Distribuição surpreendida com novo imposto

Energéticas e petrolíferas já estavam à espera que nova a taxa avançasse, mas os hipermercados não. Lucros recorde divulgados esta semana ‘empurraram’ o Governo a avançar com a medida.

Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

Depois das energéticas, o foco incidiu também na distribuição. O primeiro-ministro anunciou esta semana que a proposta de lei que o Governo irá apresentar para a tributação de lucros inesperados também irá incluir o setor da grande distribuição. Uma notícia que caiu que nem uma bomba junto dos responsáveis do setor, mas que poderá acalmar a opinião pública face aos resultados anunciados pelas várias empresas ao longo desta semana. E os números falam por si. A Galp apresentou lucros superiores a 600 milhões de euros até setembro, a EDP 518 milhões – apesar da atividade em Portugal ter apresentado perdas de 181 milhões – e a Jerónimo Martins lucrou 419 milhões, entre muitas outras.

Ao Nascer do SOL, Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), diz que ficou a saber «ao mesmo tempo que o país», mostrando surpresa face a essa decisão, uma vez que, até à data, o Governo nunca falou com a entidade. «Não sabemos até que ponto é que isto foi muito meditado. A verdade é que não tem paralelo com as recomendações da Comissão Europeia que foi muito clara sobre esta taxação para um setor da economia específico e com uma razão muito específica», salienta. Mas deixa uma garantia: «Estamos a refletir sobre isto e enquanto setor estamos a aguardar informações e explicações do Governo sobre esta matéria. Não sabemos mesmo como vai acontecer».

O responsável afirmou ainda que «não houve nada de extraordinário que concorresse para os resultados das empresas» e que o setor se depara com «um enorme crescimento dos custos dos fatores de produção em toda a cadeia e que não tem sido transmitido para os consumidores». E em relação ao retalho alimentar lembrou que é um negócio com margens muito baixas, na ordem dos 2% a 3%. «Não há nenhum fator extraordinário, ninguém está satisfeito com a escassez de matérias primas, com o aumento do custo dos fatores de produção, com a guerra, com a instabilidade que tudo isto está a provocar nas economias».

Também as elétricas com sede em Espanha não irão escapar a este imposto extraordinário. «Apesar da sede da EDP Renováveis ser em Espanha, a empresa será também abrangida por esta medida. Basta olharmos para o caso da Iberdrola que também tem sede em Espanha e será abrangida por esta medida», diz Henrique Tomé, analista da XTB.

Minimizar a opinião pública?
António Costa Silva foi quem deu o tiro de partida em relação à hipótese de avançar com este imposto sobre lucros extraordinários, mas ao longo de semanas foi recuando, reconhecendo mesmo que as empresas não estavam preparadas. Mas a medida acabou por ser oficializada por Fernando Medina durante a apresentação da proposta do Orçamento do Estado, garantindo que até iria avançar já este ano. Agora, António Costa alargou o leque em relação às empresas abrangidas.

Uma medida que não surpreende Henrique Tomé. «Faz sentido avançar com estes aumentos dos impostos sobre os lucros extraordinários das empresas que têm beneficiado com os efeitos da inflação e devem servir para apoiar as medidas de apoio avançadas pelo Governo», disse ao Nascer do SOL. 

No entanto, reconhece que é um tema controverso, «dado que os apoios do Governo são francamente inferiores quando comparamos com os aplicados nos restantes países da zona euro e isso é percetível quando analisamos o impacto que estes gastos têm em relação ao PIB». 

Mas também lembra que os resultados líquidos das energéticas têm aumentado substancialmente, devido ao aumento dos preços do gás natural e do petróleo. «Esta situação está a provocar descontentamento entre as empresas, sendo que nesta parte há uma clara má gestão da situação do lado do Governo». Opinião contrária tem em relação à taxação das empresas de distribuição: «Acredito que esta medida deva ser estudada melhor, pois, ao contrário das outras empresas energéticas, estes impostos extraordinários poderão penalizar seriamente o setor».

Já João César das Neves tinha garantido que uma situação excecional pode justificar a medida, mas lembrou que a dificuldade é determinar essa excecionalidade. «Alguns Governos em situação política mais precária, como em Espanha, Itália e Reino Unido, têm de agradar à opinião pública, e resistem com mais dificuldade a pressões populistas. Isto mostra menos a sabedoria da medida do que a fragilidade política desses países», chegou a admitir. 

Empresas sólidas
Gonçalo Lobo Xavier recordou também que o setor da distribuição celebrou um contrato coletivo de trabalho com o sindicato, em que foi aumentado, em média, mais de 5% à tabela salarial, independentemente do valor do salário mínimo nacional. «Parece-me um bocadinho demagógico estarmos a falar que as empresas têm grandes resultados e que as pessoas estão a passar mal. Infelizmente temos um país que não é rico, mas que precisa de empresas sólidas que criem valor e que tenham, até muitas delas, capacidade de internacionalização», disse, acrescentando que «olhar para os resultados das empresas com um sentimento de desconforto parece-nos que faz muito pouco sentido numa altura em que o precisamos é de empresas fortes».

Lucros escandalizam
A EDP viu os lucros subir para os 518 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano, apesar de a atividade em Portugal ter sido penalizada pela seca extrema e pelos elevados preços de eletricidade no mercado grossista da eletricidade ibérico.

A EDP Renováveis seguiu-lhe o caminho no aumento de lucros, que, neste caso, dispararam 181% para os 416 milhões de euros. E diz que os resultados «sólidos» e «robustos» neste período foram «maioritariamente» influenciados pelo aumento dos preços de venda e produção de energia.

Segue-se a Iberdrola, que viu os lucros aumentar 29% para os 3104 milhões de euros até setembro. E diz que quer chegar ao final do ano com lucros recorde: 4200 milhões.

Por sua vez, a Galp registou lucros de 608 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano, o que representa uma subida de 86% face ao mesmo período do ano passado. E diz que os resultados «refletem um forte desempenho operacional em todos os segmentos de negócio». Já a Repsol viu os lucros disparar 66% para os 3222 milhões de euros até setembro. E diz que estes resultados lhe estão a permitir «compensar parcialmente as perdas» de 2019 e 2020.

A Jerónimo Martins registou, nos primeiros nove meses do ano, lucros atribuíveis de 419 milhões de euros, um aumento de 29,3% em relação ao período homólogo. 

Para já, apenas a dona do Pingo Doce reagiu, afirmando que a empresa não está a ter lucros em excesso. «Em Portugal, temos as maiores taxas aplicáveis aos lucros das empresas e não sabemos como é que a lei vai incidir sobre os ditos lucros não esperados. Infelizmente, não vemos, em Portugal, um aumento dos lucros que nos permita dizer que estamos a ter lucros extraordinários ou excecionais. Mas temos de esperar para ver qual será o impacto da lei, dependerá do desenho da lei que for publicada», afirmou a empresa durante a apresentação de resultados.

Este imposto extraordinário tem vindo a ser aplicado em vários países europeus. Alemanha e Espanha já decidiram taxar os lucros de empresas do setor da energia e da banca, assim como a Itália, o Reino Unido, a Eslováquia, a Bulgária e a Roménia.