Venda de parte do imóvel, uma situação complexa

Encontrar parte de casas à venda é cada vez mais comum e os anúncios na Internet não deixam margem para dúvidas. APEMIP e advogado explicam ao Nascer do SOL este processo complexo e o que acontece tanto do lado de quem compra como de quem vende.

Numa altura em que os preços das casas estão cada vez mais altos e quando é imprevisível a sua descida, encontrar uma casa a um preço mais acessível dentro do gosto de cada um é uma verdadeira aventura. E, quando acontece, ou é sorte ou tem algum inconveniente. Numa pesquisa por habitações mais acessíveis, o Nascer do SOL encontrou várias a bom preço, mas com um senão: apenas era vendido metade do imóvel (ver anúncios).

Mas como se processam estas transações? É possível viver nesse imóvel? Bem, tudo depende, como explica ao nosso jornal Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP).

«Temos sempre um universo de situações muito grande», começa por dizer, lembrando que um imóvel pode ser de várias pessoas. Avançando que este caso é mais comum nas heranças, Paulo Caiado deixa exemplos: «Imaginemos três irmãos que herdaram um apartamento, cada um tem um terço. Ou que são dois irmãos e cada um tem metade. Tem uma quota parte da propriedade. Um dia esses irmãos zangam-se e há um irmão que quer vender ao outro a parte dele, mas o irmão não quer comprar. E qual é uma das ferramentas de pressão que ele tem? Vender», explica.

Quem compra o imóvel fica, logicamente, comproprietário mas a situação não é assim tão fácil. «O usufruto já é outra coisa diferente. Estamos só a falar da propriedade, em que esta pode ser detida na plenitude por uma única entidade ou poderá encontrar-se em regime de compropriedade, ou seja, há vários proprietários de uma mesma propriedade. De vez em quando aparece um anúncio a dizer que se vende parte do apartamento. É isto: há um dos proprietários que quer vender. E, previsivelmente, os outros não estiveram interessados porque se estivessem interessados tinham comprado e não estavam a fazer aquilo», detalha.

O problema é que, garante, «não há muitas pessoas interessadas em comprar uma parte de uma casa. Isso é muitas vezes utilizado como figura de pressão de tentar levar a que alguém se resolva», garante.

Moram então as duas pessoas juntas? «Não, não tem direito a isso. Temos múltiplos cenários. Imagine que são dois irmãos e há um dos irmãos que vive lá e há outro que vende a parte dele. Quem compra a metade não pode ir para lá viver. Pela compra não tem esse direito», acrescenta Paulo Caiado que volta a frisar a «imensidão de figuras» com mais exemplos.

Imagine-se que compra metade de uma casa e que essa casa está arrendada. «A pessoa passa a ter direito a metade da renda» ou pode decidir-se «por exemplo, pôr a casa no mercado de arrendamento. Metade da renda é sua. Ou até há a hipótese de irem viver para lá todos», diz em tom de brincadeira.

Ao nosso jornal, o responsável lembra que esta venda de parte de um imóvel é uma situação muito antiga e que sempre existiu, mas «raramente é transacionada. Não digo que não aconteça, mas não é interessante».

Normalmente, diz, as pessoas que estão interessadas neste tipo de imóveis são familiares ou alguém que esteja ligado a um dos comproprietários. E deixa outro exemplo: «Imagine tem uma casa com um primo, o primo não ata nem desata, arranja um amigo que compra a parte do primo e põe a casa no mercado de arrendamento e divide-se a renda. São coisas deste género. Mas sempre aconteceu», diz.

O que diz a lei?

Ao Nascer do SOL, Francisco Monteiro Pacheco, advogado e sócio da Lopes Cardoso & Associados, diz que estes casos não são comuns mas podem acontecer. «Há, essencialmente, duas formas de contitularidade da propriedade. A propriedade em comum e a compropriedade», diz, acrescentando que «a comunhão é a situação resultante de uma herança indivisa ou de um património comum, como nos regimes de bens do casamento, que não seja o da separação» e que a compropriedade «é a situação resultante de uma aquisição em comum».

Para Francisco Monteiro Pacheco, a distinção não é relevante «uma vez que à comunhão se aplicam as regras da compropriedade». Assim, «querendo um dos comproprietários alienar a terceiro a sua quota-parte ideal da coisa comum, está obrigado a dar preferência ao outro comproprietário, comunicando-lhe os elementos essenciais do contrato que pretende fazer, designadamente o nome da pessoa, o preço e condições de pagamento, se existirá ou não contrato-promessa e, se sim, as condições deste e o prazo para a escritura».

Então o que pode acontecer se a outra parte não pretender vender? O advogado explica que «ninguém, por regra, é obrigado a permanecer na indivisão». E que, se a outra parte não quiser vender e não houver um terceiro que queira comprar a quota-parte do que quer vender, «há que proceder à divisão da coisa comum». E explica que «tal divisão pode ser feita amigavelmente ou através da ação especial de divisão de coisa comum» que está prevista no Código do Processo Civil. Tal divisão «pode – e deve – ser feita em substância, se a coisa for divisível, sendo que se se tratar de um bem imóvel, há, se se tratar de um terreno, que verificar se a divisão cumpre os requisitos legais de fracionamento – inclusive, municipais – e, se se tratar de um edifício, há que verificar se a divisão cumpre os requisitos de constituição da propriedade horizontal».

Caso não seja divisível, é preciso avaliar «e, avaliando-a, verificar se algum dos contitulares quer comprar a quota-parte do outro e este quer vender». Se não quiser, «não há solução se não pôr à venda e dividir o produto da venda».

Francisco Monteiro Pacheco diz que é, aliás, o que acontece no processo especial de divisão de coisa comum, «sendo que, aqui, se a coisa for divisível, na falta de acordo, e fixados por perícia os quinhões de cada um, se procede a sorteio».

Mas há mais: «No caso da indivisão resultar de sucessão hereditária ou de dissolução do casamento, aplica-se o mesmo principio quanto ao direito à divisão, mas o meio próprio para a realizar será o processo especial de inventário».

Questionado sobre se quem compra pode habitar esse imóvel, o advogado diz que «à partida não, ou não em exclusivo», explicando que «qualquer dos contitulares tem igual direito de uso e fruição sobre a coisa comum, mas não pode impedir os outros de também exercerem esse direito». E acrescenta que se algum dos contitulares pretender habitar em exclusivo, «terá que obter para tanto o acordo do outro contitular».

Portanto, quem compra poderá tentar adquirir a outra parte do imóvel «ou convencer o outro contitular a uma alienação conjunta».

Modelos de investimento repartido

Paulo Caiado conta ainda ao nosso jornal que existe uma outra questão que deriva desta que são os modelos de investimento repartido. Trata-se de um grupo de pessoas que quer investir em imobiliário mas que não tem dinheiro para comprar uma casa inteira e, por isso, fá-lo com amigos. «Uma casa que custe 300 mil euros, juntando nove amigos, cada um põe 30 mil euros e compram a casa. E são todos coproprietários». Depois, continua, coloca-se a casa no mercado, «põem a casa a arrendar por 1500 euros por mês, dos quais cada um recebe 150 euros com base no investimento de 30 mil euros que fizeram». Esta tendência, garante, «é algo que começa a ter algum significado em múltiplos mercados espalhados pela Europa e vários sítios e até cá também, já acontece».

Depois, se uma das pessoas quiser vender a sua parte, pode fazê-lo. E estará então a vender 1/10 da habitação. «E daqui a uns anos a sua parte podem já não ser 150 euros mas podem ser 200 euros. E aí já não vende a sua parte por 30 mil euros mas vende por 38 mil. No fundo estamos a dizer que existem novos modelos e novas formas que as pessoas começam a olhar para elas de poderem investir em ativos imobiliários em sistema de copropriedade», finaliza.