“O CDS tem de virar a página, sem ajuste de contas”

O ex-deputado diz que o ‘CDS pode ser essencial para a formação de uma maioria alternativa’, mas admite que o percurso vai ser difícil.

“O CDS tem de virar a página, sem ajuste de contas”

Foi líder parlamentar durante todo o período da troika. Como vê estes alertas por parte de várias entidades face à subida da taxa de inflação, das taxas de juro e ao risco de um menor crescimento económico?

Vejo com alguma preocupação, sem histerismo, até porque a história não se repete. E vejo com alguma preocupação por dois motivos. Primeiro, porque os riscos são muitos e são muito efetivos, principalmente depois de termos assistido à queda de um míssil num país da NATO. Isso era, mesmo para a minha geração, que cresceu na Guerra Fria, algo inimaginável. Por outro lado, a economia está como está. As taxas de juro estão como estão. A inflação é alta e quem cresceu nos anos 80 tem ideia do que isso representa. Portanto, os riscos são enormes e estamos a entrar quase numa economia de guerra. Se calhar, já estamos e ainda não nos apercebemos. Por outro lado, vejo que o discurso que originou grande parte das intervenções na Europa começa a voltar. Tivemos uma fase em que a União Europeia e o discurso europeu, em 2009/ 2010, era muito orçamentalista – os principais responsáveis fomos nós, os espanhóis, os gregos e por aí fora –, discurso esse que depois foi muito aliviado e até quase foi o oposto, em 2015, 2016, 2017, em que se fala só de crescimento, etc. Creio que ainda não mudou, porque durante a pandemia, por exemplo, esse discurso manteve-se e bem, no entanto, vejo que começa a mudar. Se juntarmos os riscos e o cenário negro a algumas impressões que estão a aparecer num certo discurso, num retornar a um certo discurso sucessivamente orçamentalista, é preocupante.

É a tal obsessão pelas contas certas?

Não deixa de ser curioso. Ouvi com enorme curiosidade e com uma certa ironia o ministro Fernando Medina utilizar essa expressão. Não sou contra as contas certas, sou completamente a favor, porque são fundamentais para qualquer Estado e para qualquer país. É bom que todos ganhemos o hábito e que passemos a valorizar as tais contas certas. Outra coisa é ver alguns discursos menos centrados na economia, no crescimento económico, na criação de emprego, na resolução de problemas das pessoas. Dou aulas e vejo bem o problema desta geração que se diz ser a mais qualificada de sempre, mas se calhar é a mais sacrificada do ponto de vista de qualidade do trabalho que arranja, da precariedade que tem de enfrentar. Quer dizer, acho que sim contas certas. Mas também sim a economia saudável.

Não a qualquer custo?

Não sei se estamos a assistir a qualquer custo. Temo é que comecemos a assistir a qualquer custo. Gosto muito da ideia de um princípio de direito que todos percebemos que é o da proporcionalidade. Temos de ser proporcionais nas opções que tomamos e naquilo que defendemos. Mesmo achando que é muito importante as contas certas também defendo que devem ser proporcionais, não podem ter uma importância excessiva em relação à vida das pessoas, e isso preocupa-me. Acho que a situação social ainda vai estando controlada por uma economia informal que cresce, o que não é bom motivo, e por bons motivos, em que ainda algumas pessoas têm medidas complementares e de apoio que foram criadas durante a pandemia. No entanto, quando essas moratórias e essas medidas terminarem temo que surja um contexto social difícil.

Acha que as medidas avançadas pelo Governo, tanto durante a pandemia que se arrastaram até agora como as que foram apresentadas no Orçamento do Estado que foi aprovado foram suficientes?

Seguramente não foram suficientes, mas nunca o seriam. Mas sejamos intelectualmente honestos. Eu não quero imputar ao Governo a incapacidade de previsão de um cenário de pandemia e de uma guerra na Europa. Acho que nenhum de nós estaria preparado para estes dois factos supervenientes e imprevisíveis. Fazendo um balanço, o que diria? Diria que não tenho críticas de fundo ou, pelo menos, não gosto de fazer críticas muito severas em relação à gestão da pandemia. É fácil tê-las, pois todos seguramente faríamos diferente, mas tenho a honestidade intelectual de reconhecer que é um tempo completamente extraordinário, de um mundo novo, em que tudo foi feito em cima da hora. O Governo cometeu erros, com certeza, mas quem não os cometeria? Não é possível prever, não é possível programar uma situação de pandemia. No pós-pandemia já não sou tão condescendente. O PRR tem uma visão da economia e da sociedade que não é a minha, que está muito virada para o público e muito distante do privado. Consigo compreender algumas das justificações para a taxa de execução do PRR e até consigo perceber algumas opções políticas que estão por detrás dessa menor execução, mas factos são factos e quando falamos de uma execução de 4%, 6%, quando vemos a diferença de execução entre o público e o privado, quando percebemos que já estamos quase em 2023 e o PT 2030 ainda está pouco mais no papel, vejo com dificuldade ser tão condescendente com esta segunda fase como sou em relação à pandemia.

Não ficou surpreendido em relação ao ‘puxão de orelhas’ de Marcelo Rebelo de Sousa à ministra da Coesão, dizendo que não lhe perdoava se a execução do PRR falhasse? 

Em relação à forma reconheço que não terá sido a mais clássica. Mas o Presidente da República tem um ponto e na substância tem razão em apontar e em alertar. A função dele é alertar que isto é uma oportunidade que não se pode perder. É uma oportunidade que não se pode mesmo desperdiçar nada. Não sei de quem é a culpa, nem acho muito interessante saber se é da ministra Mariana Vieira da Silva, se é da ministra Ana Abrunhosa. Agora, seguramente é do primeiro-ministro porque há uma responsabilidade objetiva. O primeiro-ministro gosta muito de referir, até com alguma verdade, que foi um dos principais atores do PRR e da resposta com a dita bazuca – e ainda bem, acho que a União Europeia mostrou, quer na pandemia, quer no PRR, estar à altura, enquanto não demonstrou isso, por exemplo, em 2010, mas ainda bem que parece que aprendeu com os erros dessa altura – mas parece-me que estamos naquela fase, que é muito portuguesa, em que lutamos muito pelas coisas, conseguimos as coisas e depois não sabemos o que fazer com elas.

Depois cruzamos os braços à espera…

Cruzamos os braços à espera e parece que está feito. Festejamos, vamos para o Marquês, se me permite a imagem. Conseguimos o PRR, e depois não fazemos mais nada. Ou pelo menos não estamos a fazer tanto quanto deveríamos fazer. O principal risco nacional – claro que depois há um risco teórico de uma guerra mundial, e não há maior risco que esse -, o risco português é de não conseguirmos fazer a diferença. 

Como vê as críticas de que o PRR é essencialmente para digitalizar a função pública? 

Acho exageradas, mas certeiras. Ou seja, são seguramente exageradas, mas a digitalização da função pública não é pouco importante, porque é o nosso calcanhar de Aquiles. Não quero menosprezar, nem desvalorizar a digitalização da administração pública. Mas lá está, é necessário proporcionalidade. E proporcionalmente, a criação de emprego português é muito mais feita pelo privado do que pelo público. E, proporcionalmente, essas verbas não são bem distribuídas e essa para mim é a maior crítica. Não tenho nenhum discurso contra a administração pública, uma administração pública digitalizada e competente é essencial para qualquer economia, para públicos, para privados, para todos nós. Agora, se não é, parece que houve um privilégio para a administração pública, em detrimento dos privados 

Típico de um Governo socialista?

É, e num certo sentido diria que é coerente. Mas isso não é necessariamente bom. Às vezes desvaloriza-se excessivamente na vida e na política a coerência e a coerência não é uma característica tão boa quanto isso. Se formos coerentes no erro então já não é uma coisa assim tão boa.

Acha que faz falta o CDS estar no Parlamento para fazer estas críticas e estes alertas? 

Seguramente, mas outra coisa não seria de esperar vindo de um militante do CDS. O CDS faria estas críticas de forma tranquila, sem gritaria, sem radicalismo, com ponderação, com a consciência dos factos e do contexto. Basta as pessoas saírem um bocadinho do sítio para o verem melhor. As pessoas valorizam cada vez mais aqueles que fazem uma coisa muito simples, que é procurarem colocar-se no lugar dos outros. Por isso, digo que não consigo ter uma crítica feroz à gestão da pandemia do Governo, porque eu próprio não sabia o que faria, porque não é previsível, não é algo que sequer pensássemos que iríamos passar. Ter este bom senso de ver as coisas, procurar criticar quando é de criticar, dar alternativas para melhorar e também elogiar quando é de elogiar faz falta e as pessoas valorizam cada vez mais esse bom senso, um bom senso que o CDS tinha e tem. O CDS é um partido capaz de fazer consensos, às vezes, até com algumas críticas, quer com o PSD, quer com PS, mais com o PSD, obviamente, e até mais alargados em algumas áreas estruturantes. Acho que falta muito bom senso na política portuguesa, mas mesmo muito.

E com uma maioria absoluta não é necessária essa negociação por parte do Governo que foi essencial nos últimos anos… 

É verdade, o PS dirá que fez um acordo de concertação social, o que é bom. Isso é positivo. Mas não culpo tanto o PS, ou se quiser, não culpo só o PS. Estamos numa fase da vida política dos antagonismos, em que tudo é muito instantâneo para a rede social, para as claques de um e do outro lado.

São os soundbytes…

São os soundbytes, mas um soundbyte é positivo, pode resumir uma ideia numa só frase. Isso pode ser bom. O problema é que não é só o soundbyte, é mais o soundbyte agressivo. Em abono da verdade, nesse sentido, esta liderança de Luís Montenegro, do principal partido da oposição, tem procurado fugir dessa lógica e acho que faz bem e tem ganho dividendos por isso mesmo. Mas quando olho para o Parlamento, às vezes, parece uma imagem estranha. Se calhar também era quando lá estava, não vou dizer que os outros é que são maus e eu é que sou bom, mas sinto que se radicalizou.

Tem novos partidos… 

Tem novos partidos e uma nova forma. Acho que há aqui uma certa crença que é a agressividade que, a meu ver, pode dar resultados a curto prazo, mas não dará no médio prazo. E pensam que ser agressivo é igual a ser convicto. A pessoa pode ser convicta e ser educada, mas isto para dizer que acho que a médio e longo prazo não nos vai levar a lado nenhum. E mais é um risco para a própria democracia. Também achámos que não iríamos passar por nenhuma pandemia, a nossa geração achava que uma guerra na Europa era uma coisa lunática e a verdade é que passamos e estes anos devem-nos servir para fazer refletir que nunca nada está totalmente garantido.

Este tipo de partidos mais populistas está a crescer em toda a Europa…

À esquerda e à direita. 

Há extremismos nos dois lados…

Exatamente, e ambos são maus, não há extremismo bom e extremismo mau. Por isso estou a dizer que esse extremismo é o resultado de uma sociedade extremista em que vivemos. Por exemplo, a digitalização do Governo é boa, a digitalização da sociedade tenho mais dúvidas. Tenho mais dúvidas, porque parece que todos funcionamos hoje por nichos, por claques, por guetos de uns contra os outros, com acusações, às vezes, até nada políticas, total e completamente pessoais, que não levam a lado nenhum. E cria o caldo de cultura para todos os extremismos e dá oportunidade para aqueles que não gostam da democracia e aqueles que gostam têm que ter consciência disso.

E também afasta muitas vezes as pessoas das próprias eleições…

Seguramente. Mas todas as crises são oportunidades e sinceramente é uma oportunidade para se refletir sobre a forma de fazer política, de refletir sobre a forma até de fazer campanhas, porque quem tiver a coragem – e atenção, não sei se tivesse responsabilidades partidárias se a teria, porque é uma rutura – de fazer política de maneira diferente, de renunciar a velhas formas de fazer política, as arruadas, as feiras, os comícios, a carne assada e procurar outro tipo de meios de chegar às pessoas se calhar pode ter ganho causa.

Regressando ao CDS, foi colocado um outdoor à porta da Assembleia da República a pedir isenção do IVA nos bens alimentares. Foi uma proposta que não teve eco junto do Governo… 

Teve eco, pelo menos, junto de um partido, que segundo sei plagiou. É o drama do CDS por não ter representação parlamentar. Não ter representação parlamentar é dramático. Na democracia tem de haver consequências e o partido pode ter muito boas ideias e tem tido e aproveito para dizer que Nuno Melo tem feito um esforço extraordinário, não tenho crítica nenhuma ao seu trabalho, pelo contrário, só tenho elogios a fazer à liderança que tem feito e só tenho pena de não poder ajudar mais, mas estou noutra fase da minha vida. A verdade é que, muitas vezes, esse esforço é inglório, porque a penetração na comunicação social é pouca – e não estou a criticar a comunicação social porque tem de fazer opções, tem de ter critérios objetivos e o CDS não está no Parlamento. Isso é um critério objetivo e sempre foi assim. Não estou a dizer que a culpa é da comunicação social porque não é, a culpa é do CDS que teve um péssimo resultado nas eleições, por um lado. E por outro lado, na democracia tem que se ser consequente. Se faz uma boa proposta, tem uma boa ideia, tem de a levar a votos. Essa é a base da democracia e a verdade é que essa é uma boa ideia, é uma ideia construtiva de um partido de oposição, concorde-se ou não, até do ponto de vista técnico e económico, é uma proposta que qualquer cidadão, mesmo que seja de esquerda gostaria de ver discutida, de ver debatida. Nada disso é possível porque o CDS não tem representação parlamentar e essa falta de consequência da ação política do CDS prejudicou muitíssimo. Agora há que ter esperança, porque Nuno Melo e sua equipa estão a fazer um belíssimo trabalho e há uma coisa que me surpreende, mas que também me dá muita esperança é haver muita gente nova e com qualidade à volta do Nuno Melo. Vejo que há gente com vontade de levar isso para a frente, como também há gente menos nova, mais antiga que também está com Nuno Melo. O CDS sempre teve e continua a ter quadros extraordinários. Agora tenho esperança, mas também tenho paciência porque reconheço que vai ser um percurso difícil. 

Ainda falta muito tempo para as eleições legislativas, a não ser que este Governo não chegue ao fim do mandato… 

Não é expectável, nem seria bom para o país, creio eu. Mas só o facto de se falar disso sem nos rirmos já é, por si próprio, elucidativo. Passou quanto tempo? Sete meses? Mas é claro que o CDS vai ter de se preparar para umas eleições duríssimas, muito difíceis, sem meios materiais, sem meios financeiros, segundo leio e vejo, sem palco e sem queixas, porque, quanto mais tempo e energia perdemos a queixar e a lamentar pior será. O CDS tem de demonstrar a sua essencialidade e contar a verdade, e ter razão ajuda muito.

E tem de perceber o que falhou no último ato eleitoral?

O CDS tem de ver o que falhou, mas acho que isso já terá sido feito, agora é virar a página, sem ajuste de contas e sem acusações. O CDS tem de mostrar aquilo que para mim parece-me verdadeiro: um faz falta. Dois pode ser essencial para uma formação de uma maioria alternativa a este Governo, como é normal em democracia. E como isso se faz? Com boas ideias, por muito inglórias que sejam, como essa que acabou de falar. Esse caminho está a ser feito, agora falta muito tempo. Na política, normalmente diz-se que um ano é uma eternidade. Eu diria que na atual política um ano é uma era, porque tudo muda de um dia para o outro. Vamos ver, mas faço um balanço muito positivo da ação de Nuno Melo. 

Mas acredita num regresso ao Parlamento?

Acredito.

E estaria disponível para voltar? 

Não vou dizer nunca, porque a vida não nos permite dizer isso, mas nos tempos mais próximos não estou a pensar nisso, estou bem onde estou, gosto do que faço. Estou motivado, estou empenhado, estou entusiasmado e parece-me que é a altura para dar lugar a outros protagonistas. De 2002 a 2005 fui secretário de Estado. Fui deputado 14 anos, oito dos quais como líder parlamentar do CDS. É muito tempo, é muita coisa, é muita pressão e é a altura de dar lugar a outras pessoas. Estou bem como estou. Sou militante, não muito ativo, reconheço e penalizo-me por isso. Mas atento e sobretudo um militante que está por bem, que torce para que as coisas corram bem e espera que as coisas corram bem. Acho que já não é pouco.

A primeira prova de fogo para o CDS vai ser as eleições europeias…

Sem dúvida. 

Diogo Feio já veio dizer que falhando nas europeias, o CDS deixa de ter forma autónoma. Acha o mesmo?

Não seria tão dramático como Diogo Feio, mas é uma prova importante por vários motivos óbvios. São as primeiras eleições depois de um péssimo resultado eleitoral, são as primeiras eleições do novo líder e as primeiras eleições do novo líder que exerce o lugar que é preciso manter. É fundamental, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista financeiro, que o CDS consiga eleger e há bons motivos para votar no CDS nas europeias. E muitos daqueles que se arrependeram no dia seguinte de não terem votado no CDS – e são muitos e ainda hoje me dizem isso – poderão votar.

Acha que os votos foram para que partidos? 

Acho que os votos foram para muitos lados, Foram para a Iniciativa Liberal, sobretudo nos centros urbanos, ou foram para o Chega ou para o PS. Outros não foram para o lado nenhum e foram para a abstenção.

No caso do PS ganhou a ideia de voto útil?

Com a ideia do voto útil e com medo da influência da geringonça. O voto é livre, mas isso é uma boa notícia, porque assim como os perdemos também os podemos reconquistar. Devo dizer, em nome da honestidade intelectual daquilo que penso, acho que se as eleições fossem realizadas oito dias depois, o CDS teria eleito um ou dois deputados. Não quer dizer que fosse um resultado extraordinário, mas há gente que claramente se arrependeu. Se calhar menos gente do que aquela que me diz que se arrependeu, mas é o que é, nunca podemos culpar o povo. O povo tem sempre razão. 

Acha que, nas próximas eleições, o CDS deveria ir sozinho ou em coligação com o PSD, que é o seu parceiro natural? 

Quando estava na política ativa sempre fui acusado de ser um coligacionista, no sentido que sempre fui muito favorável às coligações, quer de Governo, quer até pré-eleitorais. Enquanto cidadão e, não mais do que isso, diria que sim, que deveria ir coligado. Agora isso compete a Nuno Melo e a Luís Montenegro, duas pessoas que são minhas amigas e, ainda para mais, de quem gosto imenso, prezo muito e reconheço-lhes grandes capacidades. 

Com Luís Montenegro esteve no Parlamento… 

Com Luís Montenegro tivemos quatro anos de enorme trabalho, de enorme pressão e sempre com lealdade e amizade. Aquela frase feita na política que diz que não há amigos é totalmente falsa. Ficámos amigos, somos amigos e seremos amigos. Tenho enorme respeito por Luís Montenegro, acho que está a fazer o seu trabalho muito bem, está a ter ideias e está a ter coragem. Não teve medo de ir a jogo na revisão constitucional, independentemente de defender coisas, como a redução de deputados, com que não concordo, mas teve essa coragem, não ficou nas cordas e foi a jogo. Está fazer uma oposição de proximidade e está a ir ter com as pessoas. Está a fazer muitas coisas bem, isso não me surpreende e fico contente com isso.

E com a Iniciativa Liberal faria sentido?

Não sei, a Iniciativa liberal tem algumas ideias que foram do CDS. Não vejo no programa da Iniciativa Liberal, tirando duas ou três linhas vermelhas, uma incompatibilidade total. Mas acho que seria isso que faria se tivesse responsabilidades de fazer contas, parar e pensar. Diz-se que o sistema eleitoral favorece as coligações e favorece de facto porque aproveita os votos de partidos, como o CDS e como a Iniciativa Liberal, por exemplo, em distritos que nunca elegerá deputados, mas pode ajudar a eleger deputados. Se isso depois impede que cada um possa crescer mais per si é preciso analisar, mas aí está essa necessidade de proporcionalidade. 

Está em cima da mesa o projeto de revisão constitucional. Foram apresentadas várias propostas, o CDS também apresentou algumas ideias. Acha que é imperativo fazer essa mudança e neste tempo? 

Não diria imperativo, mas acho bem que, de tempos a tempos, se faça essa revisão. Aliás, a Constituição prevê isso e prevê por algum motivo: a democracia renova-se e qual é a principal norma da democracia? A Constituição é o contrato social entre governantes e governados. E nem vejo a necessidade de ser uma grande, uma pequena ou uma média alteração, acho bom que haja uma reponderação, nem que seja para chegarmos à conclusão que está tudo bem e que se calhar basta mudar os direitos do homem para direitos humanos, onde está sexo por género. Podemos chegar a essa conclusão, não é a minha, mas é só por si positiva podermos ponderar se o contrato social que vigora no nosso país está ou não de acordo com as nossas necessidades. Acho que seria útil fazermos bastantes ajustes, mas valorizo sobretudo que se pondere e que se discuta. 

E concorda com a mudança, por exemplo, de sexo para género? 

Concordo e são sinais dos tempos. Uma coisa é atualizarmos de acordo com a sociedade e isso é positivo. Essas alterações de onde está sexo passar a género, onde está raça passar a etnia e onde está direitos do homem para direitos humanos obviamente que concordo. E também concordo obviamente que haja uma atualização com esses critérios, com esses valores, que são os valores atuais. Uma coisa é isso, coisa diferente é ter uma agenda. Por vezes, vejo que se pretende que a minoria passe a ser uma maioria artificial. Isso não me parece saudável até do ponto de vista democrático, além de que há mais vida além de uma certa bolha em Lisboa e a Constituição é para todo o país. Mais uma vez: proporcionalidade e ponderação. Atualização com certeza, isso votaria de cruz, sem dúvidas e com entusiasmo. Dou aulas a miúdos de 17, 18 e 19 anos e sei bem o que pensam. Uma das coisas de que mais gosto em dar aulas é precisamente achar que me dá semanalmente umas gotinhas de juventude. E se acho bem que a Constituição se renove de quando em quando já não acho bem que a Constituição seja uma espécie de laboratório experimental. Tem de haver um consenso mínimo entre toda a população do país, não pode ser nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

E como vê questões como aquela a que assistimos recentemente em que o ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, acusa António Costa de o pressionar para manter Isabel dos Santos na liderança no BIC?

Para ser franco vejo com alguma surpresa. Não esperava esta polémica, não esperava os factos que hoje se conhecem. Os factos que são imputáveis ao primeiro-ministro pelo ex-governador podem — e sublinho o podem – ser graves, mas também foram prontamente desmentidos pelo próprio primeiro-ministro e já percebemos que vai tudo acabar daqui a sete ou oito ou a dez anos num processo judicial. Não gosto muito em política das chamadas de há seis anos e meio e das mensagens de há oito dias. Não me é confortável fazer comentários de telefonemas ou mensagens privadas. O que acho, isso sim, é que há aqui uma sucessão, não só esse mas de vários casos. Continuo a achar que a nomeação de um chefe de gabinete é uma nomeação política, por exemplo. Outros não são tão facilmente explicáveis.

É o caso de Miguel Alves? 

Por exemplo. E isso surpreende. Até porque a própria gestão política de um homem tão experiente e inteligente como António Costa parece que nos últimos meses não anda tão apurada e perspicaz como todos nós o reconhecemos. Isso até apaga o seu trabalho, porque este Governo como todos os outros tem grandezas e misérias. Há pastas em que o bom trabalho de alguns ministros, até de alguma forma, está a ser prejudicado com esses, vamos chamar-lhes casos, alguns dos quais também são da responsabilidade do Governo.

Mais uma polémica a juntar-se aos casos em torno das incompatibilidades de alguns ministros? 

Incompatibilidade não é igual a corrupção, como disse Cecília Meireles. Às vezes confunde-se tudo.

Há a tendência de se meter tudo no mesmo saco? 

Exatamente. Mas também acho que tem muito a ver com aquela política que lhe falava da rede social, da claque, da frase curta, que é verdade, mas é só parte da verdade. Sinceramente, isso não dá assim tantos dividendos políticos quanto se julga. Agora o desgaste do Governo é claro, mas não quer dizer que não se tenha feito coisas positivas. Por exemplo, o Ministro da Defesa que tem um lugar dificílimo e tem um dossiê tão complexo como o SEF, tem tido uma postura de enorme serenidade e tem sabido gerir um ministério que sei que é bastante difícil, mas não se fala disso e aí António Costa tem um problema se calhar inesperado, agora que conseguiu criar uma maioria absoluta não está a conseguir resolver o problema, o que também é algo inesperado.

E quando temos um primeiro-ministro que resiste sempre à remodelação… 

Já percebemos que António Costa é avesso a mudanças. Terá de aprender e, se por um lado, tem uma parte positiva de que pode parecer convicto, pode também parecer ser teimoso. E a fronteira entre a convicção e a teimosia é muito ténue e já vi o primeiro-ministro com uma capacidade mais apurada para discernir uma coisa e outra. 

E em relação ao Presidente da República, acha que a fase de namoro já terminou? 

O primeiro mandato e a forma de fazer política do Presidente da República é em pressing, para usar um termo futebolístico e o pressing pode cansar. Mas a maior parte dos portugueses ainda nutre uma grande simpatia pelo Presidente da República. Agora é o que é. Não podemos fugir à nossa natureza. O Presidente da República é alguém que está habituado e que gosta de comentar, de intervir, de propor, de ralhar e é evidente que isso pode desgastar um pouco a sua relação com os cidadãos. Não tenho dúvidas nenhumas de que havendo eleições daqui a um mês voltaria a vencê-las com clareza. Não sejamos também exagerados. Acho que a notícia da quebra de popularidade de Marcelo Rebelo de Sousa é manifestamente exagerada.

Já se avançou com nomes de candidatos para as eleições presidenciais. Um deles é Pedro Passos Coelho e foi lançado pelo próprio Presidente da República… 

Não lançou o nome, criou condições para alguém lançar o nome. 

Como vê estas saudações passistas? 

Trabalhei com Pedro Passos Coelho, tenho grande estima política e pessoal por ele, mas diria que Passos Coelho é o menos entusiasmado face a muita gente, porque sempre que o vejo a intervir – e parece-me sincero, não é pessoa, pelo que conheço, para grandes truques – vejo-o muito afastado dessa possibilidade. Agora, claro, seria um bom nome para o centro direita, seria um nome fortíssimo.

Um nome que o CDS poderia apoiar como candidato? 

Teríamos de ver se haveria mais candidatos. Faço um balanço positivo da coligação que fizemos com o PSD de Passos Coelho. Agora também acho que há outros nomes no centro direita e, sobretudo, na política há uma coisa que é fundamental e que os cidadãos pressentem na hora, que é a vontade. Ter vontade de se fazer ou de se ser é muito importante e não vejo essa vontade, ainda posso vir a ver, de Passos Coelho e nem sequer é uma interpretação minha, ele próprio o diz e de forma categórica.