Montenegro exclui acordos com Chega

Líder do PSD aproveitou cimeira do PPEem Bruxelas, na semana passada, para esclarecer em definitivo: não vai haver acordo de Governo nem parlamentar com André Ventura.

A preocupação com a ambiguidade do PSD em relação ao Chega tem os dias contados. Há cerca de um mês, o presidente dos sociais-democratas ainda afirmava que só iria clarificar uma eventual política de coligações pós-eleitorais quando houvesse eleições. Mas Luís Montenegro já antecipou a sua decisão. O Nascer do SOL apurou que o líder do PSD aproveitou a cimeira do Partido Popular Europeu (PPE) que antecipou o Conselho Europeu da semana passada, em Bruxelas, para deixar absolutamente claro que não vai haver qualquer acordo ou aliança para a sustentação de uma alternativa governativa com o Chega. A expectativa é que já nos próximos dias (ou, no máximo, semanas) Montenegro assuma essa mesma posição publicamente.

A estratégia de excluir desde já qualquer entendimento com o partido de André Ventura parte da ideia de que, enquanto se mantiver a dúvida sobre se haverá ou não uma coligação à direita, o Chega continuará a capitalizar e a canibalizar votos ao PSD.

As hostes montenegristas esperam, assim, poder fazer o apelo ao voto útil: não havendo entendimento, para o PSD ser alternativa ao PS, os votos têm que cair necessariamente em concentração nos sociais-democratas e não numa dispersão à direita, tanto pelo Chega como pela IL.

Apesar de já ter assegurado que só aceitará ser primeiro-ministro se o PSD ganhar as eleições legislativas e rejeitado publicamente qualquer espécie de ‘geringonça’ à direita no caso de uma vitória socialista, a intervenção de Luís Montenegro na cimeira do PPE  terá sido o primeiro passo para separar as águas e arrumar definitivamente a questão.

Aliás, prova disso mesmo e de que a relação entre os dois partidos já teve dias melhores, foi o debate entre Hugo Soares e André Ventura, na terça-feira à noite, na CNN Portugal, sobre segurança e migrações, na sequência do esfaqueamento mortal de duas portuguesas da comunidade ismaelita por um refugiado afegão, em Lisboa. O ataque no Centro Ismaili fda capital recolocou na ordem do dia as políticas de imigração em Portugal e o secretário-geral do PSD e o presidente do Chega sentaram-se para uma acesa troca de argumentos, com acusações desenfreadas de parte a parte.

O tema, que é caro ao Chega, prometia aquecer a discussão e André Ventura não tardou em atirar culpas ao Governo, com a mira apontada ao ministro da Administração Interna, por não dispor de qualquer informação relativamente ao homem afegão. O líder do Chega aproveitou ainda para criticar «a política de ‘portas abertas’ descontrolada», imputando também responsabilidades ao PSD junto das instâncias europeias, nomeadamente no Parlamento Europeu, onde os sociais-democratas integram a maior família europeia, o PPE.

 

Debate aceso

Hugo Soares não escondeu as divergências que separam PSD e Chega nesta matéria e acusou Ventura de «populismo» e «oportunismo político», por usar uma «tragédia» como arremesso político . «Este é um caso de justiça, não é um caso de imigração […] Querer misturar isto com políticas de imigração é um erro crasso, é instigar o ódio, é oportunismo político, e um partido que se quer responsável, que quer governar e não é um partido de protesto, tinha que o dizer aqui como eu estou a dizer», demarcou-se o secretário-geral do PSD.

O confronto escalou quando o líder do Chega tentou colar os sociais-democratas aos socialistas, argumentando que a reação de ambos os partidos a este caso era «igual». As intervenções inflamadas que se seguiram entre os dois mereceram até o aproveitamento de alguns socialistas, como foi o caso de Pedro do Carmo, a quem não passou indiferente a descortesia entre Hugo Soares e André Ventura. «Nenhuma democracia merece um debate deste nível», escreveu o secretário nacional do PS.

Questionado sobre se esta discrepância em matéria de imigração durante o debate era um sinal de um afastamento definitivo do PSD relativamente ao Chega, Hugo Soares sublinha que há linhas que os sociais-democratas não passam. «Uma delas é a linha da decência, mas isso não tem nada que ver com uma questão de política de aliança», sustenta em declarações ao Nascer do SOL.

O secretário-geral do PSD recorda também que o presidente do partido, no passado, já reafirmou em várias ocasiões que «não ia ter nenhuma ambiguidade e que no momento certo ia deixar claro» o seu posicionamento em relação ao partido de André Ventura. «Há mesmo uma demarcação, parece-me que ficou absolutamente claro que há diferenças que são grandes», admite, referindo-se às políticas de imigração, vincando, contudo, que o PS e o Governo de António Costa continuam a ser os adversários políticos dos sociais-democratas.

«O PSD quer ter a confiança da maioria dos eleitores. E, perante o caso [do ataque no Centro Ismaili] desta semana, deixei muito claro as linhas que nos separam [do Chega]. São as linhas da dignidade e do oportunismo político. Não cedemos na demagogia, nem no populismo», reforça o braço direito de Luís Montenegro.

Hugo Soares descarta ainda qualquer leitura de que o voto favorável do PSD à audição do ministro José Luís Carneiro no Parlamento requerida pelo Chega, que acabou chumbada pelo PS e pelo Bloco de Esquerda, seja um sinal de qualquer apoio, coligação ou aproximação ao partido de Ventura.

Que não existe e, como Luís Montenegro já deixou claro em Bruxelas, também não existirá.

Agora só falta mesmo saber-se qual será o momento que o líder social-democrata considerará ‘oportuno’ para assumir publicamente a posição.

O Nascer do SOLtentou obter uma reação do eurodeputado e vice-presidente do PSDPaulo Rangel, que esteve presente na cimeira do PPE e sempre foi defensor de uma carregada linha vermelha em relação ao Chega, mas as suas tentativas foram em vão.