Refugiados. Do inferno russo para o sol de Cascais

Saíram da Ucrânia quatro dias depois da invasão russa, e só queriam ficar o mais longe possível da guerra. Atravessaram a Europa numa autocaravana e chegaram a Portugal, onde residem com o filho autista.

por João Sena

A invasão da Ucrânia pelas tropas de Putin gerou uma das maiores ondas migratórias da história. A ONU estima que mais de 13 milhões de pessoas tenham fugido dos bombardeamentos em série, da destruição e da morte – a Portugal chegaram 58.242 mil ucranianos, sendo que 25% são crianças.

Cascais foi dos primeiros municípios a criar condições para receber refugiados no âmbito do projeto SOS Ucrânia. Desde março do ano passado, a Câmara cascalense concedeu 3.691 proteções temporárias a cidadãos que chegaram a Portugal por meios próprios ou através de organizações humanitárias.  Separaram-se de familiares e amigos próximos, que esperam reencontrar, deixaram para trás objetos pessoais e o próprio chão que sustentava a sua vida, tudo isto causado pela insanidade do líder russo.

Maksym, de 42 anos, a sua mulher Kateryna, de 30 anos, e o filho Mike, de sete anos, são uma das famílias apoiadas pela autarquia de Cascais. Sairam de Kiev e do inferno de Bucha para atingir a paz e tranquilidade do Estoril, onde vivem. É grande o sentimento de alívio, mas também de grande incerteza quanto ao futuro.

Maksym tem um negócio de motos, que tenta manter ativo à distância, e obteve o brevet poucas semanas antes do início da guerra, e Kateryna era modelo. Moravam em Kiev e sairam da capital ucraniana a 28 de fevereiro, quatro dias após o início da invasão. “Acordámos às cinco horas da manhã com o barulho das bombas e das sirenes. Ficámos em pânico, pegamos nos documentos, em roupa e comida e fomos ter com os meus pais que viviam a nove quilómetros de Bucha, onde a família se reuniu”, contou Maksym. Ou seja, foram meter-se no ‘olho do furacão’. Foi nessa localidade que se registaram violentos combates e hediondos massacres de civis. “Foi um grande erro e bastante arriscado. Havia grandes batalhas, ouviamos o barulho dos mísseis e dos aviões, era o pior sítio para estarmos. Não nos cruzámos com as tropas russas, mas as explosões e o tiroteio estavam perto. Um dia depois de lá termos chegado a casa ao lado foi atingida por um míssil», disse-nos, ao mesmo tempo que mostrava imagens desse ataque. Com a situação a agravar-se, a família decidiu “abandonar a Ucrânia e ir para a Polónia por causa do nosso filho, que precisa de cuidados especiais”. Maksym passou a fronteira de forma legal, pois ao abrigo da lei marcial o pai de uma criança com problemas de desenvolvimento deixa de ser elegível para ser recrutado – “Sem ele não deixava a Ucrânia”, disse de imediato a mulher.

 Demoraram dois dias para sair do país e fizeram uma viagem arriscada e sem direção certa. “Foi aterrador”, afirmou Maksym, continuando: “Fomos numa direção e começaram a cair mísseis, mudamos de estrada e quando nos aproximavamos de uma ponte essa ponte foi bombardeada e ficámos sem rumo. Não tinhamos a ideia para onde ir, só queriamos sair dali e não sabiamos o que ia acontecer no minuto seguinte”. Contudo, nem todos tiveram essa sorte. Os avós de Kateryna vivem num dos primeiros territórios ocupados pelos russos e não conseguiram sair, e o contacto perdeu-se desde o início da guerra, disse-nos com angústia a modelo ucraniana. Mas houve uma situação ainda mais chocante. O casal utilizou a estrada entre Bucha e Irpin poucas horas antes de uma caravana de carros particulares ser atacada e dezenas de pessoas terem sido assinadas pelas tropas russas, incluindo muitas crianças.

Quando chegaram à Polónia, os 15 membros da família separaram-se. “Havia grande agitação, isso foi mau para o Mike, que estava muito tenso e com medo, por isso separamo-nos da família e decidimos vir para Portugal. Queriamos um país que ficasse o mais longe possível da Ucrânia ocupada, e com um clima ameno, para podermos viver dentro da autocaravana”, explicou Maksym. A opção por Portugal surgiu depois de terem visto um artigo sobre o país, “quatro dias antes de começar a guerra vimos uma entrevista no Youtube com o responsável pelo turismo de Cascais [Bernardo Correia de Barros] e gostámos muito”, contou. Chegaram a Portugal a 20 de março de 2022. “Estavamos em estado de choque. Demorámos 15 dias a chegar a Cascais numa autocaravana, que foi a nossa casa durante esse tempo. Vivemos dias muito difíceis, sobretudo para a criança, que acusou grande stresse e tinha de fazer uma dieta muito regrada”, contou a mãe, que frisou: “O Mike ficou muito sensível ao barulho das explosões e das sirenes. Na passagem ano, assustou-se com o fogo de artifício, lembrou-se do que tinha passado na Ucrânia”.

Depois da aventura que foi chegar a Portugal, as condições de vida começaram a melhorar. “Mandei uma mensagem para uma associação de pais com crianças autistas a contar a nossa situação e, uma hora depois, estavamos a ser acompanhados e a receber uma ajuda maior do que esperavamos”, reconheceu Kateryna.

Na primeira noite, ficaram no centro de acolhimento de emergência e receberam o básico e o filho foi assistido por uma psicóloga e uma nutricionista. Numa fase seguinte, passaram para uma unidade de acolhimento temporário, onde eram observados com regularidade pela equipa médica e por psicólogos, e, depois, estiveram com uma família de acolhimento.

Um ano volvido, a família ganhou autonomia e vive num apartamento arrendado na zona do Estoril. O casal fez questão de afirmar: “Só temos a agradecer tudo o que a Câmara de Cascais tem feito por nós. A nossa prioridade é o Mike, nunca o vimos tão feliz como agora. Está mais calmo, tem um tratamento muito bom e está a socializar-se com outras crianças na escola. Recebe muito carinho e amor das pessoas desconhecidas”, disse a mãe, que admitiu: “O nosso coração está na Ucrânia, mas, pelo bem-estar do nosso filho, estamos mais inclinados a ficar do que a regressar”.