‘A Roménia quer crescer, nós queremos outras coisas’

Portugal corre o risco de ser ultrapassado por aquele país do leste europeu, em termos económicos, já em 2024. PIB nacional cresceu 4,9% e a taxa de inflação abrandou para 9,9%.

Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

Falta cerca de um ano para 2024 mas, até lá, a Roménia pode ultrapassar Portugal no ranking da Comissão Europeia. Em causa, a riqueza que cada país pode criar por habitante: nesta comparação Portugal está a perder pontos desde 2000, podendo até descer cinco posições. Para já, o Governo português desvaloriza estes dados mas há o problema da inflação e da guerra, que podem baralhar as contas. A concretizar-se, Portugal posiciona-se cada vez mais na cauda da Europa.

«A Roménia quer crescer, nós queremos outras coisas», ironiza o economista João César das Neves.

Já Henrique Tomé, analista da XTB, vê com preocupação estes dados. Mas diz que, por outro lado, «estas notícias servem de alerta para que, se for feito, o nosso país irá caminhar para uma situação económica desastrosa a médio e longo prazo». Também o economista Ricardo Paes Mamede não hesita: «A Roménia vai ultrapassar Portugal em PIB per capita medido em paridades de poder de compra. Sim, pagam-se muito menos impostos naquele país. Quem quiser – e há uns quantos que querem – pode ficar por aqui. Ou então podem considerar que na Roménia há mais pobreza (23% vs. 18%), muito menor esperança média de vida (73 vs. 81 anos), muito mais homicídios por 100 mil habitantes (1,5 vs. 0,9) e que o país perdeu quase 1/5 da população nos últimos 30 anos, enquanto Portugal cresceu 5%», salientou no Facebook.

Esta preocupação, que não é nova, adensa-se na semana em que o Instituto Nacional de Estatística divulgou mais dados sobre o estado da economia portuguesa. A economia cresceu 4,9% no terceiro trimestre e a inflação abrandou e situou-se nos 9,9% em novembro. Boas notícias, que não surpreendem os economistas contactados pelo nosso jornal.

Para João César das Neves, esta subida do Produto Interno Bruto (PIB) era «expectável», apesar da procura interna ter registado um contributo menor para o crescimento neste período, já que as famílias consumiram menos e o investimento também caiu, passando de um crescimento de 3,5% no segundo trimestre, para uma contração de 0,4%. Números que levam o economista a afirmar que «o cenário está a ficar mais negro, pelo que o crescimento deve abrandar», daí garantir que esta tendência «provavelmente» se irá manter.

Uma opinião partilhada por Henrique Tomé. O analista da XTB admite que «os próximos valores trimestrais deverão começar a ser revistos em baixa, uma vez que a inflação permanece elevada em Portugal e deverá ter impacto na atividade económica», lembrando que «os efeitos da inflação em conjunto com o aumento dos juros, começam a ter impacto no poder de compra das famílias que começa já a ser representativa nos indicadores económicos». E não hesita: «Esta tendência será para se manter e possivelmente será agravada ao longo dos próximos trimestres».

Também Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, refere que «à medida que a desaceleração económica se instala, nomeadamente penalizada pela diminuição do rendimento disponível, é provável que o consumo e o investimento contribuam cada vez menos para o crescimento do PIB», acrescentando que «na reta final do ano, o consumo privado deverá abrandar a sua contribuição e estima-se que o PIB do quarto trimestre desacelere do atual forte desempenho». Já Ricardo Evangelista, analista da ActivTrades, dá como exemplo as últimas estimativas da Comissão Europeia para a performance da economia portuguesa em 2023, que deixam antever um abrandamento da atividade económica no nosso país. A previsão aponta para um crescimento do PIB de 0,7% no próximo ano, uma desaceleração significativa, que refletirá menos consumo e investimento.

Inflação alivia ligeiramente

O INE avançou também que a variação homóloga do índice de preços no consumidor situou-se nos 9,9% no mês de novembro, um valor que compara com os 10,1% em outubro, tendo assim recuado ligeiramente. O economista do Banco Carregosa explica que «o aumento dos preços dos combustíveis fósseis, das matérias-primas e dos produtos agrícolas impulsionaram a inflação a montante da cadeia de valor, pressionando todos os restantes preços de bens e serviços a jusante, generalizando a inflação, tornando-a também cada vez mais persistente». Mas defende que é preciso ter em conta que «o alívio nos preços dos combustíveis fósseis tem sido uma realidade e poderá ditar o pico da inflação algures neste quarto trimestre».

Já César das Neves admite que o clima é muito incerto e a tendência continua a ser inflacionista, aconselhando que é necessário «estarmos atentos» e apesar de reconhecer que «não são de esperar grandes subidas na inflação» também acredita que «não deve descer rápido».

Os dados do gabinete de estatística surgem numa altura em que a presidente do Banco Central Europeu (BCE) alertou que a inflação pode ainda não ter atingido o seu pico. No entanto, Ricardo Evangelista diz que os números publicados «ficaram abaixo das expectativas porque os custos da energia sofreram uma queda inesperada». Por outro lado, refere «a chamada espiral inflacionária, em que a subida dos preços força aumentos dos salários e resulta em mais subidas dos preços, é um processo que ainda se está a desenrolar», defendendo que a melhor forma de controlar esta espiral «é através de políticas monetárias restritivas».

Mais otimista está Henrique Tomé. O analista considera que «já estamos próximos do momento de transição (que tanto se falava em 2020) em relação à inflação», acrescentando que na Europa «espera-se que exista um pequeno atraso nos números, no entanto, ao longo dos últimos dois meses temos assistido a fortes correções de baixa nos preços de várias matérias-primas, nomeadamente a energia, bem como os constrangimentos sobre as cadeias de distribuição também estão a melhorar».

E os juros?

Com a inflação em níveis incertos, continuará o BCE a subir as taxas de juro? César das Neves defende que «vai subir e deve subir muito», uma vez que a taxa do BCE continua muito abaixo da taxa de inflação. Por sua vez, Henrique Tomé é da opinião que, apesar de parecer que a inflação está a dar sinais de abrandamento na Europa, ainda é «cedo avançar com a ideia de que o pico já foi atingido» e por isso acredita que «estes dados ainda não terão impacto na decisão do Banco Central Europeu no que diz respeito à subida dos juros».

Já o economista do Banco Carregosa diz que depois do abrandamento dos dados da inflação na Alemanha, «o mercado monetária antecipa uma alta de 50 pontos base, cuja probabilidade é de 75%, e a possibilidade de um aumento de 75 pontos desceu para 25%». 

Por fim, Ricardo Evangelista defende que o BCE deverá subir menos a taxa de juro. «O abrandamento da inflação na zona euro, embora devido sobretudo a quedas nos custos da energia, deverá levar a que a próxima subida das taxas de juro seja inferior às anteriores, ficando-se pelos 0,5%», antevê.