‘Na escolaridade progredimos imenso mas continuamos a ser o pior aluno da Europa’

Para a demógrafa ‘tem de haver um repensar da sociedade como um todo’. Apesar de reconhecer várias melhorias, lamenta que Portugal continue atrasado em muitas matérias.

Que análise faz da sociedade portuguesa?
É uma pergunta muito vasta, porque a sociedade portuguesa é um mundo. Se olhar para o passado noto que a sociedade portuguesa, hoje, nada tem a ver com o que era. Acho que se nos víssemos a um espelho e aparecesse a imagem dos anos 60 ou dos anos 70 refletida ficávamos algo aterrorizados e fugíamos a sete pés.

Não nos reconheceríamos…
Não nos reconheceríamos. A sociedade portuguesa mudou muito nas últimas décadas. A começar pelo tempo de vida. Ganhámos bónus de vida. As pessoas hoje vivem muito mais tempo, em média, do que no passado. Conseguimos reduzir muito as mortes prematuras, a mortalidade infantil. Comparando com os atuais países da União Europeia, tínhamos há quatro cinco décadas níveis de mortalidade infantil vergonhosos e hoje estamos no grupo com níveis de mortalidade infantil mais baixos. Foi um caso de enorme sucesso social. Também por comparação com o passado, éramos muito mais pobres, muito menos escolarizados… um país que, do ponto de vista social, comparativamente a tantos outros países europeus do Norte ou Centro, não era confortável. De lá para cá muito mudou: mais tempo de vida, maior escolaridade para todos, o mercado de trabalho tornou-se mais feminino e a sociedade também se tornou muito mais diversificada do ponto de vista de nacionalidades, o que também é um sinal de riqueza. Também as trajetórias familiares tornaram-se muito menos lineares. Costumo dizer que não é a família que está em crise, o que existe são mais configurações de família. Hoje, as famílias são muito mais diversas e o guião único serve a cada vez menos famílias. 

Essas mudanças ocorreram mais tarde em relação a outros países…
Em alguns casos com algum atraso em relação a países como os do Norte da Europa. Contudo, em certos indicadores, passamos a estar próximos de alguns desses países. Posso dar um exemplo: nos nascimentos fora do casamento, que andam à volta de 60%, estamos muito próximos dos valores observados em outros países do norte da Europa e mais distantes dos países do Sul, como de Itália ou da Grécia. Em muitas áreas fizemos mudanças na nossa forma de viver em sociedade e foram rápidas e profundas. Claro que continuam a existir fortes bloqueios importantíssimos.

Que bloqueios são esses?
Por exemplo, na escolaridade. Progredimos imenso, mas continuamos a ser o pior aluno da Europa. Deixo um dado estatístico: dos 25 aos 64 anos cerca de 60% da população tem o ensino secundário ou mais, enquanto a média da União Europeia é de 79%.

Ainda temos muito para caminhar…
E estou a falar da população dos 25 aos 64 anos. Quando olhamos, por exemplo, para os empregadores, estes níveis ainda são mais baixos. No caso dos empregadores, cerca de metade têm o ensino secundário; a outra metade tem no máximo o 9.º ano de escolaridade.

E isso depois reflete-se na vida das empresas?
Reflete-se a vários níveis. Começando pelas lideranças e pela fraca abertura à novidade, em que repetir o que sempre se fez dá mais conforto do que arriscar fazer diferente. Também é uma sociedade de baixa mobilidade social e onde o valor das pessoas na sociedade é muito determinado pela sua origem. Um Relatório da da OCDE refere que o teto e o chão – não só em Portugal, mas também – são bastante pegajosos. Ou seja, o berço faz toda a diferença. Como tal, desperdiçamos pessoas, as suas capacidades, dificultamos o seu desenvolvimento, o que se traduz em bloqueios ao nosso bem-estar individual e coletivo. 

E não se reflete em termos salariais… 
Também se reflete, se olharmos para os outros – e isto tem muito a ver com a escolaridade – em função do tempo que a pessoa está a trabalhar e não dos resultados. Mas, para isso, para conseguirmos avaliar resultados, precisamos de ter metas e objetivos claros do que queremos alcançar, o que nem sempre é fácil. Por isso, frequentemente optamos por avaliar em função do tempo. É estranho que uma pessoa que faz a mesma coisa em metade do tempo não seja beneficiada. Aqui, frequentemente acontece o contrário, o que é revelador dessa falta de objetivos. Esse também é um bloqueio.

É a tal mentalidade…
Exato. Continuamos, diria, um bocadinho infantis. Continuamos a ser muito crianças, a precisar muito do outro para nos dar orientações e não a ser pessoas portadoras da nossa capacidade de decidir e de fazer. Somos infantis e infantilizamo-nos. A frase que ouço permanentemente dizer de que Portugal é um país pequeno é disso ilustrativa. Estamos sempre a fazer-nos pequeninos. Em termos de população, Portugal não é um país pequeno no quadro da União Europeia, é o 12.º mais populoso dos 27. Por outro lado, estamos muito agarrados ao nosso passado. E isso impede-nos muitas, muitas vezes de dar o salto. E também somos uma sociedade pouco igualitária aos mais variados níveis e um deles é dentro de casa. Temos uma desigualdade muito grande de partilha de responsabilidades entre mulher e homem, entre pai e mãe. Continuamos a funcionar mais uma vez como no passado, como os nossos ascendentes funcionavam. Por exemplo, as mulheres quando mães são as responsáveis pelas tarefas de cuidar dos filhos e da casa, acumulando com o seu trabalho profissional fora de casa.

E acumulando com tudo o resto…
Sim, acumulando. As mulheres entraram em força no espaço público, mas os homens não entraram com a mesma intensidade no espaço privado. Quando se trata de responsabilidades, de cuidar da casa, de cuidar dos filhos, etc., a última responsabilidade é das mulheres O inquérito à fecundidade 2019 realizado pelo INE dava conta disso. Claro que as gerações mais jovens estão um bocadinho melhores, em termos de partilha de responsabilidades, mas mesmo assim ainda persistem importantes desequilíbrios. Continuamos a olhar um bocadinho de lado quando uma mulher, por exemplo, não vai às reuniões de escola dos filhos e vai sempre o pai e as pessoas perguntam o que é que aquela mulher anda a fazer? Ou, então, se o homem é um inútil. A mulher continua a sentir-se culpabilizada de não poder ir ao médico com o filho ou de não poder estar com o filho quando este chega a casa vindo da escola.

E os reflexos disso? 
São muitas. Entre eles estão as remunerações para idênticas qualificações: as mulheres recebem menos do que os homens. Ser-se mulher ou homem ainda não é indiferente para o mercado de trabalho. E, falando de discriminação, outra discriminação no mercado de trabalho é a idade. A discriminação é grande, quer em relação ao mais velhos, quer em relação aos mais novos. De novo, mais do que o valor de cada um, existem rótulos que nos secundarizam, como a idade. 

Temos as gerações mais novas com o maior nível de habilitações de sempre. Ainda não é suficiente para ultrapassar essa barreira?
Temos um mercado de trabalho que não é recetivo a essas mesmas qualificações, porque, mais uma vez, esbarramos com quem está a receber. Podem dizer ‘sejam empreendedores, façam, trabalhem’, mas no mercado de trabalho há uma barreira, que são as pessoas que nos dão trabalho. Estudamos, temos qualificações, mas quem é que as valoriza? E acabamos por ter os tais outros atributos a funcionar e, por isso, as pessoas acabam por não ser valorizadas aqui tanto como o são em outros países para onde emigramos. Dizem que vão lá para fora e são fantásticos. Pois, porque são valorizados pelo seu desempenho. E aqui ainda há muitos filtros, em inúmeras áreas, que se utilizam para olhar para as pessoas antes de se perceber o valor que têm. 

E como vê estes problemas na educação? 
As crianças que estão na escola pública, muitas delas, não têm outro apoio externo. Por isso, as aprendizagens podem ficar altamente comprometidas. E isso é um grande problema. Entendo que a Escola é vital mesmo no seu papel corretor das desigualdades sociais, pois não é dentro da família que tal se consegue. E a Escola deve ser uma janela para o mundo. Por isso, e por o mundo estar a mudar, deveríamos ter sempre presente o enorme valor da Escola, incluindo o que se ensina e os momentos de aprender. 

Isso passa por adaptar os conteúdos curriculares?
Adaptar os conteúdos curriculares e também perguntarmos se faz sentido continuarmos com aquelas divisões disciplinares que começam logo desde cedo. Vivemos numa sociedade profundamente segmentada em gavetas. Ou seja, eu saio de uma aula de Matemática, entro na aula de Português, saio da aula de Português, entro na aula de História. Parece que nada tem a ver com nada, mas tudo tem a ver com tudo. A Escola é muito importante ao longo de toda a vida. Não deveria ser uma escola centrada apenas nas idades mais jovens, deveria acompanhar toda a nossa vida, toda, porque estamos permanentemente a precisar de aprender. Não estou a falar de escola superior, estou a falar de ensino e aprendizagem de competências básicas, como literacia digital ou literacia financeira. A escola deve acompanhar-nos ao longo de toda a nossa vida, porque o conhecimento é cada vez mais essencial na sociedade em que vivemos, mesmo em termos de resiliência, pois estamos permanentemente a ser solicitados para o que nem pensávamos. E a pandemia foi um bom exemplo disso.

Foi o caso das reuniões virtuais…
Tivemos de aprender muito o que ninguém nos tinha ensinado. 
Em relação ao interior e ao litoral, o retrato continua a ser muito diferente…
Os Censos da população dizem-nos que o padrão no país é o da litoralização, o da aproximação da população do litoral. E também uma concentração forte da população junto à capital. A Área Metropolitana de Lisboa reforçou-se claramente de 2011 para 2021. E temos vários países dentro do país.

Temos um país a várias velocidades?
A várias velocidades e com realidades completamente diferentes. E há várias questões que se colocam relativamente a isso. Uma das questões é a de que associado ao despovoamento vem o abandono. O despovoamento não é necessariamente mau. É mau quando está associado ao abandono de terras, de património. A revitalização dos territórios não passa necessariamente pela fixação de populações. Aliás, não sou muito favorável à ideia – e nunca fui – de fixar populações.

Até se dão incentivos…
Incentivos para fixar. As pessoas são livres e acima de tudo está a liberdade. As pessoas saem dali e saem por algum motivo. A mobilidade de espaço anda a par com a mobilidade social. É muito importante pensar nisso. E se as pessoas não querem ficar no sítio onde nasceram têm toda a liberdade para sair. O problema é quando são empurradas para sair, queriam ficar e têm mesmo de sair porque não há alternativa nenhuma. Essa já é uma outra questão. Agora, em muitos territórios que estão a perder população era importante pensarem em que medida se podem tornar atrativos e qual o seu potencial de interesse para que a vinda de pessoas não seja passageira, invertendo assim a sua trajetória demográfica com a vinda de pessoas.

Temos o caso da Covilhã, que conseguiu atrair altos quadros…
É que é preciso encontrar fatores que levem as pessoas a encontrar algum interesse em ir habitar para aquela zona. Os interesses podem ser vários para se viver longe das grandes cidades, como os preços da habitação ou o não andar nestas correrias dos engarrafamentos. O recenseamento diz-nos isso. A duração média de deslocação diária, por exemplo, na Área Metropolitana de Lisboa é muito superior à dos outros sítios. Passamos muitas horas no trânsito. A cidade de Lisboa perdeu habitantes entre 2011 e 2021 mas a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve foram as únicas duas regiões que ganharam. O que leva as pessoas a vir para Lisboa? E o que leva as pessoas muitas vezes a saírem das zonas rurais? Essas são as questões que interessa colocar, sabendo que não existe uma resposta única para todos os territórios. Mas temos que, caso a caso, começar por aí.

Há um outro problema que é a natalidade. O que pode fazer o país para inverter esta tendência?
Temos uma diminuição muito significativa do número de nascimentos. Quando nasci, nos anos 60, nasciam cerca de 200 mil crianças por ano e éramos cerca de menos 1,5 milhões de pessoas residentes em Portugal. O que aconteceu de lá para cá? Portugal desenvolveu-se e, como costumo dizer, o desenvolvimento é o melhor contracetivo. Não é por acaso que os países mais desenvolvidos são aqueles que têm níveis de fecundidade mais baixos à escala mundial, porque a criança deixou de ter valor económico, de ser mais um bracinho para trabalhar, ou mais uma segurança na velhice, etc., e passou a ter um valor muito emocional. Também a mortalidade infantil é baixa, a escolaridade aumentou, designadamente das mulheres, os projetos profissionais das mulheres ganharam maior expressão . Em suma, estes são alguns exemplos de mudanças importantes relacionadas com o desenvolvimento. Nenhum país da União Europeia, neste momento, consegue garantir a substituição de gerações. E para que exista essa substituição é preciso que o índice sintético de fecundidade seja igual a 2,1 filhos por mulher. Isto é, cada mulher precisa de ter mais do que dois filhos, porque nascem mais rapazes do que raparigas. O que se passa em Portugal? O número de nascimentos, atualmente, é extremamente baixo. Anda à volta dos 80 mil. Um fator para que os números baixos da natalidade não sejam tão baixos é a imigração. Se a imigração for essencialmente nas idades centrais, que são também as mais férteis, o que acontece, muitas vezes, é que acabam por ter aqui os filhos e não nos seus países de origem. As crianças que nasceram em 2021 e cujas mães tinham nacionalidade estrangeira representavam 13,6% e este número tem vindo a aumentar. Assim, se estamos a falar que queremos que nasçam aqui mais crianças, então também precisamos de estimular muito a imigração de tipo laboral, porque tem esse efeito indireto sobre os nascimentos. No futuro, podemos esperar que o número de nascimentos não venha a ser muito significativo e por uma razão muito simples: estão a chegar cada vez menos mulheres às idades férteis. As mulheres têm um período fértil, que é dos 15 aos 49 anos em termos estatísticos. E as mulheres que nasceram já no período de baixa natalidade estão a entrar nas idades férteis e são cada vez menos. E, como são cada vez menos, mesmo que tivessem muitos filhos…

Não compensaria…
Não compensaria. Só no último recenseamento, dos 15 aos 49 anos, são menos 288 mil mulheres do que eram no recenseamento anterior. Estão a diminuir e vão continuar a diminuir. E os nascimentos vão continuar baixos, por essa razão e também por se esperar que os níveis de fecundidade aumentem significativamente. O inquérito à fecundidade de 2019, conduzido pelo INE, mostrou que as pessoas já não têm como referencial a ambição de descendências numerosas. Por outro lado, a idade com que as mulheres estão a ter o 1º filho é também cada vez mais tardia, o que dificulta ter muitos filhos, dado que o período fértil da mulher é limitado.

Mas também se deve às condições económicas?
Sim, a estabilidade económica é muito importante. O ter um filho é algo muito planeado, pensado e espera-se que tudo aconteça da melhor maneira. O filho não acontece por acaso, e espera-se a reunião das melhores condições para o ter. Embora não exista uma única razão que explique, um dos fatores que justifica o baixo nível de fecundidade observado em Portugal tem a ver com a difícil conciliação de tempos. A dificuldade de articular o tempo de trabalho pago com o tempo familiar. E é difícil, muitas vezes, ser-se simultaneamente boa mãe e boa profissional. Alguma coisa tem de ficar para trás. O primeiro filho ainda se arrisca. 

Avançou-se agora com alguns projetos de empresas que apostam na semana de quatro dias…
Mais do que os quatro dias, gostaria aqui de falar de se ter mais tempo por dia para atividades ou projetos de trabalho não pago. Se formos avaliados por objetivos: ‘Já fizeste o teu trabalho?’, ‘Já’. ‘Então o que é que estás aqui a fazer? Sai, vai passear, vai ter com o teu filho, tens tempo para isso. Não vais ficar prejudicada no salário’. O objetivo é que faça o trabalho, e não o estar presente no trabalho, o que se aplica a muitas profissões…mas não a todas. Outro aspeto importante para o caso da fecundidade é a habitação. Muitas vezes, os jovens têm dificuldade em sair de casa dos pais e entram mais tarde na vida adulta. 

Portugal é conhecido por isso…
Conhecemos bem os problemas – principalmente se estamos a viver em grandes cidades – de conseguir ter uma habitação mínima para se iniciar uma vida adulta. O mercado de trabalho também não é muito simpático para os jovens, já que existe uma grande precariedade laboral, e discriminação em termos salariais. Os jovens, para começarem a vida adulta, têm uma série de aspetos a resolver para terem a tal estabilidade que lhes permita começar a imaginar que querem ter um filho ou que esta é a altura ótima para ter um filho. Há tantos obstáculos e depois diz-se ‘vou dar um incentivo para terem filho e vou pagar 100 euros’. Um filho não se compra com euros. Tem implicações variadíssimas na vida dos pais e famílias, na realização pessoal e profissional, no tempo livre e para estar com os outros, etc. O que falta em Portugal? Falta uma política minimamente coerente, concentrada e centrada, não no nascimento, mas na qualidade de vida das pessoas e principalmente dos jovens para, caso pretendam ter filhos, não terem de adiar tanto essa decisão. Sem contar com os outros aspetos todos, desde o apoio à primeira infância, até à conciliação de tempos e com a partilha de tarefas dentro de casa. Tem de se começar a trabalhar na questão do pai e da mãe em que ambos têm responsabilidades. Isto trabalha-se onde? É difícil, porque as pessoas seguem os exemplos dos pais, os seus pais já seguiram o exemplo dos seus avós e assim sucessivamente. Então, se calhar, só há um sítio onde se pode encontrar essa solução: é a chamada escola. É na escola que isto tem de ser muito bem trabalhado. 

Falou da imigração. Como viu as situações de escravatura relatadas em determinadas atividades? 
Se as situações estão a acontecer da forma como têm sido relatadas é gravíssimo, porque estamos no nosso território a pactuar com situações de abuso humano. Do ponto de vista demográfico precisamos muito de pessoas, porque a população em idade ativa, tal como as mulheres no período fértil, está a diminuir e vai continuar a diminuir no futuro. As pessoas que estão a chegar à idade ativa são cada vez menos comparativamente àquelas que vão sair para as idades superiores. Também o saldo natural, a diferença entre os que nascem e os que morrem, é negativo em Portugal desde 2009, e seria muito mais negativo sem os nascimentos de mulheres cuja nacionalidade é estrangeira. Precisamos de pessoas e para tal precisamos de nos tornar ainda mais atrativos. O relatório estatístico do Observatório das Migrações, publicado recentemente, dá nota que os trabalhadores com qualificações inferiores apresentam remunerações mais baixas do que os trabalhadores portugueses com qualificações semelhantes. Em média, recebem menos 4% no caso de serem semi-qualificados. Já com qualificações superiores, a remuneração dos estrangeiros é mais alta. No entanto, globalmente, os estrangeiros recebem uma remuneração inferior à dos trabalhadores portugueses na ordem dos 7%. Por que é que um estrangeiro só por ser estrangeiro está a receber menos ou mais, mesmo estando a fazer a mesma coisa? . Olhar para o outro em função da sua origem não faz sentido, mas continuamos a fazê-lo. E depois não deveríamos realmente olhar para esse imigrante numa ótica meramente oportunista e económica. Os imigrantes são pessoas, e precisamos de cuidar da sua efetiva integração social. E se queremos que Portugal não se transforme numa plataforma em que as pessoas vêm para aqui para saltarem depois para outros países então é preciso que se sintam efetivamente bem. E para se sentirem efetivamente bem temos de os acolher devidamente. E quando digo acolher devidamente estou a falar de integração. Integrá-los na sociedade e não permitir esta situação de funcionamento tipo guetos. Ou seja, vão todos para umas casas à parte, vivem todos em bairros específicos se for numa cidade, isto é terrível. Carl Sagan disse algo que vem muito a propósito: um organismo com órgãos que não convivem e que estão em guerra consigo próprios está condenado. 

Mas depois assistimos a exemplos, como na Cova da Moura, em que vivem em comunidade, mas isolados dos outros…
Lá está o tal teto e o tal chão. Para esses meninos é muito difícil darem o salto do chão que é muito pegajoso e com um berço difícil. Esses meninos acabam por estar, de uma maneira geral, à margem do sistema. Isto é terrível. E, muitos deles, se calhar a maioria, nasceram em Portugal e são tão portugueses quanto os outros. Há algum problema em ter uma cor de pele diferente? Isto é socialmente condenável. É terrível, marcarmos o outro em função de atributos que nada têm a ver com ele, que nada fez para os ter ou para os não ter, como seja o sexo, a idade ou a origem.

Portugal é o quinto país mais envelhecido do mundo. Que respostas podemos dar a este problema? 
Não é um problema. Estaria preocupada se não estivéssemos a envelhecer. As pessoas que estão a entrar para a idade que consideramos idosas – 65 ou mais anos – nasceram em períodos de natalidade fortíssima e são cada vez mais. E a base do envelhecimento é a mortalidade e fecundidade em baixa. Se o envelhecimento populacional é fruto do desenvolvimento então porque andamos a dizer que é um problema? O problema não está no envelhecimento, está no facto de termos envelhecido e continuarmos a funcionar, enquanto sociedade, como se nada tivesse acontecido. A população envelheceu e não nos adaptámos, mudámos os modelos e formas de organização social.

E com poucas respostas…
Continuamos a achar que aos 65/ 66 anos, a pessoa deve entrar para a gaveta do mais velhos. Mas as pessoas dessa idade nada têm a ver com uma pessoa com a mesma idade em 1960. Hoje, uma pessoa com 72 anos tem uma esperança de vida equivalente a uma pessoa com 65, nos anos 60. Uma pessoa 40/ 41 anos está atualmente a meio da sua vida. Tem tantos anos para viver como aqueles que já viveu. E se for mulher ainda mais. Em 1960, esse meio da vida era aos 36 anos. Hoje, uma pessoa mais velha nada tem a ver com uma pessoa antigamente, quer em termos de tempo de expectativa de vida, quer em termos de competências, de escolaridade, quer em termos de consumo, quer em termos de saúde, da sua interação com os outros, etc. Os idosos de hoje não são uma réplica ampliada dos do passado, tal como os do futuro não vão ser uma réplica ampliada dos de hoje. Sabemos que o conhecimento é o valor central das nossas sociedades e também sabemos que o conhecimento não tem idade, não é por ser mais velha ou mais nova que a pessoa é mais ou menos conhecedora. Por outro lado, as pessoas que estão nesse grupo estatístico não são um grupo homogéneo. Começamos a envelhecer desde que somos concebidos, embora cada um envelheça de forma diferente, e enquanto população e sociedade estamos muito diferentes. Contudo, continuamos a funcionar com o mesmo modelo tripartido, como acontecia no passado. Temos uma idade para estudar, uma para trabalhar e uma para se descansar. Isto não faz qualquer sentido porque a formação é um processo importante que deve ocorrer ao longo da vida. Nas idades centrais trabalha-se e não se tem tempo para mais nada. Pergunto: e se trabalhássemos um bocadinho menos nas idades centrais e prolongássemos mais o tempo de trabalho? Depois a pessoa chega à reforma, por ter uma certa idade, e dizem ‘aproveita’. Mas aproveita o quê? As Nações Unidas estimaram que anualmente esta discriminação custe milhares de milhões de dólares, apontando como exemplo as reformas baseadas em critérios rígidos de idade que privam a sociedade da experiência das pessoas mais velhas. 

E psicologicamente também não é saudável…
Continuo a perguntar e ninguém conseguiu responder se a reforma faz bem à saúde, física, mental e social? Acredito que a reforma, tal como ela existe atualmente, corresponde a uma saída abrupta da fase de vida ativa e não faz bem à saúde, além do desperdício de capital humano que tal representa. Pode-se dizer que pessoas que têm 65/66 anos já estão fartas de fazer aquilo que faziam. Têm toda a razão. O problema é que se tivesse sido dada a oportunidade às pessoas de aos 40 ou aos 45 anos recomeçarem uma nova vida, se calhar recomeçariam. Como o referi num ensaio que escrevi, ‘Um tempo sem Idades’, importa que o aumento de tempo de vida alcançado deixe de significar mais tempo para se ser velho, para passar a ser entendido como ter-se mais tempo para se viver.