Furibundo. Costa não vai perdoar a Costa

Mais do que os casos polémicos que se sucedem no seu Governo, o primeiro-ministro irritou-se foi com as acusações que o antigo governador, Carlos Costa, lhe dirigiu. E continua a dar prioridade às questões europeias e à crise económica. Para já, só vai substituir Miguel Alves.

Furibundo. Costa não vai perdoar a Costa

António Costa vai limitar-se a substituir Miguel Alves como secretário-geral Adjunto do primeiro-ministro e afasta, pelo menos para os tempos mais imediatos, outras mexidas no Governo, seja nos titulares das respetivas pastas seja na orgânica do seu Executivo.

O líder socialista mantém-se teimosamente indiferente aos manifestos erros de casting do seu Governo e às querelas internas no partido, sendo que o que mais o irritou nos últimos dias não foi nenhum dos ‘casos’ que envolvem vários dos seus ministros mas, sim, a acusação que lhe foi dirigida enquanto chefe do Governo por Carlos Costa num livro assinado pelo jornalista Luís Rosa – em que o antigo governador diz ter sido pressionado pelo primeiro-ministro a não afastar Isabel dos Santos do banco BIC. E a acusação não cairá em saco roto.

O Nascer do SOL sabe que António Costa ficou furibundo – «com uma profunda irritação», como confidenciou fonte próxima do primeiro-ministro – quando lhe disseram o que Carlos Costa contava no livro O Governador.

Aliás, na quinta-feira, à entrada para a reunião da direção do PS no Largo do Rato, António Costa confirmou que falou telefonicamente com antigo governador do Banco de Portugal e, não tendo este nem desmentido o teor do livro nem pedido desculpa, deu instruções ao seu advogado, Magalhães e Silva, para agir judicialmente no sentido de defender o seu bom nome e reputação.

Costa já tinha prestado declarações aos jornalistas sobre a demissão de Miguel Alves e já ia a entrar na sede do PS quando ouviu a pergunta de um jornalista sobre o tema e voltou de imediato atrás, com ar zangado, para confirmar ter dado instruções ao seu advogado no sentiudo de tudo fazer em defesa da reposição do seu bom nome e reputação.
Em causa está um episódio que ocorreu em abril de 2016, quando o governador informou Isabel dos Santos, a maior acionista do BIC à data, e Fernando Teles, sócio da filha mais velha do ex-Presidente de Angola, que tinham de se afastar do Conselho de Administração do Banco no qual tinham uma participação de 20%. Uma decisão que tinha por objetivo fazer passar aos mercados a certeza de que aquela instituição bancária em nada estava relacionada com os problemas a que estava exposto o BIC Angola. A empresária não aceitou e alegou que não havia nada na legislação portuguesa que a impedisse de ser administradora da instituição. E, perante a determinação de Carlos Costa, recorreu, diz o livro, ao primeiro-ministro português, que terá defendido a posição da filha do ex-Presidente de Angola.

Prevaricação ditou fim
À entrada para a reunião no Rato, António Costa confirmou também que aceitara o pedido de demissão do seu secretário de Estado Adjunto na sequência da acusação deduzida pelo Ministério Público num caso de prevaricação na Câmara de Caminha (que envolve uma empresa de Manuela Couto, mulher do histórico dirigente socialista Joaquim Couto), que nada tem a ver com o outro caso que colocara os holofotes mediáticos sobre o agora ex-governante e que estava relacionado com o adiantamento por aquela mesma edilidade de 300 mil contos a uma empresa para a construção de um pavilhão que não existe (mantendo-se o terreno em mato e sem qualquer intervenção).

O arrastamento de Miguel Alves no gabinete do primeiro-ministro, bem como a reafirmação por parte de António Costa da sua confiança política no secretário de Estado gerou uma onda de indignação que cresceu no interior do próprio partido.
«A situação era insustentável, era uma questão de dias e quanto mais tarde fosse… pior», comentou um dirigente do PS ao Nascer do SOL, frisando que Costa não deixará cair, agora, mais ninguém, apesar das fragilidades de vários membros do Governo. Nem alterará a orgânica do Executivo, apesar das fragilidades e das críticas crescentes entre os próprios socialistas.

O caso de Mariana Vieira da Silva é um dos mais polémicos. Falhou claramente na coordenação política – o que levou António Costa a chamar Miguel Alves para o Governo – e está a falhar na execução do PPR, cuja tutela é sua, apesar de o Presidente da República ter centrado as atenções públicas em Ana Abrunhosa, ministra da Coesão.

E o caso do jovem e inexperiente militante socialista que a ministra da Presidência contratou para o seu gabinete com um vencimento muito superior à média nacional ainda veio fragilizar mais quem o próprio primeiro-ministro elevou a número dois do seu Governo.

E há vários outros ministros que os socialistas apontam como estando a prazo: casos do ministro da Economia, António Costa Silva, e da ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes.

Incompatibilidades desgastam Governo 
Além disso, os casos de incompatibilidade têm vindo a assombrar o estado de graça do Governo com muitos a apontarem para sinais de desgaste e a admitirem que poderá não chegar ao fim. O primeiro sinal de alarme surgiu com Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial, depois de se ter tornado público que duas empresas detidas pelo marido António Trigueiros de Aragão receberam cerca de 200 mil euros em fundos comunitários, em áreas tuteladas pela própria ministra. A governante ‘desvalorizou’, alegando que pediu um parecer à Procuradoria-Geral da República, que não concluiu a existência de conflitos de interesses, nem ilegalidades.

Menos de um mês depois foi a vez do Ministro das Infraestruturas e da Habitação estar debaixo de fogo. Em causa está o facto de a empresa Tecmacal ter celebrado, no fim de junho, um contrato no valor dos 19.1110,00 euros com o Centro de Formação da Indústria do Calçado que é uma entidade pública. Curiosamente, o dono da empresa é o pai do próprio ministro, que detém 44% da empresa, no entanto, também Pedro Nuno Santos tem uma quota de 1%.

Logo a seguir tornou-se polémica a situação de Manuel Pizarro. Pouco depois de tomar posse, o ministro da Saúde negou qualquer ‘conflito de interesses’ por ser casado com a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, apesar de ter transferido essa pasta para a secretária de Estado da Promoção da Saúde. Mas os problemas subiram de tom por estar envolvido, como sócio-gerente, de uma empresa de consultadoria na área da saúde. Pizarro chegou mesmo a admitir estar consciente de que se trata de uma situação de incompatibilidade e no dia 5 de outubro renunciou ao cargo de gerente na empresa.

O último caso tornado público foi o da ministra da Ciência e do Ensino Superior, Elvira Fortunato. A Associação do marido da governante terá recebido apoio de uma fundação precisamente sob tutela do ministério da Ciência e do Ensino Superior. Um apoio que terá sido dado a 27 de julho no valor de 56.725 euros.  O Ministério explicou que a ministrou deixou a empresa a 18 de março, duas semanas antes de tomar posse. No entanto, o último registo no Portal da Justiça trata-se de um aumento de capital, em maio e não há qualquer cessação da atividade.

A Europa em primeiro
O Nascer do SOL apurou que a prioridade de António Costa continua a ser os compromissos europeus – com a guerra da Ucrânia sem fim à vista e todas as suas consequências, nomeadamente a crise inflacionista – e a evolução da situação económica do país, da Europa e do Mundo.

Num quadro de incertezas, uma remodelação do gabinete ministerial não está na agenda do primeiro-ministro.

O que não deixa de criar maior instabilidade e tensão nos bastidores do partido.

O problema, reconhece um histórico socialista, é que António Costa está sem rumo e «anda às voltas na rotunda» sem saber para onde ir.