Galeria dos horrores

A ideia de que o nazismo era o inferno e o comunismo o paraíso caiu fragorosamente por terra. Nazismo e comunismo foram duas hecatombes humanitárias sem precedentes. Escolher entre um e outro é o mesmo que perguntar a um condenado à morte: queres ser guilhotinado ou enforcado?

Em 19 de setembro de 2019, a União Europeia colocou o comunismo e o nazismo em pé de igualdade, depois de o Parlamento Europeu ter aprovado uma resolução condenando ambos os regimes por terem cometido «genocídios e deportações» numa escala «até agora nunca vista na história da humanidade».

A resolução foi aprovada com uma confortável maioria de 535 votos a favor, 66 contra e 52 abstenções.

Apesar disso, muitas pessoas em Portugal ficaram incomodadas com esta comparação.

O comunismo, depois do 25 de Abril, sempre foi tratado com uma certa reverência.

Talvez em consequência de o Partido Comunista ter lutado contra o salazarismo, o ‘anticomunismo’ era mal visto.

Os anticomunistas eram equiparados aos ‘fascistas’.

Ora, vir a União Europeia meter ambos no mesmo saco, vir dizer que entre comunistas e fascistas não há que fazer distinções, foi um choque.

Vi pessoas, mesmo de direita moderada, ficarem estupefactas com a decisão da UE.

Recordavam as imagens dos campos de concentração; dos cadáveres reduzidos a esqueletos cobertos de pele a serem atirados para valas comuns; dos fornos crematórios; das câmaras de gás; das filas intermináveis de judeus conduzidos para comboios a caminho da morte. Onde houvera algo de comparável no comunismo?

A verdade é que os crimes do comunismo ficaram durante muitos anos escondidos. E ainda hoje são mal conhecidos ou desvalorizados.

Mas a partir de meados dos anos cinquenta começaram a chegar ao Ocidente os relatos do que acontecera na URSS. As deportações para a Sibéria; os gulags; as execuções a golpes de machado para poupar balas; os filhos arrancados às famílias para serem educados pelo Estado nos ideais da revolução; os assassínios de inimigos políticos; a condenação à morte de milhões de pessoas pela fome.

E os horrores não se circunscreveram à URSS: estenderam-se à China, à Coreia do Norte, ao Camboja, etc.

A ideia de que o nazismo era o inferno e o comunismo o paraíso caiu fragorosamente por terra.

Nazismo e comunismo foram duas hecatombes humanitárias sem precedentes.

Escolher entre um e outro é o mesmo que perguntar a um condenado à morte: queres ser guilhotinado ou enforcado?

Embora o número de vítimas seja impossível de estabelecer com rigor, foram centenas de milhões de seres humanos de ambos os lados.

E de cada um dos campos emergiu um monstro: Hitler, na Alemanha, Estaline, na URSS. Mas outras figuras ganharam junto destes um lugar na História: Mussolini, Mao-Tsé-Tung, Pol Pot, Kim Il Sung…

Recentemente, foi proposto ao Parlamento português que recebesse uma exposição retratando esse paralelo entre nazismo e comunismo.

Dizem-me que era fraquinha.

Mas não foi isso que esteve em causa quando o presidente da AR, Augusto Santos Silva, não autorizou a sua realização no edifício.

«A exposição, que pretenderia retratar os totalitarismos do século XX, fascismo incluído, não continha nenhuma referência nem ao Estado Novo português, nem ao franquismo espanhol, nem à ditadura grega, nem sequer ao fascismo italiano. Seria um pouco estranho que o Parlamento português acolhesse uma exposição sobre ditaduras que ignorava a ditadura portuguesa, não acham?» – disse Santos Silva.

Ora, esta justificação é surpreendente. Augusto Santos Silva é professor universitário, licenciado em História e doutorado em Sociologia, parece um homem culto e inteligente, e é impossível não saber a diferença entre totalitarismo e autoritarismo.

Um Estado totalitário é uma coisa, um Estado autoritário é outra.

O nazismo e o comunismo foram sistemas totalitários, ou seja, onde havia uma concentração total do poder.

Existia um partido que ocupava o Estado e detinha o poder político, o poder económico e o poder doutrinário. A doutrina do partido transformava-se em ‘religião oficial’ do Estado.

«Tudo no Estado, nada fora do Estado», era o dogma da Itália de Mussolini, o mais forte aliado de Hitler.

Os regimes autoritários têm outros fundamentos.

Há um Estado forte mas não há concentração de poderes.

A iniciativa privada na economia é permitida, a atividade das religiões e credos é permitida; o Estado detém o poder político mas não é o detentor único do poder.

Hitler e Mussolini (e ainda Mao, Pot, Kim Il Sung, etc. ) protagonizaram regimes totalitários; Salazar e Franco lideraram regimes autoritários.

Em Portugal vigorava uma ditadura, com censura, polícia política, presos políticos, mas defensora da economia privada e mantendo uma prudente distância em relação à Igreja.

Quanto ao número de mortos, nem vale a pena comparar: enquanto o nazismo e o comunismo provocaram centenas de milhões de vítimas, durante o Estado Novo morreram 50 comunistas na prisão e cerca de 30 oposicionistas de outras correntes. E isto ao longo de 41 anos (de 1933 a 74).

Falar de nazismo no mesmo plano do salazarismo demonstra um estranho desconhecimento histórico.

Como não acredito que Santos Silva incorra em tal erro, concluo que pretendeu não melindrar os partidos de esquerda e em particular o PCP.

Mas isso mostra como o debate ideológico em Portugal está atrasado.

O comunismo ainda é uma espécie de ‘vaca sagrada’, que ninguém quer ofender.

E o PCP não consegue libertar-se da carga do passado.

Podia admitir os crimes de Lenine, Estaline, Mao, Pol Pot, e andar para a frente.

Só que não o vai fazer.

Não vai aceitar que os seus heróis sejam misturados com os facínoras de ideologias que os comunistas combateram.

O drama do Partido Comunista é que não pode aceitar a História.

E por isso a História o aniquilará.

P.S. – O PSD pediu a realização de um referendo sobre a eutanásia. O presidente da AR, Augusto Santos Silva, chumbou o pedido. Moral da história: aquilo que o PSD queria que fosse decidido por todos os portugueses, acabou por ser decidido por… um.