 35 anos de empréstimo, com taxas de esforço entre 35% e 40% – as famílias e jovens serão forçados a reequacionar o tipo de casa que procuram e orientar as suas preferências para soluções de habitação dentro dos valores que podem assumir».

E daí defende que é «normal» que, no último trimestre deste ano e no próximo ano «se venha a assistir a um arrefecimento do número de transações imobiliárias. É igualmente expectável que os preços dos imóveis iniciem uma fase de estabilização».

Sobre se haverá uma tendência de colocar o imóvel no mercado para não correr o risco de incumprimento, Ricardo Sousa diz não que se antecipa esse movimento, lembrando que «a curto prazo, haverá uma tentativa de renegociação das condições do crédito à habitação ou mesma a transferência para outras instituições de crédito».

Por sua vez, Rui Torgal, CEO da ERA diz que «o termo que melhor poderá descrever o ano de 2023 é o de ajuste: para as empresas, para a banca e para os clientes», defendendo que «mantendo-se a imprevisibilidade associada ao aumento das taxas de juro e à inflação, é inegável que vamos viver num contexto mais desafiante que pode afetar algumas famílias portuguesas, sobretudo as que adquiriram casa a contar apenas com as despesas mensais correspondentes a taxas de juro negativas».

Por esse motivo, salienta que não se pode «descartar a hipótese de nos primeiros meses do ano podermos vir a assistir a algum arrefecimento na procura por parte dos clientes nacionais, situação que consequentemente, e em conjunto com outros fatores externos, poderá refletir-se num ajuste dos preços».

Ainda assim, «estamos a viver uma situação bem diferente do passado na medida em que o desemprego se encontra em níveis estáveis, a procura é maior do que a oferta, o nível de poupança dos portugueses atingiu valores elevados com a pandemia e os créditos concedidos nos últimos anos cumpriram requisitos mais rígidos, o que se traduz numa maior segurança».

E em relação ao risco de haver uma tendência de colocar o imóvel no mercado para não correr o risco de incumprimento, a mediadora é clara: «Esta situação irá depender muito do teto máximo que as taxas de juro vão atingir bem como do controlo da inflação», mas defende que, aos dias de hoje, não acredita que se assista a uma tendência muito significativa de maior oferta de imóveis no mercado fruto do contexto atual.

Já Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, defende que os proprietários de habitação adquirida com recurso ao crédito «verão gradualmente as suas prestações a serem revista em alta e um risco de incumprimento estará muito dependente da taxa de esforço de cada família», alertando que a alta taxa de juro «afastará do mercado imobiliário uma boa parte das famílias que tinham intenção de adquirir nova casa, penalizando a procura».

Mas defende que «a resiliência dessa mesma procura por imóveis portugueses estará dependente do quão alto e persistente será o aumento dos juros e das repercussões de uma potencial recessão».

E Henrique Tomé, analista da XTB, diz ser expectável que a procura desça. E acrescenta: «Mais de 80% dos créditos à habitação das famílias portuguesas são fixados em taxas variáveis, sendo que estes serão os mais penalizados com os aumentos das taxas Euribor» e, por isso, defende que existe o risco de incumprimento.

Por fim, Mário Martins, analista da ActivTrades, diz que poderá existir uma quebra na procura. «Tal como é esperado pelo BCE, a subida dos juros tem a função específica de conter e reduzir a inflação, reduzindo a procura em todos os setores de atividade económica que têm fomentado a subida inusitada dos preços, não há volta a dar», diz. Sobre o risco de incumprimento diz que é uma «consequência expectável decorrente das alterações introduzidas ao ramo, sejam elas financeiras ou legislativas».