Uma campanha alegre

Perante o actual estado da nossa Marinha, a campanha presidencial do Chefe de Estado-Maior da Armada corre o risco de vir a ser mesmo uma campanha alegre…

Por Luís Menezes Leitão

O estado da Armada Portuguesa, com o episódio do navio Mondego a demonstrar a sua total incapacidade para cumprir as missões de defesa para que deveria servir, só faz lembrar o que na sua obra Uma campanha alegre escrevia Eça de Queiroz sobre a nossa marinha em 1871:

«Mas, meus senhores, antes de tudo, nós não temos marinha! Singular coisa! Nós só temos marinha pelo motivo de termos colónias – e justamente as nossas colónias não prosperam porque não temos marinha! 

Todavia a nossa marinha, ausente dos mares, sulca profundamente o orçamento. Gasta 1159 000$000! 

Que realidade corresponde a esta fantasmagoria das cifras? uns poucos de navios defeituosos, velhos, decrépitos, quase inúteis, sem artilharia, sem condições de navegabilidade, com cordame podre, a mastreação carunchosa, a história obscura. 

É uma marinha inválida. 

A D. João tem 50 anos, o breu cobre-lhe as cãs: o seu maior desejo seria aposentar-se como barca de banhos. 

A Pedro Nunes está em tal estado, que, vendida, dá uma soma que o pudor nos impede de escrever. O Estado pode comprar um chapéu no Roxo com a Pedro Nunes – mas não pode pedir troco. 

A Mindelo tem um jeito: deita-se. No mar alto, todas as suas tendências, todos os seus esforços são para se deitar. Os oficiais de Marinha que embarcam neste vaso fazem disposições finais. A Mindelo é um esquife – a hélice. 

A Napier saiu um dia para uma possessão. Conseguiu lá chegar; mas exausta, não quis, não pôde voltar. Pediu-se-lhe, lembrou-se-lhe a honra nacional, citou-se-lhe Camões, o Sr. Melício, todas as nossas glórias. A Napier insensível, como morta, não se mexeu.

Das 8 corvetas que possuímos são inúteis para combate ou para transporte – todas as 8. Nem construção para entrar em fogo, nem capacidade para conduzir tropa. Não têm aplicação. Há ideia de as alugar como hotéis. A nossa esquadra é uma colecção de jangadas disfarçadas! E este grande povo de navegadores acha-se reduzido a admirar o vapor de Cacilhas! 

Têm um único mérito estes navios perante uma agressão estrangeira: impor pelo respeito da idade. Quem ousaria atacar as cãs destes velhos?».

 

Passaram mais de 150 anos sobre este texto de Eça de Queiroz, mas a verdade é que o estado da nossa Marinha continua exactamente o mesmo, sendo que até se dá a coincidência de na altura Eça de Queiroz criticar o ministro da Marinha José Eduardo de Melo Gouveia, enquanto que hoje o Chefe de Estado-Maior da Armada se chama Henrique Gouveia e Melo.

Sobre o navio NRP Mondego, vale a pena ler o que a própria Marinha escreve sobre o mesmo: «O NRP Mondego, (ex-HDMS GLENTEN – P557) esteve ao serviço da Marinha Real Dinamarquesa entre fevereiro de 1992 e outubro de 2010, tendo sido posteriormente vendido a Portugal em outubro de 2014 e rebatizado com o nome de NRP Mondego (P592). Após um período de reconfiguração e modernização com recurso à indústria nacional, nos estaleiros navais do Arsenal do Alfeite S.A., o NRP Mondego integrou o dispositivo naval do Sistema de Forças e encontra-se apto para desempenhar um vasto leque de missões e tarefas. Este tipo de navios, de patrulha costeira (NPC), têm como missão principal a de busca e salvamento marítimo e fiscalização marítima, com incidência na faixa costeira continental e do arquipélago da Madeira. Para além destas missões, o navio presta apoio a diversas entidades onde se inclui a Autoridade Marítima Nacional (AMN), bem como está apto a prestar apoio à população civil em situações de catástrofe, em articulação com as autoridades de proteção civil. Pode ainda integrar estruturas internacionais, como a agência europeia FRONTEX de controlo da fronteira externa da União Europeia» (https://www.marinha.pt/pt/os_meios/patrulhas/Paginas/NRP-MONDEGO.aspx).

O navio tem por isso mais de 30 anos, foi adquirido a outra Marinha já depois de fazer 20 anos, e foi objecto de recuperação, devendo servir para desempenhar funções da mais elevada responsabilidade. Apesar disso mete água, deita fumo e fica sem energia, não conseguindo fazer uma simples deslocação às Ilhas Selvagens sem ser rebocado. Como se poderia esperar de facto que este navio fiscalizasse navios de guerra russos a passar pelas nossas águas? 

 

Perante o actual estado da nossa Marinha, a campanha presidencial do Chefe de Estado-Maior da Armada corre o risco de vir a ser mesmo uma campanha alegre…