Salários. “Com a descapitalização de algumas empresas é difícil subir”

Economistas reconhecem que as empresas têm vindo a aumentar os ordenados, mas admitem que o problema da falta de mão-de-obra é transversal a todos os setores, independentemente das qualificações dos trabalhadores. 

Por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

A taxa de desemprego tem atingidos níveis historicamente baixos – os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), apontam para uma taxa de 6,8% – aliado a  isso há que contar com uma taxa de natalidade baixa, um valor que não compensa os trabalhadores que vão para a reforma, sem contar com quem sai de Portugal à procura de melhores empregos. Estão criadas assim as condições para que haja no nosso país falta de mão-de-obra. Não há fórmulas mágicas, mas os economistas ouvidos pelo i reconhecem que parte da solução passa por uma aposta na imigração. 

Ao nosso jornal, João César das Neves admite que, apesar de o desemprego estar a começar a subir afirma que “continuamos com várias falta de mão-de-obra em certos setores”. Mas lembra que esta falha assiste-se em duas formas: “Um é em certas especialidades, como seja informática, finanças, medicina. Outra é de mão-de-obra não especializada, em empregos mais duros e menos pagos, que os portugueses desdenham”. Um problema que ganha maior relevo, no seu entender, em certas profissões.

Para o economista, a solução passa por um sistema de educação que esteja “dominado, não pelo interesse dos professores, mas pelas necessidades do país. Com o poder da corporação, não é fácil que isso aconteça”, referindo ainda que “a rigidez da lei laboral também não ajuda nada”.

Também a imigração pode, segundo César das Neves, ser uma solução no segundo tipo de carência, não especializada, mas não para o primeiro. E defende que, por outro lado, “com as empresas descapitalizadas, é difícil seguir a via do aumento de salários”.

Também João Duque reconhece este problema de falta de mão-de-obra, tanto para profissionais qualificados, como não qualificados. E defende que, a solução em cima da mesa passa por pagar mais. “Neste momento há áreas que não conseguem mão-de-obra qualificada e, como tal, vão ter de pagar mais. Mas, mesmo no trabalho que não é muito qualificado, como é o caso, por exemplo, da restauração, também não há oferta. Mesmo nos poucos qualificados há muita gente que não quer trabalhar”, refere ao i.

Salários revistos De acordo com o economista, face à oferta de valores que rondam os salários mínimos é “fácil encontrar pessoas que não queiram trabalhar para esses valores”. E não hesita: “A malta não quer trabalhar. Eu que até ganho acima da média, farto-me de trabalhar. Trabalho aos fins de semana, feriados, à noite, fora de horas, mas a maioria não o quer fazer. Se ganhasse pouco ainda trabalhava mais. Arranjava biscates. Acho incrível como é que muitos não querem trabalhar”, confessa. 

E dá o exemplo de quem ganha subsídios e prefere isso face a aceitar um ordenado pelo salário mínimo. “Quem está nesta situação pensa: ‘estou a trabalhar pelo salário mínimo nacional, obviamente não vou trabalhar por esse valor, porque para sair de caso tenho de pagar passes, tenho de gastar mais na alimentação e para ganhar mais 100 euros por mês não vale a pena’”.

Desta forma, João Duque acredita que a solução passa por aumentar o salário dos trabalhadores. “Se uma pessoa ganha no subsídio de desemprego 600 e tal euros por mês e se passar para o mercado de trabalho ganha 700 e tal é mais confortável ficar em casa no sofá. E quando acabar o subsídio volta para o mercado de trabalho”. 

E perante este cenário acredita que o ideal é haver uma diferença entre quem está a receber subsídio de desemprego e quem trabalha. “Temos de dar subsídios mínimos a quem está desempregado, mas depois a diferença para quem trabalha tem de ser maior. Isto significa que quem trabalha tem de receber mais. Caso contrário, não assistimos a uma grande diferença. Não pode ser dos 600 para os 760. Teria de ser dos 600 para os 1200 euros. Aí já seria compensador”.

Por outro lado, acredita que se não tivermos salários mais elevados também não é possível remunerar o trabalho qualificado. “Estamos todos com os mesmos problemas e no caso do qualificado, o que se verifica é que se vão todos embora. Basta ver a estatística dos médicos, é uma diferença colossal, para aí o dobro. Um médico especialista ganha 50 mil euros por ano. Três mil e tal euros por mês. Chega-se lá fora, ganha 8 mil. É uma diferença colossal, conclusão, as pessoas vão trabalhar para fora”, refere.

João Duque diz também que é preciso apostar nos setores com valor acrescentado por unidade e posto de trabalho criado e isto vai ter que ser feito. “Essa é que é a grande transformação e já começou a ser feito, mas só em determinados setores. Por outro lado, há casos que pagam pior e assistimos a situações que são uma lástima”. E dá um exemplo: “Já me aconteceu sentar-me à mesa e ter um empregado que não sabe falar português, não sabe o que é o menu do dia, não sabe nada. Limitam-se quase a escrever o número do pedido”.

Quanto ao funcionamento da função pública também deixa críticas, mas lança sugestões. “O que é preciso fazer é baixar o número de pessoas que andam para aí sem fazer absolutamente nada. É remunerado quem trabalha e acabou. Qual é o interesse do Governo que nos leva à morte? Portugal não ata nem desata. É horrível. Isto é muito engraçado mas é para o turista chegar aqui e estar uns dias de papo para o ar, barato e vai-se embora. Isto não dá dinâmica económica, não tem atratividade”, conclui.

Sair do empobrecimento “Não é com medidazinhas” que o país “vai sair do empobrecimento”. As palavras são de Isabel Camarinha, secretária-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) que, durante a ação do 1.º de Maio defendeu o que Portugal precisa para sair do empobrecimento. “Para desenvolvermos o país, não podemos continuar neste caminho do empobrecimento, não é com medidazinhas, é com aumento de salários e pensões, com taxação dos lucros, com controlo dos preços, é preciso uma alteração da distribuição da pobreza, e o Governo tem de perceber que não pode continuar o caminho do empobrecimento e o subdesenvolvimento”.

A secretária-geral da CGTP defendeu um aumento imediato de 10% nos salários, com um mínimo de 100 euros e retroativos a janeiro, salientando que esta medida é a questão central e pediu mais medidas de apoio para os trabalhadores que “estão a viver condições cada vez mais difíceis” e que, por isso, “precisamos de nos organizar, de nos unir e de lutar para exigir respostas e uma solução para os problemas que estamos a atravessar”.

A responsável atirou ainda: “Não se pode dizer que a economia está a crescer se os salários não aumentam, se os trabalhadores e reformados estão a empobrecer; os resultados podem ser muito bons, mas não há medidas concretas para resolver os problemas das pessoas”.