Eduardo Miranda. “O Governo quer acabar com o alojamento local”

Para o presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal, o Executivo procura “um bode expiatório que pode custar quase metade do turismo”.

Como vê as medidas anunciadas pelo Governo?

Depois de analisar o texto concreto da proposta ficou claro que há uma intencionalidade do Governo em acabar com a atividade do alojamento local (AL). No desespero da pressão por habitação, procuram um bode expiatório que pode custar quase metade do turismo. O conjunto de propostas não foi uma ideia mal pesada por uma área do Governo, a habitação, que não percebe nada da economia e turismo. Foi uma proposta estudada e desenvolvida ao detalhe e aprovada em Conselho de Ministros. Há medidas que matam o AL a longo prazo, mas há outras que matam já, a curto prazo.

Vamos então assistir à morte do alojamento local ? Ou tem esperança que haja algum recuo parte do Governo?

Quem tem que responder a isso é o Governo. Se a intenção for seguir esta proposta, a decisão é clara: matar o alojamento local a curto, médio e longo prazo e enquanto o AL morre tenta extrair ao máximo proveitos através de taxas e impostos. Se este é o propósito, tendo o Governo maioria absoluta, podem abusar da autoridade dada. No entanto, a nossa obrigação é lutar pelas 55 mil famílias e 10 mi empresas que vivem do setor e esperar que as vozes do Governo percebam esta loucura, que percebam que estão a matar um setor que representa 42% das dormidas. Uma coisa é certa, com pequenos ajustes nas propostas o resultado é o mesmo.

Considera que o Governo está a usar a atividade como bode expiatório para os problemas da habitação ?

Agora não temos a menor dúvida. Ir ao ponto de destruir aos poucos um setor que movimenta quase metade da atividade mais importante da economia, que é o turismo, é sinal de desespero. E a pergunta é: para quê tudo isto? Isto vai realmente resolver algo do problema da habitação? Temos 72% do AL fora dos grandes centros, em casas de férias na zona litoral e montanha. Casas que nunca vão para habitação. Mesmo em Lisboa e Porto, uma parte são de segunda habitação, na sua maioria são de estrangeiros que nunca vão para o mercado de arrendamento. O que sobra, quase 50%, são maioritariamente T0 e T1 de micro e pequenos empresários em zonas históricas, com inúmeras limitações que as tornam inviáveis para famílias, com áreas diminutas e cujo valor, tendo em conta investimentos, empréstimos, nunca vai ser compatível com o público que pode ter interesse nestes T0 e T1. Lisboa tentou a migração com o Renda Segura, em que se esperavam milhares, e vieram cerca de 70. Um fracasso que agora apresentam como solução nacional.

Cidades como Lisboa já tinham entraves em termos de novos licenciamento. Estas novas medidas seriam mesmo necessárias?

Claro que não. Basta ver que foi o próprio Governo quem deu poder às Câmaras Municipais para, com estudos, dados, de forma pensada, pudessem limitar os novos registos se sentissem a necessidade. De 292 concelhos onde o AL está instalado, apenas quatro avançaram com Regulamentos de Áreas de Contenção, sendo muitos autarcas do partido do Governo. Lisboa e Porto já tinham os novos registos suspensos nas zonas onde realmente há procura e estavam prestes a apresentar a proposta de Regulamento. É por não ser necessária esta suspensão cega e por as Câmaras Municipais saberem disto que o Governo passou por cima das competências das câmaras, tratando-as como inaptas para decidir sobre o seu próprio território.

Sente que nesta última semana houve uma corrida aos registos?

É muito provável, principalmente quando se cria este tipo de instabilidade. Só saberemos quando completar os 10 dias de processo para efetivar os registos. Esse erro já aconteceu em Lisboa e agora o Governo acaba por ampliá-lo a nível nacional.

Em relação aos investimentos que foram feitos até agora, e se as licenças não forem renovadas, corre-se o risco dos empreendedores perderem o seu negócio ?

O mais grave não está na não renovação de 2030. O mais grave é que o Governo criou formas camufladas para acabar com o AL a curto prazo. A pior delas é incentivar a conflitualidade nos condomínios para fazer com que sejam eles a encerrarem os AL. São 70 mil em prédios habitacionais que todos os anos correm o risco de ver o seu negócio encerrado por uma simples reunião de condomínio. São milhares de empresas, empregos de funcionários, rendimento de famílias que dependem do AL que pode desaparecer de um dia para o outro. Não há segurança ou estabilidade nenhuma se isto avançar.

Tem dito que esta atividade é feita por pequenos empresários, que risco é que eles correm ?

Correm todos, mas os pequenos, que são a maioria, estão numa situação mais crítica, pois têm maior dificuldade em refazer a sua vida e tomar uma decisão. Ainda mais se se confirmarem os valores absurdos da taxa extraordinária que as simulações começam a trazer. Estamos a falar de uma taxa que pode chegar a milhares de euros para um pequeno apartamento. Segundo um estudo recente do ISCTE, estes pequenos titulares de AL são, na maioria, pessoas entre 40 e 60 anos, que mudaram de vida para abraçar esta atividade. Que alternativas de emprego essas pessoas terão se o Governo destruir o seu ganha pão? Não é só irresponsável, chega a ser cruel. Um sinal muito perigoso de autoritarismo: um Governo decide que, para tentar eventualmente atingir certos fins, algo que nem é realista, destrói-se a vida de milhares de pessoas que são vistas como danos colaterais numa guerra que é mais propaganda política do que de habitação.

Podemos vir a assistir um aumento do desemprego com o fim desta atividade?

O risco vai muito além do AL. No alojamento local são 55 mil famílias mais todos os empregados das cerca de 10 mil empresas do setor. Mas o AL representa 42% das dormidas, ou seja, mais de 40% de todos os gastos dos Turistas em lojas, transportes, museus, restaurantes, cafés, espetáculos …

Em relação a outras cidades europeias, acha que Portugal está a ser mais papista do que o Papa?

Portugal era considerado até agora o país de referência em termos europeu para a regulação. Serviu até de modelo para a nova Regulamentação que está a ser desenvolvida. Foi o primeiro país a ter a nível nacional um sistema de registo, simples e online. Encontrou nas áreas de contenção uma fórmula inovadora de dar poder a quem conhece a realidade local, as câmaras municipais, para gerirem situações pontuais de concentração de AL. Uma medida proporcional e baseada em dados, portanto, em linha com a regulamentação comunitária. Agora, com suspensões cegas por todo o país, taxas que inviabilizam a atividade, vizinhos em guerra com AL incentivados pela lei, será o pior caso europeu. Se isto avançar, entra já em choque com a legislação europeia e vai na direção oposta do que a Comissão quer com a nova Regulamentação do Short-Term-Rental. A ALEP vai estar semana em Bruxelas para uma avaliação preliminar do início do processo de reclamação oficial à comunidade europeia. É triste, mas vamos passar de exemplos de regulamentação equilibrada para sermos um case study de legislação que ignora as regras comunitárias.