Governo. Miguel Alves pediu demissão e Costa aceitou

Ao ser acusado no âmbito da Operação Teia, Miguel Alves entendeu não estarem reunidas as condições para permanecer no Governo. “Ninguém está acima da lei”, reagiu António Costa.

O pedido de demissão tardou, mas chegou. Ao fim de vários dias em que se avolumaram as vozes socialistas a questionar a continuidade do secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro no Governo, e menos de dois meses depois de ter entrado em funções, Miguel Alves já está de saída. No dia em que se soube que foi acusado pelo Ministério Público pelo crime de prevaricação, o responsável pela coordenação política do Executivo socialista enviou uma carta a António Costa a pedir a demissão das funções que exercia desde 16 de setembro.

O gabinete do primeiro-ministro emitiu de imediato outro comunicado, revelando que o chefe do Governo recebeu e aceitou a demissão de Miguel Alves e propôs “a sua exoneração ao senhor Presidente da República” e que “oportunamente proporá” a Marcelo Rebelo de Sousa “a sua substituição”.

Cerca de 40 minutos depois, o chefe de Estado emitiu uma nota a dizer que aceitou “a proposta do primeiro-ministro de exoneração, a seu pedido, do secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves”.

De acordo com o Expresso, a saída do governante era um dos temas em cima da mesa na reunião semanal entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. Contudo, não foi por essa razão que Miguel Alves acabou por cair. Se o estatuto de arguido ainda lhe permitia manter-se no Governo, a decisão do Ministério Público foi fatal para a sua permanência como braço direito de Costa.

“Face à acusação deduzida pelo Ministério Público, e mesmo não tendo conhecimento dos seus termos e pressupostos, entendo não estarem reunidas as condições que permitam a minha permanência no Governo de Portugal”, escreveu Miguel Alves na missiva endereçada a António Costa.

Revelando que obteve conhecimento da dedução da acusação pelo Ministério Público pela comunicação social, detalhou ainda que o inquérito “se refere a factos ocorridos nos anos de 2015 e 2016 no exercício do mandato como presidente da Câmara Municipal de Caminha” e foi “confirmado pela senhora procuradora-geral da República”, Lucília Gago, “após contacto efetuado, nos termos legais, pela senhora ministra da Justiça”, Catarina Sarmento e Castro.

Na carta, o até aqui secretário de Estado disse sair “de consciência tranquila, absolutamente convicto da legalidade de todas as decisões” que tomou “ao serviço da população de Caminha e muito empenhado em defender” sua “honra no local e tempo próprio da Justiça”. E acrescentou ainda: “Agradeço a confiança depositada em mim pelo primeiro-ministro, o trabalho que foi possível fazer com todos os membros do Governo ao longo das últimas semanas”.

Na nota que o seu gabinete enviou às redações, Costa fez questão de agradecer a Miguel Alves “a disponibilidade para ter aceitado exercer as funções que agora cessa”. Mais tarde em declarações aos jornalistas, revelou que sabia que Miguel Alves era arguido antes de o convidar para o Governo, mas, justificando a decisão de o ter mantido até aqui, sublinhou que esse estatuto é “uma garantia de quem esta a ser investigado e não um prenúncio de qualquer acusação”.

“Ninguém está acima da lei". O Ministério Público tem de investigar o que tem a investigar e inquirir quem tem a inquirir, e Miguel Alves tem direito à presunção de inocência e a defender-se”, afirmou, à entrada para a reunião da comissão política do PS, na sede do partido.

O ex-autarca de Caminha foi nomeado por Costa para um cargo que não existia na orgânica do atual Governo com o objetivo de suprir as falhas de comunicação que se vinham a acumular num Executivo que iniciou funções em finais de março. Depois de a ministra Ana Catarina Mendes ter sido ‘esvaziada’ das funções de um adjunto, a coordenação política do Governo estava a cargo da ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva. Mas a sucessão de polémicas obrigou o primeiro-ministro a encontrar outra solução. E Miguel Alves foi o nome encontrado para ocupar o lugar que na anterior legislatura tinha sido desempenhado por Tiago Antunes, agora secretário de Estado dos Assuntos Europeus. 
A posição de Miguel Alves em São Bento já era muito frágil, dada a confusão quanto às funções partilhadas com João Cepeda, diretor de comunicação do Governo. Mas foi a sucessão de acontecimentos nas últimas semanas que levou a que se tornasse foco do desgaste do Executivo socialista.

A notícia de um adiantamento duvidoso de 300 mil euros para um projeto que não saiu do papel quando era autarca em Caminha foi apenas a ponta do iceberg. Além disso, Miguel Alves era ainda arguido em dois processos, num dos quais acabou por ser acusado do crime de prevaricação. Em causa está um processo que nasceu da Operação Teia, que tem no centro da investigação a empresária Manuela Couto, mulher do histórico ex-autarca socialista Joaquim Couto, e que é suspeita de corrupção ativa, no processo que envolveu buscas à Presidência do Conselho de Ministros. 
A acusação feita pelo Ministério Público, segundo o Observador, revela a suspeita de que o grupo empresarial de Manuela Couto terá tido relações contratuais com autarquia de Caminha, enquanto foi liderada por Miguel Alves, nomeadamente para a “prestação de serviços de comunicação e imagem”.
Entretanto, o Ministério Público revelou estar ainda a investigar o caso relacionado com o adiantamento de 300 mil euros em rendas à Green Endogenous para a construção de um Centro de Exposições Transfronteiriço (CET) em Caminha.